O cenário político do Brasil, no período de 2016 a 2019, conduz a narrativa da série A Trama, produção documental que fala sobre a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Dividida em seis capítulos, a obra tem estreia marcada para esta sexta-feira (1) nas plataformas Vivo Play e Claro+ e foi dirigida Otávio Antunes e Carlinhos Andrade.
Por meio de entrevistas com juristas, figuras políticas, especialistas em ciência política, sociologia, comunicação e lideranças, os dois conduzem uma "trança", que retrata episódios recentes fundamentais para a o avanço da extrema direita e de divisões ideológicas no país. A distorção do papel do judiciário, observada na Operação Lava Jato, é exposta por atores que viveram o momento de perto.
"A voz do povo está presente também ali. Depois de fazer entrevistas com mais de 40 pessoas, percebemos que a narrativa toda estava em uma colagem entre esses entrevistados. Tivemos como recursos apenas esses comentários e assim surgiu A Trama. O título, inclusive, vem de ser uma teia. Nós trançamos várias entrevistas", afirma Carlinhos Andrade em entrevista ao Brasil de Fato.
::Relembre: Após 580 dias de prisão política, Lula ganha liberdade::
Para o diretor, um dos maiores impactos da série está nas conclusões que os relatos possibilitam. Anos depois das filmagens, realizadas em 2019, o Supremo Tribunal Federal chegou a percepções muito semelhantes sobre as irregularidades no processo que levou Lula à prisão.
"É como se fosse um momento histórico congelado entre 2016 e 2019, onde estamos falando do próprio momento. Não havia ainda o distanciamento histórico e as conclusões as quais se chega são surpreendentes", destaca Andrade.
Leia a entrevista na íntegra abaixo e ouça o áudio no tocador abaixo do título desta matéria.
Brasil de Fato: O material promocional da série traz esse resumo do que ela propõe: contar a história da prisão do ex-presidente Lula. Mas esse fato não se explica em si, ele envolve diversos outros acontecimentos históricos de uma período recente do Brasil. A série fala sobre o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, sobre a Petrobras, sobre o Fome Zero e diversos outros pontos que fazem parte desse período. É possível dizer que temos na tela um apanhado do que vivemos entre 2016 e 2019?
Carlinhos Andrade: Quando o Otávio (Antunes) me procurou para que nós fizéssemos juntos essa série, nós estávamos vivendo um momento muito obscuro do Brasil. Começamos a desenhar essa série em março de 2019, quando Lula estava prestes a completar um ano preso e sem poder dar entrevistas. Ou seja, a voz de Lula, há quase uma ano, não era ouvida fora dos muros da prisão onde ele estava em Curitiba.
Era um momento dramático, porque foi logo após o falecimento do neto do Lula, que foi uma tragédia horrorosa, que nos chocou, com o Lula preso e toda aquela intriga acontecendo em volta dele. Nós chegamos à conclusão de que, se não catalogássemos tudo o que aconteceu cercando a prisão e a sequência de injustiças que ocorreram para manter Lula preso por tanto tempo, essas coisas menores e maiores iam se perder na história e virar apenas a frase – Lula ficou 580 dias preso.
Mas existe um grande drama nacional envolvido nisso. Porque Lula é um personagem que está no epicentro da política brasileira há mais de trinta anos. A presença dele nos processos eleitorais sempre foi forte e marcante como primeira ou segunda força, tendo eleito, inclusive, sua sucessora.
A prisão de Lula ocorre em um processo também em que o Brasil tinha conseguido com o pré-sal uma espécie de passaporte para o futuro. O regime de partilha do pré-sal, que iria irrigar a saúde e a educação dos brasileiros, irritou bastante uma série de países que tinham interesse nas riquezas minerais do Brasil e que colocaram o Brasil na rota da guerra híbrida.
Foi esse processo que dividiu o Brasil no meio, chegou a derrubar a presidenta Dilma. Não adiantava, no entanto, derrubarem a presidenta Dilma com o Lula como favorito no processo eleitoral. O mais interessante da nossa série é que a começamos a construir ela acompanhando ao vivo essa história. Algo acontecia, alterávamos o roteiro. Era para ser em quatro episódios, virou seis. Era pra serem episódios de 13 minutos, viraram episódios de uma hora.
Começamos a dialogar com uma série de juristas, de cientistas políticos, de sociólogos, de jornalistas, de pessoas de diversas áreas e também com personagens que apenas foram expectadores dessa história e tiveram voz também. A voz do povo está presente também ali.
