A Rússia anunciou que, após 2024, irá se retirar do projeto da Estação Espacial Internacional e planeja criar sua própria estação espacial. A cosmonáutica é um dos poucos setores em que Moscou e Washington vêm mantendo uma boa cooperação ao longo das últimas décadas, apesar das tensões diplomáticas e da Guerra da Ucrânia.
Durante uma reunião com o presidente russo Vladimir Putin na terça-feira (26), Yuri Borisov, chefe da Agência Espacial Russa, a Roscosmos, anunciou que o país deve se retirar do projeto da Estação Espacial Internacional (EEI) após 2024, quando Moscou deve completar todas as obrigações com os seus parceiros.
Segundo Borisov, a prioridade do setor a partir da saída do projeto internacional será a criação da própria estação espacial nacional – a Estação de Serviço Orbital Russa (ROSS).
“É claro que cumpriremos todas as nossas obrigações com nossos parceiros, mas a decisão de deixar esta estação após 2024 foi tomada. Acho que a essa altura começaremos a montar a estação orbital russa” disse Borisov.
De acordo com Vladimir Solovyov, construtor-chefe da RSC Energia, empresa russa especializada em projetos e construção de espaçonaves e componentes para estações espaciais, a primeira fase de construção da nova Estação de Serviço Orbital Russa (ROSS) pode começar em 2028. A conclusão dessa etapa inicial seria em 2030.
“É muito importante, do meu ponto de vista, garantir que a construção da ROSS não se torne uma construção de longo prazo. Devemos desenvolver e aproveitar ao máximo as novas tecnologias que nos permitirão construir vários elementos da estação na Terra em paralelo e colocá-los em órbita em um tempo razoável”, disse o diretor da RSC Energia, citado pelo portal Life.ru.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o divulgador científico, Vitaly Egorov, afirmou que a probabilidade de a Rússia abandonar a Estação Espacial Internacional é realmente grande, mas observou que é improvável que isso aconteça até o ano de 2024. Segundo ele, o anúncio do chefe da Roscosmos tem uma implicação mais política do que técnica.
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Segundo ele, está em curso hoje na Rússia uma propaganda estatal antiamericana e o contexto de cooperação na EEI “prejudica este quadro antiamericano que a mídia russa está pintando”. “Este anúncio parece mais direcionado para o público interno, para dizer aos russos: ‘vejam, nós não gostamos dos americanos nem no espaço’”, destaca.
“É uma espécie de demonstração política de independência em relação aos EUA, já que, por um lado, os países são amigos na EEI, somos parceiros, dependemos uns dos outros. Por outro lado, existe essa dependência porque nós não podemos dizer que vamos separar a nossa parte da EEI e ir embora, formando a nossa própria estação espacial nacional a partir disso. Não, isso gera uma certa impossibilidade técnica. De alguma forma ela poderia habitar o espaço, mas não daria para fazer dela uma estação completa, justamente porque ela dependeria muito do segmento americano”, explica o analista.
Vitaly Egorov acrescenta que, da mesma forma, o segmento americano no espaço não seria pleno sem a Rússia, o que faz que exista essa “espécie de armadilha”, na qual há uma parceria que é difícil de romper, e é “preciso buscar outros parceiros e tentar sobreviver e se desenvolver por conta própria”. E completa: “Ao que parece é o que a Rússia está tentando fazer com a construção de sua própria estação”.
O anúncio da retirada da Rússia da EEI surge no contexto da grave crise entre a Rússia e o Ocidente por conta do conflito na Ucrânia, iniciado por Moscou em 24 de fevereiro.
A Estação Espacial Internacional é considerada um símbolo da cooperação entre a Rússia e os Estados Unidos, que se manteve firme no setor espacial mesmo nos períodos de maior estremecimento diplomático.
Ao comentar o anúncio do chefe da Roscosmos, Washington lamentou a decisão da Rússia através do porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Ned Price.
“Vimos a declaração da Rússia de que planeja deixar a Estação Espacial Internacional após 2024. É um desenvolvimento infeliz, dado o grande trabalho científico realizado na EEI, a valiosa colaboração profissional que nossas agências espaciais tiveram ao longo dos anos, e especialmente à luz do nosso acordo renovado sobre cooperação em voos espaciais”, disse o porta-voz.
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Em meados de julho, a Roscosmos e a NASA protocolaram um acordo para realizar voos cruzados de tripulações integradas para a EEI. Os primeiros voos conjuntos estão programados para este outono. O acordo foi celebrado como uma tentativa de manter as operações apesar do isolamento da Rússia pelos países ocidentais no contexto da guerra na Ucrânia.
Para o divulgador de pesquisas sobre cosmonáutica, Vitaly Egorov, a assinatura do acordo sobre os voos cruzados é uma demonstração de que os trabalhos conjuntos entre Rússia e EUA serão mantidos enquanto houver o intercâmbio nas naves espaciais entre astronautas russos e norte-americanos.
“Eles continuarão tripulando nossas naves, e nossos cosmonautas continuarão tripulando as naves americanas. Devem ter no mínimo três desses voos. E isso é uma demonstração de que a Rússia e os EUA estão dispostos a trabalhar juntos adiante. Se tudo isso for rompido, se a Rússia construir a sua própria estação espacial, então tudo precisará ser feito do zero”, observa.
De acordo com ele, a ruptura definitiva entre Rússia e Estados Unidos no âmbito da Estação Espacial Internacional dependerá da capacidade de Moscou construir sua própria estação espacial.
“A Roscosmos já tem certo trabalho em processamento, tem especialistas competentes. Pode ser que surjam problemas com a eletrônica espacial, que agora está sob severas sanções na Rússia, e isso pode atrasar a realização do projeto”, afirma.
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Ainda em abril, o então chefe da Agência Espacial Russa, Dmitry Rogozin, havia declarado que a restauração das negociações para a cooperação na EEI após 2024 só seriam possíveis se as sanções dos EUA contra a indústria espacial russa fossem suspensas.
Vitaly Egorov, que também é fundador da comunidade de divulgação científica “Open Space”, destacou que já há bastante tempo a parte financeira é um aspecto sensível para a Roscosmos, que vem tendo dificuldade com o financiamento estatal. Assim, a criação da Estação de Serviço Orbital Russa (ROSS) seria uma forma de impulsionar verbas para os projetos da agência.
“É bom para a Roscosmos criar algo para que tenha uma verba adicional. E o projeto da própria estação orbital será, sem dúvida, mais caro do que o aporte da Rússia para a EEI. Então a promessa é de um aumento de financiamento da indústria”, afirma.
Vitaly Egorov reitera que “não há nenhuma base técnica, nenhuma base científica para um rompimento entre os países” para a sua cooperação na EEI. “O único fundamento aqui é político”, completa.
*Colaborou Serguei Monin
Edição: Arturo Hartmann