As televisões e telas de smartphones transmitiram, nesta semana, as multidões agitadas de manifestantes do Sri Lanka cercando o Palácio Presidencial oficial em Colombo, capital do país.
Câmeras flagraram jovens que pulavam nas águas azuis da piscina presidencial enquanto vigiavam os exuberantes jardins do complexo.
Homens de bermuda, chinelo e camiseta andavam pelos luxuosos aposentos do Palácio, até o quarto, onde o presidente Gotabaya Rajapaksa dormia até poucos dias atrás. Este é um mundo virado de cabeça para baixo.
Para quem acompanha a história ao redor do mundo, no entanto, os manifestantes do Sri Lanka nadando na piscina do palácio pode ser uma cena familiar. E uma que pode sinalizar que uma grande mudança política está em andamento. O Palácio Presidencial do Sri Lanka entrou em uma longa lista de residências reais e presidenciais ocupadas por manifestantes durante revoltas e revoluções.
Símbolos de autoridade
As casas de monarcas e presidentes são símbolos importantes de autoridade para as nações.
São sempre prédios de arquitetura opulenta e luxuosa. A riqueza excessiva que exibem projeta o poder dos líderes que os ocupam. A sua autoridade está vinculada ao tamanho, ao mobiliário pomposo e às obras de arte de valor inestimável penduradas pelas suas paredes.
O acesso a essas residências tem controle rígido, que reforçam seu status quase sagrado. Eles representam a autoridade dos governantes, eleitos ou não, que vivem do lado de dentro de seus muros.
O Sri Lanka foi uma colônia britânica até 1948; tornou-se oficialmente uma República somente em 1972. Sob o domínio colonial, o Palácio Presidencial era conhecido como a Casa do Rei ou a Casa da Rainha. Serviu como residência dos governantes britânicos até serem substituídos por presidentes.
A piscina do Presidente e os aposentos são espaços normalmente acessíveis apenas a alguns poucos convidados. Estes são espaços dos quais a maioria dos pobres do Sri Lanka são excluídos.
Nadar na piscina presidencial é, portanto, um ato coletivo de rebeldia que envia uma mensagem potente de que quaisquer leis e policiamento que tenham mantido os cidadãos revoltosos fora do palácio não tem mais força.
Uma série de fatores levou à ocupação do Palácio. O governo nacional está falido, assim como muitos de seus habitantes. A extrema escassez de alimentos e combustível fez com que os preços dos bens essenciais fossem às alturas. As pessoas não podem trabalhar e não podem alimentar seus filhos.
Em resposta à crise, centenas de milhares de pessoas se mobilizaram e foram às ruas exigindo mudanças imediatamente.
Os manifestantes declararam que permaneceriam no palácio até que o presidente renunciasse. Gotabaya Rajapaksa acabou cedendo. Em 13 de julho deste ano ele anunciou que renunciaria e, em seguida, fugiu do país.
Antecedentes históricos
A história mostra que as ocupações de palácios precederam grandes mudanças ao redor do mundo.
No México colonial, os vice-reis espanhóis viviam em um luxuoso palácio que ficava na enorme praça central da cidade do México, adjacente a imponente Catedral da capital, hoje chamado de Palácio Nacional. Os colonizadores construíram esse palácio por cima das ruínas astecas do chamado "Templo Mayor".
Quando a classe trabalhadora, composta por diversas etnias, se rebelou contra o governo em 1692, uma multidão forçou sua entrada nas salas proibidas do Palácio e incendiou o prédio. A pintura de 1695 de Cristóbal de Villalpando mostra a ala do Palácio incendiada.
O Palácio do vice-rei seguiu tendo destaque na história mexicana. Depois que os mexicanos se revoltaram contra os espanhóis novamente, em uma violenta guerra pela independência na década de 1810, o novo governo nacional instalou um presidente mexicano no Palácio Nacional.
Na década de 1930, o governo encomendou a Diego Rivera que pintasse um enorme mural na escadaria central. O mural narra visualmente a longa história da luta popular contra o domínio colonial, transformando o Palácio em um monumento anticolonial.
Na Europa, o Palácio de Versalhes foi palco de grandes eventos durante a Revolução Francesa. Quando a França mergulhou em uma crise financeira no final do século 18, o suntuoso palácio tornou-se um símbolo de pompa e excesso da realeza em uma época em que grande parte da população sofria com a extrema pobreza.
Em 5 de outubro de 1789, um motim em Paris contra o aumento vertiginoso do preço do pão desaguou em um protesto muito maior. Uma multidão enfurecida, com as mulheres à frente, assaltou os arsenais da cidade e marchou para o Palácio, forçando sua entrada e exigindo uma audiência com o rei Luís XVI. Eles fizeram a família real retornar com eles a Paris no dia seguinte.
Depois que o rei foi executado em 1793, as riquezas do palácio foram enviadas para o Louvre ou leiloadas.
Os palácios também tiveram destaque nas revoluções do século XX. Em 1917, a ocupação do Palácio de Inverno do czar russo, em São Petersburgo, pelos bolcheviques, marcou o início de sete décadas de governo comunista.
O novo governo comunista considerou este evento tão importante que, em um grande ato público no ano de 1920, realizou uma encenação reconstituindo a tomada do palácio. Mais de 2.500 atores participaram da reconstituição, incluindo todo o elenco do antigo Balé Imperial. Mais de 100.000 espectadores compareceram.
O palácio foi ressignificado e transformado no Museu Hermitage, onde coleções de arte real, que foram estatizadas, foram colocadas em exibição para que todos os cidadãos visitassem. O estado democratizou simbolicamente o espaço, sinalizando seus valores comunistas.
A Cidade Proibida, em Pequim, é o maior palácio do mundo. Construído no século 15, foi o lar das dinastias Ming e Qing. Em 1949, Mao Zedong escolheu o palácio como local para a celebração pública da vitória comunista na Guerra Civil Chinesa.
Hoje em dia o retrato de Mao está pendurado sobre o portão da Praça da Paz Celestial, onde ele declarou oficialmente o nasicmento da República Popular da China. O fato de o Palácio servir de pano de fundo para a, também conhecida como, Praça Tiananmen tornam este o cenário foi forjada e contestada a política nacional.
Esses exemplos do passado sugerem que os interessados no caminho futuro da atual agitação do Sri Lanka devem ficar de olho no destino do Palácio Presidencial. O uso criativo do edifício nas próximas semanas e meses podem lançar luz sobre a evolução da política do país.
* Kristie Patricia Flannery é pesquisadora do Instituto de Humanidades e Ciências Sociais da Australian Catholic University.