Quilombolas, indígenas, geraizeiros e outros povos tradicionais de Minas Gerais são contra uma medida das secretarias estaduais de Desenvolvimento Social (Sedese) e de Meio Ambiente (Semad), a resolução conjunta 01/2022, publicada em abril. Eles reivindicam que ela seja revogada urgentemente.
A resolução regulamenta a consulta prévia do Estado sobre questões que afetam diretamente essas comunidades. Porém, segundo moradores, defensores de direitos humanos, advogados e parlamentares, a medida beneficia empresas que estão em conflito com os povos tradicionais, como mineradoras e o agronegócio.
Sem participação
De acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que define o papel dos governos na proteção dos povos tradicionais, quando for decidido algo que afete esses povos, é necessário que eles sejam consultados e participem das decisões.
Para os críticos, no entanto, isso não foi considerado na elaboração da resolução conjunta 01/2022. “Criar uma resolução sem ouvir devidamente as diversas comunidades, com suas particularidades, é uma violação da Convenção 169”, avalia Lethicia Reis, advogada popular do Coletivo Margarida Alves.
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Entre outras coisas, a resolução estabelece que somente comunidades certificadas pela Fundação Palmares, pela Funai e pela Comissão Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais (CEPCT-MG) deveriam ser consultadas, sendo que muitas comunidades ainda não receberam a certificação.
Permite, além disso, que a empresa beneficiária da decisão contrate a assessoria técnica que realizará a consulta, o que deveria ser uma competência exclusiva do Estado, ente que poderia conduzir o processo de maneira independente e transparente.
Outro ponto muito criticado é a definição dos prazos, como o de 45 dias para elaboração de protocolos e 120 dias para a conclusão da consulta, além de procedimento virtual para a consulta, desconsiderando o tempo e as realidades das comunidades.
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“Como povos e comunidades tradicionais, com pouco acesso à internet, em alguns casos com lideranças que não são alfabetizadas, respondendo uma consulta virtual, vão poder lidar com esses prazos?”, questiona a advogada.
Quem se beneficia
“Existem aqui grandes empreendimentos, como o projeto de mineração Bloco 8, da empresa Sul Americana de Metais, em Grão Mogol, Padre Carvalho, Fruta de Leite e Josenópolis. Acreditamos que o governo criou essa resolução para favorecer esse projeto. Eles já estão tentando licenciamento há muito tempo”, relata uma geraizeira do território tradicional do Vale das Cancelas, que pediu para não ser identificada, temendo represálias na região.
Os geraizeiros são povos tradicionais do cerrado do Norte de Minas. O território do Vale das Cancelas é composto por 73 comunidades. “A gente tem uma forma própria de se organizar e cuidar do cerrado. Nossa forma de trabalhar protege o cerrado e, com isso, protege também a água. Nós já temos muita dificuldade aqui por causa da monocultura de eucalipto, que prejudica nossas águas”, afirma.
Se for instalado, o projeto Bloco 8 fará uso da água da região, além de construir barragens de rejeitos, um mineroduto para levar matéria-prima até o Porto Sul, em Ilhéus (BA), e a abertura de cavas. “Não é só na água. Essa mineradora vai tirar muito material, o impacto vai ser grande demais”, prevê.
O que está sendo feito
Além de cobrarem que a resolução seja revogada, geraizeiros e outros povos tradicionais têm construído suas próprias propostas de protocolo, que levam em conta as realidades das comunidades. Segundo a advogada Lethícia Reis, o Ministério Público Federal e o Estadual também foram acionados para investigar e intervir na situação.
O problema também tem sido pautado por parlamentares mineiros. Logo após a publicação da resolução, em abril, a Assembleia Legislativa debateu a questão em uma audiência pública da Comissão de Direitos Humanos, solicitada pelas deputadas Andreia de Jesus (PT) e Beatriz Cerqueira (PT).
“Precisamos pensar na segurança de um instrumento legal, apresentado pelo Estado, que tenha garantia de participação. E até rever essa resolução. O que precisamos é de um método de consulta gestado pelo Estado, com recursos financeiros. É impossível pensar em uma consulta livre se ela for proposta por mineradoras e por outros empreendimentos”, defendeu, durante a audiência, a deputada Andreia de Jesus.
A reportagem entrou em contato com o governo de Minas Gerais para comentar o caso e aguarda a resposta.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Larissa Costa