Sob responsabilidade da empresa EDP Renováveis, o Complexo Eólico Serra da Borborema (Pernambuco) obteve em 2019 uma licença prévia para ser instalado. O empreendimento, composto por 55 turbinas, ocupará uma área equivalente a quase 8 mil campos de futebol e terá capacidade para abastecer cerca de 36 mil casas.
A empresa, cuja matriz é espanhola, se diz comprometida em garantir o mínimo de impacto ambiental. Mas a realidade não é tão simples assim, sobretudo, porque os 13 municípios na Borborema formam um pólo importante da produção agroecológica no estado.
A denúncia contra o complexo eólico foi a principal pauta da 13 Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, o principal espaço de diálogo entre as famílias camponesas.
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"Falamos para 4 mil mulheres ao mesmo tempo, trazendo a realidade desses impactos, dessas energias. Como que a gente pode resguardar o nosso território, produtor de alimentos saudáveis, da agricultura familiar. Sem falar que, no nosso território, as terras têm entre zero e 10 hectares. O que significa isso? É você ter uma terra praticamente tomada pela produção de energia", pontua Roselita Victor da Costa Albuquerque, diretora do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras rurais do município de Remígio e uma das coordenadora do evento.
O tema entrou no radar das agricultoras em 2018, quando a empresa começou a fazer estudos na região. Foi aí que um grupo de agricultoras viajou para o interior de Pernambuco para conhecer o impacto da construção de parques eólicos em municípios como Caetés, Venturosa, Pedra e Capoeiras.
Poeira, espaço reduzido para o plantio por conta das torres e das fiações subterrâneas, e o perigo de queda das aeroturbinas. Essas foram algumas das perturbações constatadas. A luta das mulheres é para que haja uma energia renovável, mas que ela não diminua as terras cultiváveis.
"Em vez de parques eólicos concentrados, que vão desmatando, mudando os modos de vida, diminuindo as áreas de produção das famílias, por que não ter placas solares no terreno das famílias? Elas poderiam consumir essa energia e vender o seu excedente, por exemplo, para uma empresa", questiona Albuquerque.
"A maioria ficou informada"
Vice-presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município de Solânea (PB), Maria Dantas da Silva, ou Pixitita, cultiva feijão, milho, feijão, fava, e algodão. Sua renda sempre veio do que tira do roçado.
A agricultora conta que, em sua comunidade, a empresa passou em cada propriedade familiar, com a promessa de que com a implantação, a família receberia entre R$ 3 e 4 mil mensais. Ela não aceitou a proposta. Mas na vizinhança, três contratos foram assinados. Coincidência ou não, oito dias após a marcha, os contratos foram cancelados, e por iniciativa da própria empresa.
"A maioria ficou informada, então surgiu um grande efeito, um grande entendimento para as famílias agricultoras, para as mulheres entenderem direitinho. Foi muito bom, tanto para elas, como para os esposos que têm as suas pequenas propriedades", explica Pixitita.
"Acho que havendo a mobilização que temos por aqui em outras regiões, com muita força, garra, experiência, tem como barrar. Porque se fosse uma coisa que viesse trazer saúde para a população era uma coisa, mas traz só impacto e mais nada", completa.
Os contratos
A construção do complexo eólico na Borborema não foi iniciada, embora muitas famílias já tenham assinado contratos de arrendamento de suas terras.
Em geral, há uma série de incertezas sobre esses documentos que precedem a instalação do complexo, cuja licença foi emitida pela Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema) e aprovada pelo Conselho Estadual de Proteção Ambiental.
Para o advogado Claudionor Vital, que assessora as organizações de trabalhadores na região da Borborema e em outras regiões da Paraíba onde há iminência de instalação eólica, os contratos são uma forma de acesso e controle das empresas sobre as propriedades.
As empresas não garantem uma renda mínima às famílias. As cláusulas também definem que as terras terão como prioridade a geração de energia em detrimento da produção de alimentos.
"As famílias podem até utilizar a terra para a produção de alimentos, mas isso se houver permissão das empresas e se essas atividade não causar nenhum obstáculo para a produção de energia eólica. É uma verdadeira forma de expropriação do uso da terra", aponta o advogado.
Segundo o advogado, a promessa verbal que as empresas fazem às famílias, de que elas terão uma renda mensal de R$ 3 a R$ 4 mil não é verdadeira. O que consta nos documentos é que o valor a ser pago pela empresa pode sofrer variação, seja em função do preço da energia no mercado ou de condições operacionais da geração de energia.
"É uma forma de transferir para o proprietário da terra parcela dos riscos do empreendimento, que deveria ser da empresa. Os contratos são claros. Não há parceria entre as famílias dos agricultores e as empresas", pontua.
A região Nordeste abriga 90% da capacidade instalada de energia eólica no país, conforme levantou reportagem da BBC Brasil. Em 2000, as usinas eólicas respondiam por menos de 1% da matriz elétrica nacional. Em 2021, respondem por 11%. Segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica, são 805 parques instalado no país, 708 deles no Nordeste.
Audiência Pública
No fim de agosto, a primeira audiência pública promovida pela Assembleia Legislativa da Paraíba para debater o tema, reuniu cerca de 300 agricultores e agricultoras no município de Esperança (PB). O intuito foi denunciar as violações de direitos promovidas pelas empresas multinacionais, e cobrar uma resposta do estado.
O professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Valmeram Trindade, frisou um ponto fundamental em sua fala: a possibilidade de escassez hídrica com a instalação
"Eles estão vindo concorrer com a água que a agricultura familiar utiliza. A mesma água das famílias será usada para lavar as placas, para a fundição dos aerogeradores. No modelo descentralizado, com duas canecas de água se limpa um painel fotovoltaico em cima de uma casa. "Precisamos de políticas públicas porque as que se sobressaem estão estimulando os grandes empreendimentos", pontuou.
Terra das sementes da paixão
O embate entre a agricultura familiar e os grandes projetos de desenvolvimento é histórico na Borborema. Em 2006, a resistência camponesa foi contra a expansão da fumiltucura por parte da multinacional Souza Cruz.
A região é um celeiro da preservação de sementes crioulas, que na Paraíba são conhecidas como sementes da paixão.
"A gente percebeu que as experiências em agroecologia diversificada nas famílias elas tinham papel fundamental do ponto de vista da saúde, da economia, do acesso aos mercados, que tem vários, das feiras livres na Borborema, que são espaços muito fortes de vendas e comercialização da agricultura familiar. E a gente tem outros espaços. A gente tem uma rede de feiras agroecológicas. São 12 feiras hoje no território. A gente tem quitandas, que são ponto fixos de produtos da agricultura familiar. Então é muita resistência que a gente está fazendo",finaliza Roselita..
Outro lado
O Brasil de Fato entrou em contato com a EDP Renováveis para entender se há algum estudo sobre os impactos da instalação do complexo eólico para a agricultura familiar na região e sobre os riscos de escassez hídrica para as famílias produtoras.
Foi questionado também se os contratos que vem sendo assinados garantem uma renda mínima as famílias e como será feita a compensação financeira após a instalação das aeroturbinas.
O Brasil de Fato também pediu esclarecimentos ao Governo da Paraíba sobre os motivos que levaram a emissão da licença prévia para a implantação do complexo eólico, em 2019, por parte da Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema).
A reportagem será atualizada assim que obtiver retorno por parte da empresa e do poder público estadual
Edição: Rodrigo Durão Coelho