O Sri Lanka se encontra em meio a intensa crise política e econômica, depois que dezenas de milhares de manifestantes invadiram as residências de seus chefes de Estado e governo. A crescente fúria popular contra o caos econômico agudo – decorrente da escassez de artigos essenciais como alimentos, combustível e medicamentos – e os protestos abrangentes levaram o presidente Gotabaya Rajapaksa a anunciar que abandonará o cargo.
Embora ele próprio não tenha detalhado diretamente seus planos, segundo o porta-voz do parlamento nacional e o gabinete do primeiro-ministro, Rajapaksa renunciará nesta quarta-feira (13/07). O premiê Ranil Wickremesinghe anunciou que também entregará seu posto para que um governo interino pluripartidário assuma.
Não está claro como a situação evoluirá nos próximos dias e semanas, na nação insular de 22 milhões de habitantes, dada a incerteza em torno desses anúncios. Nishan de Mel, diretor executivo do think tank Verité Research, sediado na capital Colombo, ressalta que as taxas de aprovação de Rajapaksa e Wickremesinghe "estiveram muito baixas há mais de seis meses".
"Isso significa que eles já haviam perdido seus mandatos democráticos. Mas só concordaram em renunciar após esses protestos em massa." E, como ainda não o fizeram oficialmente, há quem questione se não estariam simplesmente adiando um desfecho.
"Podem estar ocorrendo negociações, e eles estão tentando comprar algum tempo para perseguir outras opções, em vez de renunciar. Essa é uma interpretação", comenta Jayadeva Uyangoda, especialista em assuntos constitucionais e professor de ciência política aposentado da Universidade de Colombo.
Afinal, o presidente vai ou não vai?
Jehan Perera, diretor executivo da organização educacional e de defesa de direitos National Peace Council of Sri Lanka, não considera supérfluas as apreensões em torno das renúncias.
"Consta que o presidente comunicou sua decisão, mas não fez seu próprio pronunciamento. O premiê diz que renunciará tão logo o governo interino esteja formado. Quem queira que ele fique pode atrasar o processo de formação de governo, o que é preocupante."
Por sua vez, Paikiasothy Saravanamuttu, diretor executivo do Centro de Alternativas de Política (CPA), acha que os fatos chegaram a um ponto em que será impossível Rajapaksa se manter no poder: "O presidente não pode permanecer após os recentes eventos sem precedentes. Ele tem que ir para que as mudanças venham."
Apesar de sustentar o mesmo ponto de vista, Cheran Rudhramoorthy, professor de sociologia da Universidade de Windsor, Canadá, e associado de pesquisa do Centro Internacional de Estudos Étnicos do Sri Lanka, ressalva que os militares seguem apoiando firmemente o chefe de Estado.
A Constituição cingalesa prevê que em caso de renúncia presidencial o primeiro-ministro se torne presidente em exercício até o parlamento se reunir e escolher um novo mandatário. Se ambos renunciarem ao mesmo tempo, o chefe do parlamento assume a presidência por um mês ou até o fim do mandato original. "O primeiro ato do novo presidente seria escolher um novo primeiro-ministro, um novo gabinete, ajudar a formar um governo interino", explica Uyangoda.
Panorama político dividido
Apesar dos protestos e da violência em massa, a família Rajapaksa segue contando com o apoio de uma maioria parlamentar e talvez vá influenciar quem será o novo líder nacional. Além disso, prossegue Uyangoda, num panorama político profundamente dividido será difícil os partidos juntarem forças para formar um governo interino estável.
Tampouco é garantido que um governo pluripartidário vá ser estável e bem-sucedido: "Os mesmos cafajestes e criminosos que formavam o partido governista vão ser parte do novo governo também. Do que precisamos é uma mudança total do sistema", reivindica Rudhramoorthy.
De Mel afirma que os cingaleses estão "se sentindo orgulhosos" dos protestos, "comparando-os à tomada da Bastilha durante a Revolução Francesa": "Eles acreditam que foi um verdadeiro momento de 'Dia da Independência' para eles. Mas até o país ter uma nova liderança e reformas estruturais garantindo que não haverá corrupção, os problemas vão continuar lá. Há uma estrada difícil adiante", frisa o diretor do Verité Research.
Quem quer que nos próximos dias assuma o poder no Sri Lanka precisará encarar o desafio de pôr em ordem o agudo caos econômico. "Terá que haver uma mudança na forma como se pratica política no Sri Lanka", adverte Uyangoda. "A questão é se a classe política do país estará à altura do desafio. Se o novo governo fracassar em iniciar reformas substanciais de política e governança, vai haver agitações constantes."
FMI apenas parte da solução
No fim de junho, uma delegação do Fundo Monetário Internacional (FMI) visitou Colombo para discutir o apoio financeiro ao país. Numa declaração posterior, a instituição global enfatizou a importância de intensificar as reformas estruturais, para combater a corrupção e liberar todo o potencial de crescimento do Sri Lanka.
"A fim de enfrentar a corrupção no país, as instituições precisam ser isoladas da interferência política. Deve também se formar um parlamento representantivo para instituir tais reformas", aconselha Paikiasothy Saravanamuttu, diretor do capítulo cingalês da ONG Transparência Internacional e fundador do Centro de Monitoração de Violência Eleitoral, que desde 1997 tem observado os principais pleitos do país.
Contudo, um acordo de resgate com o FMI seria apenas parte da solução. Para solucionar a crise econômica, o governo também precisa impor medidas assegurando reformas estruturais, sustentabilidade da dívida pública e responsabilização, entre outros tópicos.
Enquanto isso, cidadãos cingaleses de todas as classes sociais continuam protestando. "O povo conseguiu através de protestos o que os partidos políticos foram incapazes de fazer durantes anos", registra Uyangoda. "Precisamos esperar para ver se a revolução do povo resultará em transformação política e econômica para o Sri Lanka."