A Lituânia interrompeu a passagem de trens em trânsito por seu território a partir de 18 de junho e, desde 21 de junho, o transporte de mercadorias da Rússia com produtos sujeitos a sanções da União Europeia.
Segundo o governador da região de Kaliningrado - território russo sem ligação direta com o resto do país (veja mapa abaixo) -, a proibição afetou de 40% a 50% das mercadorias transportadas das regiões da Federação Russa para o enclave. As autoridades russas acusaram a Lituânia de "bloqueio" de transporte e ameaçaram tomar medidas de retaliação se as restrições não forem levantadas.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, explicou que as autoridades russas estão agora analisando seriamente o que está acontecendo e, por meio do Ministério das Relações Exteriores, estão transmitindo sua posição a colegas de outros países. "Eu diria até que, infelizmente, eles não são mais parceiros, mas nossos adversários", afirmou Peskov. De acordo com ele, é preciso "se preparar para o pior".
O tom de tensão foi mantido pelo presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, que, em reunião com o presidente russo, Vladimir Putin, disse que as ações da Lituânia para isolar Kaliningrado são semelhantes a uma declaração de guerra.
"Ultimamente, tem havido um fluxo crescente de informações sobre o plano de interromper o trânsito da Rússia pela Bielorrússia para Kaliningrado. Isso é semelhante a declarar algum tipo de guerra. Isso é inaceitável nas condições modernas", disse Lukashenko.
A região de Kaliningrado é um enclave no Mar Báltico que pertence à Rússia desde o fim da Segunda Guerra Mundial, quando foi anexado da Alemanha e fica entre a Polônia e a Lituânia, não tendo continuidade territorial com o resto do país.
O cientista político Ivan Preobrazhenskii, em entrevista ao Brasil de Fato, observou que Kaliningrado tem uma importância estratégica para a Rússia, considerando que o território é cercado por países da União Europeia. O trânsito de mercadorias para a região acontece exclusivamente a partir da Rússia, utilizando o chamado "Corredor Suwalki", que passa pelo território da Lituânia.
Além disso, o analista destaca que foi em preparação para o ataque à Ucrânia, iniciado em 24 de fevereiro, que as autoridades russas transferiram uma quantidade significativa de armas para a Bielorrússia, onde as colocaram perto da fronteira com a Lituânia e a Polônia, aumentando a presença de armamentos nas áreas fronteiriças.
O que acontece agora?
A partir desse cenários, o cientista político acredita que o cenários mais provável que pode se desenhar é a Rússia anunciar que a região de Kaliningrado sofre um bloqueio por parte da União Europeia e, assim, "para supostamente evitar uma catástrofe humanitária, pode anunciar que os aviões russos vão voar diretamente da Bielorrússia através da Lituânia para Kaliningrado pela rota mais curta".
"E para que eles não sofram influência externa, os sistemas de defesa aérea da região de Kaliningrado e da Bielorrússia 'fecham o céu' sobre o corredor de Suwalki. Isso é agressão, mas não há ações militares e a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte, a aliança militar ocidental) enfrenta uma questão difícil de fornecer assistência militar direta à Lituânia nesta situação", analisa.
Ivan Preobrazhenskii acrescenta que "qualquer atraso servirá para enfraquecer a Aliança do Atlântico Norte e alguns países pequenos podem pensar que é inútil contar com a proteção dos aliados e tentarão negociar com Moscou".
O segundo cenário possível é que a crise "simplesmente termine assim que a União Europeia der a entender firmemente à Lituânia que não considera que as sanções podem ser aplicadas ao trânsito de Kaliningrado".
"A terceira opção é um confronto militar direto em terra ou no mar. Isso, na minha opinião, só é possível se a Rússia vencer a Ucrânia. Caso contrário, Putin não terá recursos suficientes. Esta é a única ligação direta entre a Lituânia e a tentativa russa de conquistar a Ucrânia", completa.
Foi relatado na última quarta-feira que a União Europeia está discutindo possíveis maneiras de permitir que a Rússia entregue cargas sancionadas através do território europeu para a região de Kaliningrado. De acordo com fontes citadas pela agência Reuters, uma das opções de compromisso sugere a interpretação de que "a exceção é possível pelo fato de estarmos falando do fornecimento de mercadorias pela Rússia ao seu próprio enclave, e não de comércio internacional comum".
Por outro lado, na última quarta-feira (29), o primeiro vice-presidente do Comitê de Relações Exteriores do Conselho da Federação da Rússia, Vladimir Dzhabarov, disse que o "bloqueio" da Lituânia à região de Kaliningrado pode se transformar em um "conflito armado com a Rússia". Segundo o político, a Rússia deve defender seu território.
"Se sentirmos que esta segurança está sendo violada e [a situação] nos ameaça com a perda de território, então, é claro, tomaremos medidas extremas e nada nos deterá", disse o senador ao portal russo "Vmeste RD". Ele observou que a Rússia tem o direito de defender seu território de acordo com o art. 4 da Constituição da Federação Russa.
O senador diz que a Otan deve pensar nas prováveis consequências de continuar o bloqueio da região de Kaliningrado para impedir a intervenção armada da Rússia na situação.
Para o cientista político Ivan Preobrazhenskii, umas das formas que o Ocidente poderia usar a situação para pressionar Moscou seria concentrar tropas nas fronteiras da região de Kaliningrado ou impor-lhe um bloqueio total, mas o analista acredita este movimento pouco provável, porque "não quer uma guerra direta e, ao mesmo tempo, entende que o Kremlin, para realizar seus planos militares, pode facilmente sacrificar a população da região de Kaliningrado".
Edição: Rodrigo Durão Coelho