A semana viu dias turbulentos na política argentina, mas na noite de quinta (28) tivemos finalmente algumas respostas para uma crise política que provoca mudanças profundas no cenário do governo.
Ainda no início da semana, rumores sobre novas mudanças no gabinete de governo contrastavam com o silêncio dos ministros, que não concediam entrevistas aos meios de comunicação, e do próprio presidente, Alberto Fernández.
Finalmente, na noite de quinta (28), movimentos de trocas foram anunciados em forma de comunicados por escrito que chegavam a conta gotas: o presidente aceitou a renúncia dos ministros da Economia, Agricultura e Desenvolvimento e Produção. Assim, as três pastas se fundiram em uma, agora encabeçada por Sergio Massa, atual presidente da Câmara dos Deputados.
Os três ministérios são chave para o controle fiscal e as políticas econômicas que o governo, agora reestruturado, busca empreender. No entanto, o rumo tomado não parece encontrar respostas nas discórdias da própria coalizão governista. A fusão das pastas pode representar uma decisão operacional para destravar o conflito que encurrala o governo entre o poder econômico, especialmente o agroexportador, e a população pressionada pela inflação e a desconfiança crescente em relação ao governo.
Foram também semanas de forte desvalorização da moeda, com um forte aumento do dólar paralelo, chamado dólar blue, valor usado como referência para os preços internos no país. A corrida cambial já havia disparado após a renúncia do então ministro da Economia, Martín Guzmán, em uma tarde de sábado, no dia 2 de julho.
Em 4 de julho, assume Silvina Batakis, que entrava no cargo sob uma expectativa por um controle da crise econômica, manteve uma postura moderada e buscou "tranquilizar o mercado", prevendo cortes de gastos públicos, algo que Guzmán já vinha realizando.
Ao mesmo tempo, ela tinha que se equilibrar diante das críticas do setor popular e dos protestos mobilizados por organizações políticas, dada a ausência de medidas e discursos direcionados à população, especialmente à camada mais afetada pelo aumento repentino de preços e do custo de vida.
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A supermudança dessa semana no gabinete surge, então, em resposta a prioridade do governo em lidar com o problema econômico, já que vem enfrentando grande dificuldade em controlar o aumento dos preços.
Mas os obstáculos para achar uma saída, por um lado, vem do poder econômico concentrado de grandes empresas, que pressionam para que os ajustes não recaiam sobre o setor produtivo e exportador; e, por outro, das duas figuras principais da coalizão governista (Frente de Todos – FdT), a vice-presidenta Cristina Fernández de Kirchner e o presidente Alberto Fernández, que raramente estão de acordo.
Portanto, a nova mudança na pasta de economia surpreendeu, já que a ministra da Economia, Batakis, que assumiu o cargo há apenas três semanas, acabava de retornar dos Estados Unidos.
Ela fazia uma viagem de dois dias em uma missão para apresentar-se como a nova ministra e garantir que cumpriria o acordo de metas para a dívida bilionária do país com o Fundo Monetário Internacional (FMI), firmado pelo ex-ministro Martín Guzmán. Reuniu-se com David Linpton, da Secretaria do Tesouro dos EUA, e conversou, cara a cara, com a diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva. Também manteve encontros com investidores de Wall Street e executivos de grandes empresas locais.
A leitura sobre a nomeação de Massa é a de que se criou praticamente um primeiro-ministro, abrindo assim o caminho para sua candidatura presencial em 2023. Próximo aos setores econômicos com fortes relações com os Estados Unidos, Massa tem força política própria e ameaça ofuscar o próprio presidente da Nação, enfraquecido pelas disputas internas em sua própria coalizão.
Sergio Massa (Partido Renovador) foi candidato à presidência em 2015, quando o peronismo perdeu de maneira impactante para o neoliberal Mauricio Macri (Partido Republicano), que contraiu originalmente a dívida com o FMI que, hoje, condiciona a política econômica argentina. Em sua campanha, Massa elaborava um discurso anti-corrupção e crítico ao kirchnerismo, força política com que rompeu em 2013. Em 2015, obteve 21,34% dos votos no primeiro turno.
Com a construção da fórmula Fernández-Fernández lançada por Cristina em 2019, a coalizão Frente de Todos prometia livrar a Argentina do neoliberalismo que afundava o país em dívidas e pobreza crescente. Cristina anunciou, então, que seria candidata a vice e Alberto – figura mais moderada e também antigo crítico do kirchnerismo –, presidente.
Sergio Massa entrou na estratégia política para presidir a Câmara dos Deputados, sem deixar de vislumbrar a presidência. "Em algum momento chegará, ou não, minha vez (de ser presidente), mas não devemos pensar em termos individuais", disse, referindo-se à sua entrada no FdT, em meio a críticas de antigos sócios.
Edição: Arturo Hartmann