Nesta semana, mais precisamente no dia 27 de junho, o TSE recebeu do Ministério da Defesa a indicação dos dez militares (de patentes de médio oficialato) que acompanharão o processo eleitoral de 2022 na condição de “entidades fiscalizadoras”.
Lendo a nominata da exótica indicação me lembrei de uma passagem de domínio público sobre a assinatura do AI-5. Conta a história, o então vice-presidente civil da ditadura militar em 1968, Pedro Aleixo, procurado para assinar o ato institucional por um general das entranhas do regime, teria se negado a fazê-lo. O general teria insistido com o argumento de que ele não precisaria se preocupar com a hiper concentração de poder consagrada pelo ato, uma vez que “o poder estaria nas mãos dos generais, que ele tão bem conhecia”. Ao que Pedro Aleixo teria respondido: ‘General, o que me preocupa não são os generais, mas os guardas da esquina”.
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De todas as nefastas consequências da hiper militarização do governo federal e da política em geral, talvez esta seja a de maior repercussão e de mais perigoso resultado, a cooptação e mobilização de uma parcela da massa de militares e policiais associados a grupos armados de apoiadores da cultura militar, para ações de desestabilização da democracia e ataques às conquistas civilizatórias e direitos fundamentais.
Os movimentos protagonizados, simultânea e combinadamente, pelos oficiais generais da reserva do núcleo do governo Bolsonaro e os comandos das forças singulares e conjuntas das Forças Armadas, reforçam nestes setores uma dimensão conflitiva que os transforma em campo receptivo para a retórica golpista e fascista no Brasil.
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A iniciativa do Comando das Forças Armadas em se associar ao núcleo central do governo da extrema direita para questionar a lisura e a boa técnica do sistema eleitoral e das urnas eletrônicas é recebida por estes ‘guardas da esquina” como conclamação a ações físicas e violentas contra a democracia brasileira. A construção de legitimidade das operações golpistas está assentada na capacidade deste grande bando movimentar-se para questionar a decisão das urnas e criar situações de impasse e tensão.
A tentativa fracassada de impedir o reconhecimento da vitória eleitoral de Joe Biden nos Estados Unidos, a partir da ação direta sobre o Congresso Nacional estadunidense, é o paradigma de ação que o bolsonarismo e os militares bolsonaristas parecem querer construir.
A base destes setores golpistas e neofascistas se organiza em torno das grandes pautas que lhe conferem unidade. Entre elas o porte de armas, o anticomunismo, a detração dos direitos humanos, a segurança como guerra, racismo e homofobia. Esse bloco se amplia em direção aos setores neopentecostais com a adesão às pautas morais conservadoras. Sua organização se dá em clubes de tiros, associações de ruralistas antirreforma agrária e nas organizações paramilitares conhecidas publicamente como milícias. E agora, com os assassinatos de Dom Phillips e Bruno Pereira, percebemos que também o crime organizado na Amazônia e as invasões de terras indígenas se tornaram referências “ideológicas” para estes grupos de guardas da esquina, dispostos a muito em defesa de uma mitologia criada em torno de Bolsonaro.
A perspectiva de golpe no país, tão debatida na atualidade, precisa ser entendida menos como uma possiblidade imediata e mais como uma vontade política de setores sob a liderança destes militares bolsonaristas. A mobilização em torno do questionamento das eleições e do Supremo Tribunal Federal é nítida estratégia de construção de apoio popular ao golpismo. O caminho escolhido é o clássico uso do terror como forma de obstruir ou incapacitar a defesa da democracia, pelo constrangimento e medo da desordem. Sabemos pela vasta historiografia disponível que o golpe de abril de 1964 foi amplamente preparado, em anos, por um conjunto combinado de ações de desprestigiamento da democracia e dos governos eleitos.
São esses setores assalariados públicos de militares e policiais de baixa patente, associados a um lúmpen proletariado articulado em grupos paramilitares, que dão sustentação de rua ao processo golpista em curso. O núcleo palaciano-militar oferece a pauta e a ordem de ação. A derrota eleitoral de Bolsonaro é decisiva, portanto, para obstruir este processo golpista em curso. Uma improvável vitória de Bolsonaro seria quase como franquear o campo para o golpismo a partir da força e legitimidade do governo federal e do aparelho de Estado.
É preciso cortar a força do golpismo no Brasil e esta força reside no Palácio do Planalto. É preciso também fortalecer a resistência democrática que se organiza entre trabalhadores da segurança e policiais. Construir uma nova elite dirigente para as forças armadas brasileiras, assentadas na ideia de democracia, de soberania nacional e popular e de respeito à Constituição Federal. A disputa de valores democráticos e humanistas deve estar associada à luta eleitoral para derrotar Bolsonaro e o golpismo.
*Jorge Branco é sociólogo, mestre e doutorando em Ciência Política. Diretor Executivo da Democracia e Direitos Fundamentais.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
***Leia mais textos como este na coluna de Jorge Branco, do Brasil de Fato RS.
Edição: Katia Marko