Ainda segundo a pesquisa, a pandemia de covid-19 agravou a situação das pessoas que têm comorbidades
Um estudo publicado na revista Nature Reviews Disease Primers, nesta quinta-feira (14), mostrou que a presença de comorbidades está relacionada às condições socioeconômicas. Segundo a pesquisa, populações mais pobres apresentam comorbidades 10 anos antes que setores mais ricos da sociedade, em média.
O professor Bruno Pereira Nunes, da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coautor do estudo, afirma que "a multimorbidade está diretamente associada com determinantes de piora de qualidade de vida, como marcadores do envelhecimento, inflamação crônica, hábitos de vida (atividade física, dieta, tabagismo) e efeitos de remédios (como interações medicamentosas)."
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"Os achados mostram um efeito importante das condições socioeconômicas, tanto contextuais quanto individuais. Então, todas as características dos países, como as características de escolaridade e renda das pessoas, são importantes na determinação da multimorbidade", afirma Nunes.
A multimorbidade é definida pela ocorrência simultânea de diferentes problemas de saúde em uma mesma pessoa. Por exemplo, se uma pessoa tem diabetes, depressão e hipertensão, então essa pessoa tem multimorbidade, segundo o professor.
"Entre os principais achados da pesquisa, a partir dos estudos já publicados, a gente observa que a multimorbidade é um problema muito frequente. Então, a ocorrência de pessoas que têm pelo menos duas condições crônicas é alta. Isso é mais ou menos um terço entre os adultos e chega a mais de 60% entre os idosos", afirma Nunes.
Pandemia de covid-19
Ainda segundo a pesquisa, a pandemia de covid-19 agravou a situação das pessoas que têm comorbidades, uma vez que apresentam mais riscos de contrair a doença, ainda mais para as pessoas que baixa renda. "Os problemas de saúde podem ter se agravado e novas doenças podem ter surgido, como depressão e ansiedade, em razão da pandemia e sua condução pelos países", afirma Nunes.
Segundo outros dois estudos, um do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde, grupo da PUC-Rio e outro do Instituto Pólis, publicados em abril do ano passado, a pandemia não foi a mesma para todos: negros – pretos e pardos, de acordo com a denominação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – morrem mais do que brancos em decorrência da covid-19 no Brasil.
No primeiro, ficou demonstrado que, enquanto 55% de negros morreram por covid, a proporção entre brancos foi de 38%. Na segunda pesquisa, o Instituto Polis mostrou que a taxa de óbitos por covid-19 entre negros na capital paulista foi de 172 para cada 100 mil habitantes, enquanto para brancos foi de 115 óbitos por 100 mil habitantes.
O acesso desigual à saúde também se reflete na vacinação. Uma reportagem da Agência Pública de março deste ano apontou para a discrepância entre brancos e negros vacinados: 3,2 milhões de pessoas que se declararam brancas receberam a primeira dose do imunizante contra o novo coronavírus. Já entre os negros, esse número cai para 1,7 milhão.
Políticas públicas
O estudo, que fez uma revisão bibliográfica do assunto, também mostra como a produção de informações sobre o tema é essencial para que as autoridades saibam como tratar os problemas, já que a distribuição de renda e a estrutura social têm impacto na saúde das pessoas.
"Vale lembrar que o cuidado às pessoas com multimorbidade passa por uma atenção integral, humanizada, equitativa e longitudinal, com foco na atenção primária à saúde na coordenação da rede de cuidados", defende o professor. "O cuidado para a multimorbidade passa por uma atenção que seja integral,contextualizada com a realidade das pessoas, para enfrentar o problema da multimorbidade de uma maneira mais efetiva."
Para o professor, tais tipos de cuidados se assemelham em muito às metodologias utilizadas no âmbito da Estratégia Saúde da Família (ESF), que é o eixo da Atenção Primária à Saúde (APS) no Sistema Único de Saúde (SUS).
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Nunes destaca, no entanto, que o estudo não avaliou o efeito das estratégias de saúde no Brasil na multimorbidade. "Esse é um estudo global, que avaliou a multimorbidade de forma global. Até tem algumas diferenças por países de alta, baixa, média renda, mas não foi um estudo especificamente do Brasil."
Ainda assim, a partir de evidências internacionais e brasileiras, observa-se que "o manejo e o cuidado para a multimorbidade passa muito por uma atenção centrada na pessoa, no cuidado integral longitudinal, de conseguir acompanhar as pessoas ao longo do tempo e entender toda a sua complexidade."
Edição: Nicolau Soares