Argentina, Chile, Colômbia e México vêm planejando a transição para uma economia mais verde
Por Bruna Belasques, Bruno Castro, Natália Nascimento e Pedro Vahamonde*
Investimentos públicos, quando bem direcionados, são essenciais não apenas para o crescimento de um país, mas também para a redistribuição de renda e justiça social. Essa realidade foi negada pelos dogmas liberais que dominaram o debate nos últimos quarenta anos, até que diante da crise provocada pela pandemia, os próprios países ricos optaram por novos projetos volumosos de investimento público.
Analisamos governos recém-eleitos de esquerda, na Argentina, Chile, Colômbia e México, que têm levantado essa discussão, e a maioria deles traz em seus planos de investimentos discussões sobre a transição para uma economia mais verde – algo necessário e que está em consonância com os compromissos assumidos no resto do mundo. Este debate também está em alta no Brasil devido às propostas do programa de Lula, candidato favorito nas pesquisas presidenciais.
A Argentina, desde 2020, com a eleição da chapa Fernández e Kirchner, tem adotado novas agendas de investimento público e políticas de desenvolvimento. Segundo o Informe de Gestão do Conselho Nacional de Políticas Sociais de 2020, foram ampliados programas de combate à fome e foram criados programas de amparo ao desenvolvimento infantil e de integração regional, para dar auxílio às localidades em situação de maior vulnerabilidade.
O programa de maior destaque é o Plano Nacional AccionAR, que visa melhorar a qualidade de vida da população por meio de obras de infraestrutura, oferta de serviços públicos, participação social e política, segurança alimentar e economia social. Além disso, o governo também tem investido e criado ferramentas que facilitam o monitoramento desses programas e ajudam a detectar a necessidade de sua implementação, como o "Mapa AccionAR". Em termos produtivos, o país adotou uma estratégia de fomento ao setor industrial e de tecnologia da informação com a intenção de fortalecer o mercado interno.
Apesar disso, a atual gestão enfrenta, ainda, inúmeros desafios para a melhora da situação econômica. Com uma inflação de cerca de 60% e uma dívida de US $44 bilhões com o FMI, espera-se que o ano seja fechado em recessão. O governo de Fernández teve que recuperar os ministérios que sofreram um desmonte na gestão passada e recebeu a Argentina com o maior índice de pobreza da década, por isso voltou-se para políticas de cunho social.
Um novo ciclo no México
Os investimentos em questões sociais também aparecem na guinada progressista mexicana, que aconteceu com a eleição de André Manuel López Obrador. Eleito em 2018, López Obrador se contrapõe às políticas de governos anteriores (PRI e PAN), que eram voltadas às classes médias e para o empresariado e que, inclusive, contribuíram para a criação de multimilionários no país, enquanto uma parcela da população estava fragilizada. Assim, o atual presidente aposta também em uma política de desenvolvimento sustentável.
López Obrador apresentou o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que institui um programa de seguridade social para os idosos desamparados; instalação de campus universitários em regiões sem oferta de estudos e marcadas pela desigualdade; incentivo à saúde pública universal, dentre outras. O governo tem realizado grandes investimentos em infraestrutura, como o anunciado no início deste ano, que tem como objetivo a construção de portos, ferrovias e obras de provisão de energia e água potável. Além disso, foi anunciada recentemente a construção de uma planta de liquefação de gás natural, com o objetivo de reduzir a dependência dos EUA.
É neste sentido que o país tem conseguido atrair investidores dos EUA, que veem no país a vantagem de uma mão de obra menos custosa que a interna, e que também é mais próximo ao seu território – diferentemente da China. Portanto, o custo do tempo e de frete é reduzido. Cabe destacar que o México deve realizar investimentos públicos que correspondem a cerca de 3% de seu PIB neste ano.
Em pouco tempo de governo, López-Obrador já conseguiu distribuir diretamente de 15 bilhões a 20 bilhões de dólares (83 bilhões a 110 bilhões de reais) por ano para famílias de baixa renda, aumentou o poder aquisitivo do salário mínimo e fez programas massivos de geração de empregos no campo.
Expectativas para o governo recém-eleito na Colômbia
O recém-eleito presidente Gustavo Petro encerra também um ciclo de governos da direita no país após uma acirrada disputa contra o candidato de extrema-direita, Rodolfo Hernández. Petro deve assumir o governo do país em agosto.
Gustavo Petro, que é economista, procura em seu programa traçar um projeto para substituir o extrativismo por uma estrutura industrial. Para tanto, na visão do programa de governo, é preciso recuperar a capacidade empreendedora do estado (termo emprestado de Mazzucato, que assessorou a equipe do presidente eleito). Assim, propõe-se a recriação de institutos, como o Instituto de Fomento Industrial (IFI), que existiu entre 1940 e 2003 com objetivo de criar empresas públicas em setores estratégicos. Desse modo, o objetivo principal seria a criação de indústrias inovadoras, inclusive aquelas que visam a transição ecológica no país.
