Francia Márquez, vice-presidenta recém-eleita da Colômbia, continua sua viagem pela América Latina e desembarcou nesta sexta-feira (29) na Argentina. A vice destacou em seu primeiro dia em solo bonaerense uma agenda progressista: a pauta antirracista e ambiental, a luta contra a fome e o assassinato de ativistas erm seu país, a legalização das drogas e a reforma agrária.
Em sua visita a países da América Latina, Francia tem abordado essas questões com perspectiva regional. Após passagem pelo Brasil e pelo Chile, Francia Márquez visita a Argentina por dois dias e, no domingo, concluirá sua viagem regional na Bolívia.
Em uma visita curta, Francia participa de dois eventos públicos na cidade: sexta no Instituto Pátria (fundado pela vice-presidenta Cristina Fernández de Kirchner) e sábado (30), onde discursará no Centro Cultural Kirchner (CFK) às 17h.
Na jornada em seu primeiro dia na Argentina, Francia foi recebida por Cristina Kirchner, em seu gabinete, no Senado. Kirchner comunicou em suas redes sociais que as vices conversaram sobre integração regional, sobre uma agenda de gênero em comum e a construção da paz e da igualdade.
Às 13h, Francia dirigiu-se ao Instituto Pátria, e, antes de entrar no edifício, decidiu desviar seu caminho para dedicas algumas palavras às pessoas que faziam uma grande fila na porta – entre elas, muitas colombianas –, que esperavam para presenciar seu discurso.
"Este é um momento de muita esperança para a Colômbia e para a América Latina. Esperamos juntos poder trabalhar para devolver a paz, a dignidade, a alegria e a esperança aos nossos povos", disse, e adiantou alguns pontos que desenvolveria no discurso posterior. "Temos o grande desafio de parar a morte de uma vez por todas na Colômbia: parar o assassinato de lideres sociais, de jovens, parar a morte de crianças por fome e desnutrição."
"É parte do nosso desafio recuperar a produção do campo colombiano. Continuar cuidando da Casa Grande [a natureza], o útero maior, a Mãe Terra, é o desafio para o nosso governo e que temos que assumir na região. Cuidar da biodiversidade da América Latina, que é o pulmão do mundo", afirmou, e concluiu, entre aplausos, que esperar construir em conjunto "uma Pátria Grande antirracista, antipatriarcal e anticlassista".
Já em seu discurso dentro do instituto, Francia destacou os pontos mais importantes da agenda que seu governo, ao lado do presidente eleito Gustavo Petro, estabeleceu como prioritária para trabalhar com a região. O governo de Petro e Francia assumirá no próximo 7 de agosto.
Legalização das drogas
Como primeiro ponto, Francia Márquez abordou a legalização das drogas como agenda do futuro governo, um tema caro para a Colômbia.
"Enfrentar a questão da política de drogas implica colocar, na Colômbia e na região, o debate sobre a legalização das drogas como um caminho para resolver tantos anos de sofrimento profundo para as comunidades que padeceram os efeitos da política antidrogas e o narcotráfico", disse. Defendeu a necessidade de assumir o debate como uma forma de frear as violações aos direitos humanos relacionadas às drogas e que afeta a milhares de famílias e jovens no país.
"Isso permite também uma nova economia", continuou Francia, "baseada na mudança do uso da folha da coca, da maconha e produzir medicinas, indústria farmacêutica, indústria têxtil, que beneficia diretamente essas comunidades". Além disso, defendeu uma política de atenção ao consumo problemático de drogas a partir de uma perspectiva de saúde, e não da estigmatização e da criminalização. "O caminho é o das oportunidades, de abrir as portas das universidades, da educação", disse, seguido de aplausos
Mudança climática
Como segundo ponto, Francia destacou o desafio de enfrentar a mudança climática e fazer uma transição da economia extrativista à economia sustentável. Nesse sentido, desmentiu o que o setor da direita, durante a campanha presidencial, afirmou sobre a destruição da exploração de carvão e petróleo na Colômbia com uma possível eleição do Pacto Histórico, coalizão de Francia e Gustavo Petro.
"Não somos irresponsáveis. Sabemos que é uma questão de transição, e que é necessário um processo", pontou Márquez. "Isso implica uma equação em termos industriais, de ciência, tecnologia e educação para estabelecer um caminho nessa direção. Mas temos a vontade política de começar a trilhar esse caminho, e com essa missão esperamos também a disposição de todos os governos da região. Nossa economia não pode obter os lucros da destruição em detrimento da Mãe Terra e de povos inteiros, como aconteceu na Colômbia."
Nesse sentido, também mencionou os deslocamentos forçados em prol de projetos extrativistas, especificamente de mineração e energia. "Garantir os direitos humanos implica assumir uma economia para a vida. Esperamos poder, com todo os empresários envolvidos com o extrativismo, começar a era da economia descarbonizada."
Antirracismo
"Não é possível falar de mudança climática e justiça ecológica se não falamos de racismo e patriarcado", destacou Francia, entrando no terceiro ponto da agenda regional. Em um projeto antirracista e antipatriarcal, o novo governo colombiano terá como perspectiva as mulheres – 52% da população do país, como destacou Francia –, para trabalhar sobre a desigualdade econômica, na educação, na política e em outros âmbitos.
Para isso, o Ministério da Igualdade será criado na Colômbia para tratar de temas relacionados aos direitos de mulheres, jovens e povos étnicos. Além disso, afirmou que será criada uma Comissão Nacional de Reparação Histórica. "É um bom momento para discutir a reparação histórica para os povos afrodescendentes e indígenas nas Américas", disse, seguida de fortes aplausos. "Já é suficiente dizer que há uma dívida histórica com esses povos. E, como dizia em campanha: e o pagamento é para quando?"
Apelou a que outros países da região abram espaço para esse mesmo objetivo, uma vez que "não há nenhum país na América Latina que não tenha tido escravidão", e que, em consequência, "todos sofrem os efeitos da escravidão, até hoje". "A reprodução do racismo e do patriarcado não parte só da direita e da ultradireita, mas também dentro dos nossos próprios movimentos."
Reforma agrária
Ao finalizar seu discurso, Francia Márquez ainda levantou outra temática, ao falar sobre antirracismo: a reforma agrária. A vice-presidenta eleita destacou que o tema será fortemente trabalhado no governo do Pacto Histórico, entendendo que a população camponesa é assassinada e tem sido marginalizada nos governos de direita colombianos. Em uma perspectiva transversal, também destacou que pensar a distribuição de terras não implica pensá-la para os homens, mas pensar na "terra para as mulheres".
"Chegou o momento de reconhecer o povo camponês como sujeitos de direitos. Hoje temos que trabalhar nisso, e contaremos com a ministra Cecilia López, nossa Ministra da Agricultura, para avançar com a reforma agrária", disse Márquez, "Os líderes camponeses são assassinados, gente que lutou a vida toda pela distribuição das terras. Este será um grande desafio, mas é o permitirá a igualdade na região e na Colômbia", pontou, e concluiu, gerando exclamações: "Esperamos que esse assunto também seja discutido em outros países, inclusive aqui na Argentina."
Edição: Rodrigo Durão Coelho