Montado em uma estátua de um boi colocada sobre a caçamba de uma caminhonete, o trabalhador rodoviário Carlos Henrique França gritava “o gado chegou” e agitava, animadamente, uma bandeira do Brasil nos arredores do estádio do Maracanã, zona norte do Rio, na manhã deste domingo. França foi um dos militantes bolsonaristas que se reuniram para participar da convenção do Partido Liberal (PL) que confirmou a candidatura do presidente Jair Bolsonaro à reeleição.
“Nós viemos fardados de gado, porque é disso que a oposição nos chama, estamos aqui para mostrar nossa humildade, que nós somos gado, mas gado patriota, gado na sede de conquistar boas coisas pra nação brasileira”, disse, em entrevista ao Brasil de Fato. França contou que saiu de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, região metropolitana do Rio, junto a um amigo, dono de um açougue e da caminhonete.
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A convenção do PL aconteceu no ginásio do Maracanãzinho, anexo ao maior estádio de futebol do país. Uma pessoa desavisada que chegasse à região poderia imaginar que era dia de jogo da seleção de vôlei, que muitas vezes atuou no ginásio, dada a profusão de camisetas amarelas e bandeiras do Brasil.
Uma observação mais atenta, porém, deixava claro o objetivo de quem estava ali. Muitas camisas tinham mensagens como “meu partido é o Brasil”, semelhante à que Bolsonaro usava quando sofreu um atentado em Juiz de Fora (MG) em setembro de 2018. Os vendedores ambulantes ofereciam produtos com ataques ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao Supremo Tribunal Federal (STF), à Rede Globo e a outros supostos adversários do atual ocupante do Planalto. Referências religiosas e a armas (muitas vezes juntas) também eram comuns.
A desconfiança em relação à imprensa, de maneira geral, foi percebida já no metrô, uma das principais formas de acesso à região do ginásio. Convidada a dar uma entrevista quando se deslocava para a convenção, a aposentada Edna da Silva disse que poderia falar, mas perguntou “de que lado estava” o jornalista (a resposta foi: “do lado da notícia”).
“Já estou até atrasada, tinha que chegar mais cedo, a gente tem um problema de segurança, né? Ainda vamos passar por segurança, mas a ideia é chegar cedo para guardar um lugar”, disse, cerca de três horas antes do horário previsto para a participação de Bolsonaro no evento.
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A professora de educação física Cristiane Alberti também queria chegar cedo e passar logo pela revista. Esposa de militar, ela diz que conhece “a luta” de Bolsonaro há muitos anos, e acredita que ele fez “das tripas coração” durante a pandemia. Alberti fez questão de repetir que os militantes bolsonaristas são “pessoas ordeiras”.
“Na verdade eu não tenho medo. Participei de todas as manifestações, e nossas manifestações são lindas, ordeiras, pacíficas. Eu não tenho medo, mas tem um certo receio, eles são trapaceiros, eles jogam sujo, mas não vai acontecer nada não”, disse, sem apontar quem são “eles”.
Ambulantes tentam garantir as vendas do dia
Após tentativas frustradas de realizar pré-inscrições dos participantes pela internet, o PL decidiu fazer um evento de portas abertas. Na fila para entrada, dois homens conversavam sobre os rumos do governo, e mostravam algum descontentamento com integrantes do primeiro escalão. “Tem uns caras também que ‘dão mole’ demais! Por exemplo, esse cara da Caixa. Recuperou a Caixa, mas ‘deu um mole danado’. Não pode ser assim”, disse, em relação às denúncias de assédio contra o ex-presidente do banco público, Pedro Guimarães.
A convenção se tornou, também, espaço de campanha para pré-candidatos a cargos legislativos que pretendem surfar na onda do bolsonarismo. Militantes carregavam bandeiras e exibiam camisas com os nomes de figuras diretamente ligadas ao do atual presidente, como Eduardo Pazuello, general do Exército que fez as vezes de ministro da Saúde entre 2020 e 2021; e Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro e amigo do próprio presidente. Queiroz é acusado de participação em um esquema de desvio de salários de servidores durante mandato do filho do presidente como deputado estadual do Rio de Janeiro, no caso das chamadas “rachadinhas”.
Apesar de estar filiada ao PL, a aposentada Glória Norris garante que não pretende se candidatar a cargos públicos, mas diz que se mantém mobilizada. “A gente tem 34 grupos. Desde o Bolsonaro aos filhos. A gente era da Aliança [Pelo Brasil, partido natimorto de Bolsonaro], agora está se filiando ao PL”.
As pesquisas que mostram Bolsonaro em desvantagem em relação a Lula são descredibilizadas. “Se eu acreditasse nessas pesquisas, ele [Bolsonaro] não seria presidente. Já vão sujas. A imprensa diz uma coisa que não é verdade”, complementou Norris, que contou orgulhosa ser casada com um militar estadunidense “veterano de guerra do Vietnã” e “Bolsonaro até a morte”.
Edição: Douglas Matos