Muito além do doce

Açúcar e violência: livro denuncia crimes e violações na maior cadeia produtiva do país

Organizações também alertam sobre os riscos dos incentivos fiscais às bebidas açucaradas no Brasil

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Trabalho escravo, invasão de terras indígenas, contaminação ambiental, grilagem e desmatamento são algumas das denúncias feitas no livro ‘O Sabor do Açúcar’ - Foto: Tatiana Cardeal
O livro comprova que grandes indústrias de alimentos se beneficiam de violações de direitos humanos

Se você soubesse que um refrigerante que você consome tem na sua cadeia produtiva uma série de denúncias de violações socioambientais, você continuaria consumindo ou essa bebida que é um tanto açucarada ganharia um sabor mais amargo?

A saúde passa não só pela saúde nutricional: conhecer como funciona a cadeia produtiva de produtos, e fazer escolhas mais conscientes têm sido uma ferramenta para que o consumidor conheça mais sobre o produto que está levando pra casa. 

Com compreender a cadeia produtiva do açúcar no país é que nasceu o livro “O Sabor do Açúcar” produzido pela Papel Social aborda as violações praticadas em fazendas de cana-de açúcar estão vinculadas à maior cadeia produtiva de açúcar do mundo, controlada pela Coca-Cola e pelos quatro principais operadores globais de commodities agrícolas, Archer Daniels Midland, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus Company. 

Segundo o jornalista Marques Casara, autor do livro, a apuração que durou dois anos buscou identificar as fazendas onde ocorrem o trabalho escravo, a contaminação por agrotóxicos, a grilagem de terras e o desmatamento, mas também os elos de responsabilização dos financiadores dessas empresas acusadas dentro da cadeia produtiva.

“O principal achado do livro é a comprovação de que grandes indústrias de alimentos se beneficiam de violações de direitos humanos na cadeia produtiva do açúcar. E também jogar luz sobre um problema antigo, que expõe comunidades vulneráveis a uma situação de violência e também de trabalho ilegal, isso é feito por fazendas, que estão a serviço de usinas e que estão a serviço de grandes industrias do setor de alimentos”. 

::Hora do recreio: o que é comercializado nas cantinas e lanchonetes das escolas?::

O Brasil é o maior produtor de açúcar do mundo e existem fazendas em diversos estados: São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul e vários estados do Nordeste e Centro Oeste. A maior cadeia produtiva do mundo é controlada pela Coca-Cola.

O autor explica que ao utilizar açúcar produzido mediante a trabalho escravo, morte de trabalhadores e invasão de terras indígenas, contaminação de manguezais, que são os temas abordados no livro, ao financiar essa estrutura a Coca-cola está se alia ao que há de mais arcaico e violento no que diz respeito ao agronegócio. 


O livro traz um diagnóstico sobre as condições sociais e ambientais da cadeia produtiva do açúcar, que tem o Brasil como principal produtor mundial de cana-de-açúcar / Foto: Tatiana Cardeal

“Além disso, a Coca-Cola por intermédio das suas engarrafadoras está envolvida em uma série de fraudes tributárias, isso está sendo investigado pela Receita Federal e pelo Ministério Público Federal.  Ela deixa de pagar três bilhões de reais em impostos por ano, graças a uma série de artimanhas tributárias e manobras fiscais por empresas que fazem parte do grupo”, ressalta o jornalista.

No livro, as empresas foram procuradas para dar o parecer sobre as acusações, segundo Casara, mas a resposta dada via assessoria de imprensa e do setor jurídico é padrão, e elas negam qualquer prática. Todos os posicionamentos de todas as companhias estão contidos na publicação. 

Doce amargo do Açúcar

Além dos inúmeros problemas na cadeia produtiva dos refrigerantes, há cada vez mais evidências científicas e um consenso de pesquisadores sobre os malefícios à saúde das bebidas açucaradas. Mas somente informação não basta para mudar o consumo desses produtos. 

A cada ano, mais de 80 mil novos casos de diabetes tipo 2 são atribuídos a essa categoria de bebidas que leva a adicionadas de açúcar e que inclui os refrigerantes, bebidas de fruta, sucos de caixinha e chás ultraprocessados. Uma das medidas para reduzir o consumo e consequentemente, melhorar a alimentação da população, prevenindo doenças crônicas não transmissíveis é aumentar a tributação das bebidas açucaradas.

De acordo com a nutricionista Bruna Kulik Hassan, consultora em pesquisa e nutrição para a ACT Promoção da Saúde, a medida é adotada no mundo todo e recomendada pela  Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Só para se ter uma ideia, pelo menos três bilhões de reais por ano é usado no cuidado com obesidade e outras doenças provocadas exclusivamente pelo consumo de bebidas açucaradas. Então não é pouco, e esse dinheiro arrecadado vai ajudar a arcar com esse custo no sistema público de saúde”. 

:Você sabe decifrar os rótulos dos produtos do supermercado?:

Entre as medidas neste sentido que tramitam na Câmara e no Senado, a ACT Promoção da Saúde realiza uma campanha chamada de Doce Veneno que traz uma petição pela aprovação da CIDE Refrigerantes, o PL 2183 de 2019, que cria um tributo seletivo sobre as bebidas açucaradas. O projeto é de autoria do senador Rogério Carvalho (PT-SE). 

Além disso, a campanha também chama atenção para as propagandas atraentes e preço baixo são estratégias das indústrias de bebidas açucaradas para atrair o consumidor e esconder os malefícios que esses produtos podem provocar para a saúde.

Bruna ressalta que para reverter o cenário de consumo de bebidas açucaradas e outros ultraprocessados é necessário ter políticas públicas como regular a comercialização em cantinas de escolas e as propagandas desses produtos. 

Um ponto importante segundo a nutricionista é preciso aumentar o consumo de alimentos saudáveis. “Nós não queremos só que as pessoas parem de consumir essas bebidas [açucaradas, mas queremos uma mudança no consumo desses alimentos. Nós queremos que os alimentos que não sejam saudáveis sejam mais caros e os saudáveis sejam mais disponíveis, que seu acesso seja regular e permanente a toda população”. 

Em outubro deste ano, fruto de mobilização social e organizações que lutam pelo direito à alimentação, os produtos terão a rotulagem frontal com informação em destaque que o produto contém excesso de açúcar. 

Edição: Douglas Matos