Coluna

Cinco notas sobre as pesquisas eleitorais

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Polarização entre Lula e Bolsonaro, a menos de cem dias das eleições, parece irreversível, mostram pesquisas disponíveis - NELSON ALMEIDA / AFP
Lula disputa a vitória eleitoral ainda no primeiro turno, e é possível, depende de nós

Onde há vontade, há possibilidade.

A honra é a poesia do dever.

Sabedoria popular portuguesa

 

1. Lula disputa a vitória eleitoral ainda no primeiro turno, e é possível, depende de nós. O compromisso de honra da esquerda socialista deve ser a luta incansável para derrotar Bolsonaro. A disputa por um programa de esquerda é necessária e justa, mesmo que se desenvolva em condições desfavoráveis, em função das escolhas do PT, a começar pela indicação de Alckmin. Mas o contexto da relação social de forças impõe que aqueles que defendem a estratégia da revolução brasileira estejam na primeira linha da campanha contra o neofascista. A informação fundamental da média das pesquisas disponíveis é que a polarização entre Lula e Bolsonaro, a menos de cem dias das eleições, parece irreversível em função de três fatores principais:

(a) pela consolidação de preferências, ou seja, a proporção muito alta dos eleitores que afirmam não considerar a possibilidade de mudar de voto: Lula alcança 37% na pesquisa espontânea e salta para 47% na estimulada (quando são apresentados os nomes dos postulantes). Bolsonaro vai de 25% para 28%. Tão importante quanto 70% dos eleitores afirmam já estarem totalmente decididos sobre seu voto, segundo o Datafolha. O percentual é ainda maior entre os eleitores de Lula e Bolsonaro (80%);

(b) a soma de 75% de intenções de voto em Lula (47%) e Bolsonaro (28%) parece um obstáculo intransponível, considerando, também, a estagnação em nível inferior a 10% de todas as outras candidaturas, em especial de Ciro Gomes e Simone Tebet, depois de vários meses de exposição;

(c) embora as taxas de rejeição de Bolsonaro, de 55%, e de Lula 35% sejam elevadas, a taxa de adesão é, também, muito sólida e estável, e estimula um voto estratégico ou “útil” que antecipa a decisão do segundo para o primeiro turno.

 

2. Lula tem 56% contra 20% de Bolsonaro entre as famílias que ganham até dois salários mínimos que somam metade da população; perde ou empata nas demais faixas de renda. Apenas 21% das mulheres votam em Bolsonaro. O impacto da PEC “kamikaze” do Estado de Emergência de aumento do auxílio-brasil pode ter, talvez, como efeito a realização de um segundo turno, muito cedo para avaliar o impacto. Ainda assim o favoritismo de Lula deve permanecer intacto. Somente uma “bazuca” política, algo na esfera do impensável, poderia deslocar o desfecho plebiscitário em outubro. Mas, por outro lado, permanece a ameaça de que Bolsonaro prepara uma baderna, provocação ou “convulsão” golpista para o sete de setembro, uma mobilização de sua base social mais exasperada pela denúncia da lisura das urnas eletrônicas, o que impõe a urgência de uma resposta nas ruas contra o bolsonarismo.

 

3. A segunda informação é que se mantém um grau elevado de indefinição de preferências para as eleições estaduais para governador e senador. Quando não se apresenta aos eleitores uma lista de quais serão as candidaturas, nos três estados do sudeste, dois terços dos eleitores respondem “não sei”. O que permite duas conclusões: (a) que a disputa pela transferência de votos das candidaturas presidenciais para as estaduais ainda está por acontecer, e terá muita importância; (b) que as duas principais candidaturas presidenciais terão um imenso papel na decisão das eleições estaduais. São Paulo tem Haddad na frente e, entre os candidatos de esquerda aos governos estaduais, é aquele que já conquistou um voo próprio, em função da candidatura presidencial de 2018. Lidera a disputa com 34% das intenções de voto. Tarcísio de Freitas e Rodrigo Garcia estão empatados com 13%, sugerindo que o PSDB ainda pode disputar um lugar no segundo turno contra o candidato bolsonarista. Cerca de 63% dos entrevistados disseram não votar numa candidatura apoiada por Bolsonaro. Haddad lidera bem na região metropolitana, mas Bolsonaro é muito forte no interior, e um segundo turno parece inevitável. O PSOL aguarda há meses, com imensa paciência, o desenlace das negociações com França e o PSB, tendo sinalizado a disposição de apoiar Haddad, desde o primeiro turno. Esta localização decorre da análise de que, pela primeira vez, está colocada a possibilidade de derrotar o PSDB na eleição estadual, depois de trinta anos, o que seria histórico. Depois que Boulos chegou ao segundo turno nas eleições de 2020 para a Prefeitura da capital, o PSol ocupou um novo lugar na esquerda paulista, muito mais forte. O PSOL é consciente das novas responsabilidades. Mas o PSB e França foram aliados dos governos tucanos, e só romperam depois que Doria assumiu o controle do PSDB. O PSOL poderá apoiar Haddad para o governo, mas não França para o senado. O PSOL não será um obstáculo na luta para derrotar Garcia e Tarcísio em São Paulo, mas nem mais, nem menos do que isso. Estará presente, lealmente, na campanha de Lula e Haddad, mas preservando a sua independência, e pode considerar a apresentação de uma candidatura própria ao Senado.

 

4. No Rio de Janeiro a eleição estadual será uma luta muito difícil. Com 22% das intenções de voto, Freixo está em empate técnico com o governador Cláudio Castro (PL), com 23%. Lula tem 41% da preferência do eleitorado, contra 34% de Bolsonaro, A distância entre os dois principais pré-candidatos à Presidência registrada no levantamento no Rio de Janeiro é menor do que a apresentada na pesquisa nacional divulgada na semana passada. Nela, Lula tinha 47% das intenções de voto contra 28%. Mas Lula tem rejeição maior do que os 35% detectados no cenário nacional, 42%. Bolsonaro apoiando Castro oferece um impulso importante. O PSOL decidiu apoiar Marcelo Freixo desde o primeiro turno, em função da necessidade de derrotar o bolsonarismo no seu berço. Mas, considerando o giro político de Freixo será um engajamento honesto e crítico.  Não poderá ser uma aposta incondicional. O convite a Cesar Maia é uma manobra muito perigosa que semeia incontornáveis desconfianças. Trata-se de uma aventura política, porque as diferenças político-sociais são irreconciliáveis. A candidatura de André Ceciliano ao senado é, também, indigerível, e o PSOL pode considerar uma candidatura própria ao senado.

 

5. Em Minas Gerais, o PSOL terá candidaturas próprias para governador, Lorene Figueiredo e Senado, Sara Azevedo. A decisão do PT de renunciar a uma candidatura própria e apoiar o prefeito de Belo Horizonte obriga o PSOL a apresentar uma candidatura de esquerda. Apesar de ter sido progressiva na luta contra a pandemia, não é possível sequer argumentar, seriamente, que a prefeitura de Kalil foi um ponto de apoio para construir uma oposição ao bolsonarismo. Apesar da renúncia do PT, que já governou a capital e o estado, a eleição estadual permanece imprevisível, mesmo com Lula atingindo 48% das intenções de voto contra 28% de Bolsonaro. Não é fácil para o PT transferir para Kalil, com o engajamento de Lula, uma quantidade de votos suficiente para reverter o apoio que Zema mantém no interior.

 

*Valerio Arcary é professor titular no Instituto Federal de São Paulo (IFSP), militante da Resistência/Psol e autor de O Martelo da história, entre outros livros. Leia outras colunas.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo