Internautas reagiram às manchetes de alguns jornais brasileiros que veicularam o assassinato do guarda municipal Marcelo Arruda, tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT) em Foz do Iguaçu (PR), na madrugada deste domingo (10). Ele foi morto a tiros pelo agente penal José da Rocha Guaranho, que é explícito apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL), como deixa claro em suas redes sociais.
A Folha de S. Paulo publicou a seguinte manchete: "Petista é assassinado no PR, e PT fala em crime de ódio por bolsonarista". O Estadão, por sua vez, escreveu: "Guarda é assassinado em festa com tema do PT no PR e partido acusa bolsonarista". A manchete do Poder360, no entanto, foi a que mais repercutiu: "Bolsonarista e lulista morrem em troca de tiros no Paraná". Horas depois, os jornais mudaram as manchetes.
"Quem disse que há troca de tiros e coloca em manchete comete um assassinato do Direito. É um erro crasso e é má-fé", apontou o professor de Direito Constitucional Lenio Streck em entrevista ao Jornal Brasil Atual. "Ninguém que saiba um pouco de Direito e tenha um pouco de razoabilidade ou que pelo menos ligue para seu amigo advogado, ou nas grandes redações que têm advogados para dar assessoria, ninguém que entenda um pouco disso confunde uma legítima defesa, que é quando alguém se defende de uma agressão atual ou iminente, com as armas que tem [que foi o caso específico], com troca de tiros."
Para Streck, "são pequenos detalhes que acabam formando a opinião pública. Hoje, se fizermos uma enquete na rua, é bem provável que metade ou mais das pessoas não tenham clareza de que foi um assassinato. Com tanto bombardeio de informações, muitas delas falsas ou distorcidas, se cria uma simples narrativa que não corresponde ao fato". Nesse ponto, o jurista afirma que a mídia é responsável por criar a tese de "dois demônios" e normalizar a violência política ao tratar como equivalentes os responsáveis.
Repercussão
O vendedor Leonardo Arruda, de 26 anos, filho de Marcelo Arruda, narrou o fato em entrevista ao GLOBO. "O bolsonarista apareceu do nada. Ninguém conhecia ele. Ele gritava que ia matar todos os petistas, gritava palavras de ordem e 'aqui é Bolsonaro'. Ele chegou a apontar a arma pela primeira vez para o meu pai. A esposa dele tentou evitar que ele fizesse um primeiro disparo. Ele prometeu que ele ia voltar, e ele voltou logo depois já atirando. Ele acertou três tiros no meu pai. Pelo ódio dele, parecia que ia matar todo mundo. Mas meu pai conseguiu evitar o pior, antes de morrer".
:: Parlamentares, políticos e internautas lamentam execução de tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu ::
Diante dos fatos, nas redes, os internautas enfatizaram que utilizar o termo "troca de tiros" é uma tentativa de amenizar a violência registrada.
Novo manual de redação. Se alguém invadir sua casa, te der um tiro e você reagir, não é legítima defesa. É só troca de tiros.
— Mauricio Savarese (@MSavarese) July 10, 2022
A narrativa da “troca de tiros” não pode ser permitida. Em respeito ao Marcelo e sua família.
— Jota Marques (@jotamarquesrj) July 10, 2022
Não é como se eles estivessem em um ringue com hora marcada para a luta.
O bolsonarista INVADIU uma propriedade e festa privada e ASSASSINOU uma pessoa.
Não tem outro ponto!
O assassino invadiu a casa da vítima, fez ameaças de morte, gritou nome de Bolsonaro, saiu, planejou o assassinato e 15 minutos dps voltou para executá-lo. O petista apenas se defendeu.
— JornalismoWando (@JornalismoWando) July 10, 2022
A manchete: “bolsonarista e lulista morrem em troca de tiros”
Isso é tudo, menos jornalismo pic.twitter.com/m8yTgDW3aU
Não foi troca de tiros. Foi assassinato. O óbvio precisa ser dito.
— Fernando Oliveira (@fefito) July 10, 2022
se uma pessoa armada invade a festa de outra e a vítima atira para se proteger, o termo correto é LEGÍTIMA DEFESA e não "troca de tiros".
— cynara menezes (@cynaramenezes) July 10, 2022
o mínimo que se pode esperar de jornalistas é exatidão na hora de narrar os fatos.
ou não é jornalismo
A vida de Marcelo Arruda não foi perdida numa troca de tiros. Foi execução! Foi o discurso de ódio bolsonarista elevado à prática.#BolsonarismoMata
— Douglas Belchior (@negrobelchior) July 11, 2022
O fascismo não seria tão forte sem o apoio do liberalismo. O bolsonarista tentou fazer um massacre. Marcelo se defendeu e defendeu sua família. A mídia burguesa e os liberais tratam como se fosse uma troca de tiros com os dois com a mesma responsabilidade.
— Jones Manoel - Youtube: Jones Manoel (@jonesmanoel_PCB) July 10, 2022
Criminoso! pic.twitter.com/rtAKJHQfFm
Uma obviedade: o atirador iria cometer uma chacina, iria matar quantos pudesse antes de ir pra casa viver a vida normalmente. Marcelo foi um herói por conseguir lutar até o fim, salvando assim toda sua família e amigos. Portanto, é muita canalhice falar em “troca de tiros”.
— Lana de Holanda 🏳️⚧️🏳️🌈 (@lanadeholanda) July 10, 2022
Qualquer jornalista, editor, comentarista de luta de classes que fale em troca de tiros tá distorcendo os fatos. O BO é nítido e todos que ali estavam corroboram que não houve troca de tiros. É simples não ser canalha, sabe? https://t.co/jvXYSaq8HG
— Luka, icamiaba negra (@lukissima) July 10, 2022
Na imprensa estrangeira
Enquanto isso, na imprensa internacional, diversos jornais foram mais diretos e não utilizaram termos como "troca de tiros". O jornal espanhol El País escreveu que um "líder do PT" foi morto a "a tiros pelas mãos de um bolsonarista". "Marcelo Arruda, tesoureiro do partido de Lula, comemorava seu aniversário quando o assassino invadiu sua festa gritando 'aqui somos de Bolsonaro, filhos da puta!'", salientou o jornal.
Os jornais franceses Le Parisien e Le Figaro deram ênfase às posições políticas de Arruda e Guaranho em seus títulos. O Le Parisien escreveu que um "ativista petista" foi morto por outro ativista "pró-Bolsonaro" e que o ex-presidente Lula atribuiu o caso ao "discurso de ódio" do capitão reformado.
Na mesma linha, o Le Figaro disse que o "ativista petista Marcelo Arruda estava comemorando seu aniversário de 50 anos em um evento do PT quando um agente penitenciário e apoiador do presidente Bolsonaro irrompeu com uma arma".
Na Argentina, o jornal La Nación destacou a posição ideológica do assassino, enquanto o jornal Clarín enfatizou o caso como um assassinato por "ódio e violência política". O Página 12, assim como o francês Le Parisien, fez referência a fala de Lula sobre "um assassinato em decorrência de discurso de ódio incentivado por um presidente irresponsável".
Nas redes sociais, o agente penitenciário federal Jorge José da Rocha Guaranho tem publicações com demonstração de apoio contumaz ao presidente Bolsonaro. Ele se apresenta como conservador, cristão e a favor de armas.
Em uma foto publicada em 2018, ao lado do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente, Guaranho escreveu "obrigado pelo apoio". No mesmo ano, publicou uma foto sua com a legenda "eu sou o caixa 2 de Bolsonaro".
Edição: Nicolau Soares