A proposta de Petro também inclui a geração de empregos pelo próprio estado, a fim de reduzir os níveis de desemprego. Outro aspecto interessante do plano de governo é o aumento da alíquota de impostos para os grandes proprietários rurais. Isto possui um duplo objetivo: de um lado estimular propriedades menores, realizando uma espécie de reforma agrária para reduzir as desigualdades territoriais, ao mesmo tempo que procura estimular outras formas produtivas. O grande desafio de Petro será, sem dúvidas, aprovar estas pautas no Congresso em um país que historicamente foi governado pela direita.
O início do governo Boric, no Chile
Gabriel Boric, um dos presidentes mais jovens da América Latina, assumiu o governo do Chile após Sebastián Piñera e suas pautas pró-mercado. Assim como o colombiano Petro, Boric também tem preocupação com pautas ambientais, razão pela qual encerrou as atividades de fundição da maior produtora de cobre do mundo no país, devido aos danos ambientais que causava. Apresenta-se de forma muito clara que o governo pretende realizar investimentos públicos em setores "verdes", isto é, aqueles que tomam em conta as mudanças climáticas em curso (propõe-se, por exemplo, a expansão de ciclovias e do uso de energia solar).
Além disso, o projeto de nova matriz produtiva de Boric procura, entre outras coisas, gerar empregos formais para a população no geral e para as mulheres, em específico. Outro aspecto que aparece é a expansão da infraestrutura para acesso à água potável e o incentivo financeiro para a expansão de pequenas e médias empresas. É possível notar que o caráter social dos investimentos a serem realizados é evidente no governo de Boric.
Outro elemento do projeto de Boric é a possibilidade de criar um Banco Nacional de Desenvolvimento e um Fundo de Financiamento do Chile. Enquanto o Banco seria especializado na concessão de créditos de primeira e segunda linha; o Fundo seria voltado para a concessão de capital a empresas inovadoras.
Mudanças em curso no Brasil?
Desde a implementação do Teto de Gastos no Brasil, ainda no governo Temer, o país não pode realizar políticas fiscais discricionárias, isto é, investimentos públicos que tenham como objetivo "aquecer" a economia doméstica. Assim, em contraponto a este projeto, o programa de Lula, candidato de centro-esquerda e favorito nas pesquisas, propõe a criação de uma regra fiscal que deixe o investimento público fora da regra fiscal, a fim de permitir a expansão de projetos de infraestrutura, por exemplo.
Em linhas gerais, as diretrizes do programa de Lula sugerem o aumento de investimento em ciência & tecnologia; o estímulo, por parte do estado, ao avanço da transição ecológica e energética, atraindo e criando novas indústrias, ao mesmo tempo em que se estimula a geração de empregos; a criação de empregos via investimento em obras de infraestrutura logística e urbana; e o aumento dos recursos para a educação de todos os níveis.
Outro elemento que aparece também nas diretrizes dos compromissos da chapa de Lula é o de "recompor o papel indutor e coordenador do Estado e das empresas estatais para que cumpram, com agilidade e dinamismo, seu papel no processo de desenvolvimento econômico e progresso social do país".
A reconstrução de um projeto em curso
Pode parecer que o projeto da nova onda de esquerda na América Latina aposta, em um primeiro momento, no crescimento doméstico. O objetivo disso está associado tanto à (re)aquecer as economias desses países que, em sua maioria, estão há cerca de uma década com baixas taxas de crescimento – cenário acentuado com a crise do Covid-19. Além disso, buscam reduzir uma questão custosa e comum aos países latino-americanos: a desigualdade.
Por outro lado, não podemos afirmar que esses projetos estão apenas buscando crescimento de curto prazo e que são exclusivamente "voltados para dentro". Ao investir em ciência e tecnologia, e ao incentivar as indústrias de ponta, alguns desses projetos podem vir a proporcionar um crescimento "voltado para fora". A grande diferença, dessa vez, é que, se bem-sucedido, as exportações não devem ser apenas de commodities, mas também de produtos com maior valor agregado. Este projeto tem maior potencial de sucesso caso os países atuem em bloco (re)construindo a cadeia produtiva regional.
Apesar dos atritos por parte do empresariado de alguns desses países, os planos apresentados acima ainda têm potencial de estimular a parceria com o setor privado. O que se sugere, na maioria dos casos, é que o Estado atue como indutor do crescimento, ao mesmo tempo em que procure reduzir as desigualdades e atacar a crise ambiental.
*Os autores agradecem as sugestões do professor Giorgio Romano.
**O OPEB (Observatório de Política Externa Brasileira) é um núcleo de professores e estudantes de Relações Internacionais da UFABC que analisa de forma crítica a nova inserção internacional brasileira, a partir de 2019. Leia outras colunas.
***Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Thalita Pires