Depois de fazer entrevistas com mais de 40 pessoas, percebemos que a narrativa toda estava em uma colagem entre esses entrevistados. Então, não usamos como recurso um apresentador, tivemos como recursos apenas esses comentários e assim surgiu A Trama. O título, inclusive, vem de ser uma teia. Nós trançamos várias entrevistas que construíram o texto.
Essa trama se refere à trança construída pelos discursos dos personagens, mas também diz respeito a esse conluio e essa obsessão por manchar essa imagem do ex-presidente Lula?
Nós vemos que o processo contra Lula foi uma coisa totalmente armada. A começar por aquele power point, que é uma farsa completa em que eles já condenam de antemão o Lula sem achar qualquer prova e sem saber exatamente qual era a acusação efetiva. Eles partem para uma perseguição cruel, apoiados por um grande esquema de mídia. Esse esquema é fundamental para tentar criminalizar Lula.
Mas Lula vai se mostrando muito resistente, mesmo com a massificação dessas acusações. Tem uma coisa interessante, a série foi toda gravada em 2019 e a conclusão a que os entrevistados chegam se parece muito com a conclusão a que a justiça ia chegar muito adiante. É como se fosse um momento histórico congelado entre 2016 e 2019, onde estamos falando do próprio momento. Não havia ainda o distanciamento histórico e as conclusões as quais se chega são surpreendentes.
As pessoas vão ter o impacto de relembrar o que era chegar em casa, ligar a televisão no noticiário e sofrer aquela enxurrada de pancadas que o brasileiro sofreu nesse período. É uma ajuda para que se interprete esse fato. Talvez, a coisa que nós mais sonhávamos era que, em 2050, alguém ligasse a televisão para assistir e visse o que aconteceu ali de forma viva.
Quando estávamos no meio da série aconteceu a explosão da Vaza Jato. Depois, inesperadamente, já estávamos concluindo a série, quando o Supremo voltou a julgar Lula e aí aconteceu uma coisa que surpreendeu todo o Brasil de forma muito mais rápida.
Nessas tramas em volta da trama vocês contam também muitas histórias do que o Brasil se tornou nos anos do governo Lula. Uma das histórias fala sobre a população da cidade piloto do Programa Fome Zero, Guaribas (PI). O episódio emociona muito a quem assiste. Para vocês também havia essa emoção?
Esse episódio trata do dia que ficou conhecido como dia do solta prende. Um desembargador do Rio Grande do Sul resolve suspender a prisão de Lula e Moro, que estava de férias em Portugal, decide não cumprir a decisão de seu superior hierárquico e o desafia. Naquele momento, as forças do mal estavam todas muito mobilizadas para impedir que Lula concorresses a eleição ou mesmo que falasse alguma coisa.
Porque, se Lula sai da prisão e dá uma entrevista, aconteceria uma reviravolta neste país. Como vai acontecer depois e eu espero que se conclua. Eu espero fazer a segunda temporada em uma outra situação neste país.
Costumo dizer que nós sangramos muito fazendo a série. Porque depois de passar um dia inteiro editando aqueles comentário, parar e dizer "o cara está preso”, dava uma perplexidade e tristeza muito grande.
O fato de a tentativa de desconstrução da imagem e do simbolismo de Lula não ter funcionado sinaliza que, de alguma forma, a justiça prevalece? Traz algum tipo de esperança?
A justiça nem sempre vence, mas a esperança sempre está viva. Essa luta nos leva a perder um pouco da esperança, mas ela renasce em algum momento. A justiça no Brasil, na minha opinião, recupera um pouco do seu caráter. Ela não pode ser um organismo de linchamento de personagens da História que a elite não gosta. E, por algum tempo, ela serviu, através de alguns prepostos, como o linchador oficial.
Eles deram uma casca jurídica a uma perseguição que era completamente injusta. Atropelaram a lei. A Trama mostra isso muito bem. Pelo menos, já quando vai chegando ao final dessa trama toda, o Supremo resgata a sua dignidade, porque ele realmente estava assustado, acovardado naquele momento e deixou o Lula ser preso. Ele reescreveu essa história.
Era muito triste para nós brasileiros saber que o órgão máximo de justiça se curvou à força tarefa da lava jato. Mas quando você se remete àquele tempo, e isso você vê muito bem em A Trama, era impossível contrariar a corrente. Era uma pressão tão grande que juízes, desembargadores, ministros, políticos experientíssimos, foram dragados por esse processo, levados a cassar uma presidenta honesta e a prender um presidente contra o qual não havia prova nenhuma, a não ser a vontade de tirá-lo da eleição.
Naquela época já estava claro. Tudo isso que estou dizendo não é spoiler, porque só assistindo que é possível ver o peso de cada episódio que aconteceu nesse processo para condenar o Lula.
Edição: Rodrigo Durão Coelho