Fiscais que atuam no combate à exploração ilegal de mão de obra resgataram um total de 337 trabalhadores de condições análogas à escravidão desde o início deste mês, quando começou a chamada “Operação Resgate II”, desencadeada em 22 estados e no Distrito Federal por diferentes órgãos de fiscalização.
A operação envolve Ministério Público Federal (MPF), Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Previdência, MP do Trabalho (MPT), Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Defensoria Pública da União (DPU). O período da operação marca o Dia Mundial do Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, comemorado a cada 30 de julho.
O número foi revelado em coletiva de imprensa realizada nesta quinta (28), em Brasília (DF), por seis instituições que respondem pelas ações. De acordo com o subsecretário de Inspeção do Trabalho do MTP, Rômulo Machado, houve 105 ações envolvendo 1.124 trabalhadores e 37 delas configuraram exploração de trabalho análogo à escravidão.
Os órgãos não destrincharam os números por estado, mas chamaram a atenção, por exemplo, para o fato de 149 dos 337 resgatados terem sido vítimas também do tráfico de pessoas, crime que geralmente envolve comercialização, escravização, exploração de pessoas, entre outras formas de violação de direitos.
“É um número preocupante, alarmante e que acende uma luz de atenção e alerta pra todos nós”, disse Machado, ao afirmar que todos os resgatados receberam direito a sacar três parcelas do seguro-desemprego para que, a partir disso, possam encontrar um outro rumo. As verbas rescisórias totais dos 37 casos se aproximam do montante de R$ 4 milhões a serem pagos aos trabalhadores resgatados.
As ações envolveram 65 municípios nos seguintes estados: Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso, Paraíba, Pernambuco, Pará, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Tocantins e São Paulo.
O procurador do Trabalho Italvar Felipe de Paiva Medina, vice-coordenador da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do MPT (Conaete), disse que os casos foram localizados tanto em zonas urbanas quanto no meio rural.
Neste último, por exemplo, destacaram-se flagrantes em atividades de colheita de palha, produção de cigarros, café e ainda desmatamento para abertura de pasto. Medina destacou a gravidade de uma ocorrência relacionada a desmatamento clandestino no Acre.
“Foram encontrados trabalhadores que precisavam se deslocar 7km todos os dias da sede da fazenda até os seus alojamentos em um terreno péssimo, no meio da mata e cheio de lama. Eram barracos de palha e lona. Eles bebiam água de igarapé e muitos adquiriram intoxicação e infecções gastrointestinais em virtude disso.”
Segundo os fiscais, para atrair pessoas para esse tipo de situação, os exploradores geralmente lançam mão de falsas promessas de boas condições de trabalho. Com a vida marcada pela vulnerabilidade, muitos trabalhadores acabam caindo na armadilha.
“A maioria dos casos envolve, em cerca de 80% das vezes, negros, pessoas com baixa escolaridade e com idade entre 20 e 30 anos de idade. Sob qualquer recorte que se faça, a gente costuma se deparar com essa realidade”, disse ao Brasil de Fato o auditor fiscal do MTP Maurício Fagundes.
“A escravidão clássica do período colonial e imperial, em que os escravos eram considerados objetos, propriedades a serem comercializadas e sem direitos, foi abolida pela Lei Áurea. Contudo, situações como essas mostram que ainda hoje verificamos graves violações de direitos humanos que afetam a liberdade desses indivíduos e atentam contra a sua dignidade”, comentou Rômulo Machado, ao se debruçar sobre as estatísticas.
Crianças
Ao todos, os fiscais se depararam com 13 casos de exploração do trabalho infantil, sendo cinco delas de condições análogas à de escravo. “As crianças geralmente estão acompanhadas dos pais. Num período de safra, por exemplo, os pais saem pra trabalhar em outros municípios e acabam levando os filhos por não terem com quem deixar. Estando nesses locais, as crianças acabam trabalhando também”, explica Maurício Fagundes.
Segundo o auditor, em um caso flagrado em Minas Gerais, por exemplo, uma criança de cerca de 4 anos que era explorada no local chegou a se perder em meio à plantação. “Tiveram que chamar a polícia pra fazer buscas e foi o dia inteiro atrás dela pra conseguirem encontrar”, relata, ao comentar a crueldade do caso.
Zona urbana
Também houve diferentes casos de pessoas resgatadas de situação de trabalho doméstico análogo à escravidão, contexto mais observado em zonas urbanas, segundo os órgãos de fiscalização.
“Nós resgatamos mais duas trabalhadores domésticas na Paraíba. Esse é um cenário que teima em se repetir, um cenário de pessoas em extrema vulnerabilidade que são recebidas por uma família e essa família usa o trabalho delas submetendo-as a um trabalho análogo ao de escravo”, disse Machado.
Outro caso emblemático que chamou a atenção dos fiscais se deu em uma clínica de reabilitação fajuta localizada pelas equipes. Machado disse que foi um “caso marcante” da operação.
“Pessoas vulneráveis que faziam uso de drogas eram encaminhadas pra essa clinica e lá, a título de fazerem o tratamento, acabavam fazendo artesanato e eram obrigadas a comercializar esse artesanato nas ruas. Elas tinham metas que, se não fossem cumpridas, acabavam sendo penalizadas. Foi um caso de trabalho forçado que chocou pela gravidade das situações, inclusive com relatos de agressão contra eles”, relatou o subsecretário.
Denúncias
Machado chamou a atenção para a importância de a sociedade denunciar esses e outros tipos de situação relacionada à exploração ilegal de mão de obra. “À medida que estão sendo divulgados os casos, a gente vê que há uma crescente no número de denúncias. Isso mostra que há uma conscientização da sociedade em torno do tema.”
Os diferentes órgãos destacaram que as denúncias podem ser feitas de forma sigilosa e remota por diferentes canais. Pode ser utilizado o “Sistema Ipê”, no site ipe.sit.trabalho.gov.br, bem como o denunciante pode relatar o caso por meio da página do MPT (www.mpt.mp.br) ou ainda via Disque 100.
Edição: Rodrigo Durão Coelho