A presidenta da Câmara dos Estado Unidos, Nancy Pelosi, aterrissou nesta terça-feira (2) em Taiwan, apesar das advertências do governo chinês de que a viagem seria entendida como uma provocação. Há 25 anos um presidente do Legislativo estadunidense não visitava a ilha asiática. O governo chinês iniciou exercícios militares nesta terça e enviou aviões do tipo Su-35 para sobrevoar o território taiwanês.
O chanceler chinês, Wang Yi, afirmou que os EUA cruzaram uma linha vermelha da diplomacia. "O povo chinês nunca aceitará isso e a comunidade internacional também despreza uma provocação tão injustificada", declarou Yi à imprensa local.
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O porta-voz do Ministério de Defesa, Wu Qian, afirmou que estão em alerta máximo para uma possível operação de defesa da "soberania nacional e integridade territorial".
A líder do partido Democrata cumpre uma agenda oficial pelo continente asiático, com visitas ao Japão, Malásia, Singapura e Coréia do Sul. "A visita de nossa delegação do Congresso a Taiwan honra o compromisso inabalável dos Estados Unidos em apoiar a vibrante democracia de Taiwan", disse Pelosi em comunicado.
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O pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU), Marcos Cordeiro Pires, afirma ao Brasil de Fato que "por mais que os EUA estimulem o partido democrático independentista de Taiwan, eles não podem apoiar a independência de Taiwan. Se isso acontecer, a China vai invadir Taiwan. Em nenhum momento os chineses vacilaram em relação a essa questão", analisa
A passagem por Taiwan não foi divulgada na agenda oficial de Pelosi, mas era tema de especulação desde julho. Na última semana, o chanceler chinês Wang Yi alertou a Casa Branca a "não brincar com fogo". O porta-voz de segurança nacional da Casa Branca, John Kirby, disse na segunda-feira (1º), que não seriam intimidados pelo que chamou do "chacoalhar de sabre" chinês.
Para a China, a visita de Pelosi pode enviar "sinais equivocados" às forças separatistas que buscam a independência de Taiwan.
Cordeiro, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), defende que a proximidade das eleições de metade de mandato nos EUA, que ocorrem em novembro, com uma possível derrota do Partido Democrata, seria o principal fator para a manobra de Pelosi. "É como se ela estivesse mandando um recado aos republicanos dizendo 'nós somos os campeões da luta pela democracia' e os campeões na contenção da China, como se isso pudesse melhorar a imagem do partido, principalmente entre aqueles eleitores que considera a gestão do Biden ruim e sua política exterior fraca".
Além do interesse eleitoral, o pesquisador destaca a influência das empresas de segurança privada sobre as decisões do Legislativo e do Executivo estadunidense.
"Desde a época da Guerra Fria há um interesse que se sobrepõe sobre os demais interesses nos EUA, que é o complexo industrial militar, para o qual é sempre importante criar ou aumentar o tamanho das ameaças. A partir desse clima, eles conseguem justificar a alocação de recursos do orçamento dos EUA para o setor de defesa".
Na estratégia militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) definida em junho de 2021, China e Rússia são identificadas como "ameaças" à segurança global.
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Em comunicado publicado nesta terça, o Ministério de Relações Exteriores chinês destaca sobre a viagem de Pelosi: "é uma violação grave do princípio de uma só China e das disposições dos três comunicados conjuntos China-EUA. Tem um impacto severo na base política das relações China-EUA e infringe seriamente a soberania e a integridade territorial da China".
Na última quinta-feira (28), os presidentes Xi Jinping e Joe Biden dialogaram por telefone sobre a tensões em Taiwan. Na ocasião, Biden reiterou seu compromisso com o princípio de "um país, dois sistemas", que guia as relações diplomáticas entre os dois países desde 1979.
Apesar de reivindicar sua independência da China continental, sendo reconhecida por algumas nações como um Estado autônomo, a Assembleia Geral da ONU reconhece Taiwan como parte do território chinês desde 1971. Desde 1949, 181 países reconhecem a República Popular da China como um Estado soberano.
A questão de Taiwan é um dos temas sensíveis no cerne das relações entre Washington e Pequim. O Estreito de Taiwan tem sido palco de uma nova rodada de tensões. Somente este ano houve quatro ocasiões em que o Pentágono enviou navios militares para o Mar do Sul da China.
Agora, quatro navios de guerra dos EUA, incluindo o porta-aviões USS Ronald Reagan, foram posicionados em águas a leste de Taiwan, num movimento que a Marinha dos EUA chamou de "desdobramentos de rotina".
No dia 25 de julho, o governo taiwanês também realizou exercícios militares justificando um possível "ataque da China".
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Apesar da escalada de tensões militares, Cordeiro afirma que é improvável o início de conflito armado "porque implicaria uma guerra direta entre EUA e China, não uma guerra por procuração como acontece na Ucrânia. E são dois países que possuem arsenais nucleares, algo que seria catastrófico, já que compromete a própria existência na humanidade nesse planeta".
Por outro lado, o professor da Unesp avalia que a a China pode adotar outras represálias, como aumentar o controle sobre as terras raras, que são matéria-prima básica para desenvolver a indústria de defesa e alta tecnologia. Ou ainda pode vetar algumas importações de Taiwan.
Edição: Arturo Hartmann