O debate entre os candidatos a governador em São Paulo refletiu a disputa no estado por uma espécie de trono do conservadorismo, o que, na prática, se traduz em uma vaga no segundo turno. E, se os encontros televisivos hoje têm um poder limitado de influência no comportamento eleitoral em relação a períodos em que a TV aberta era dominante, ainda trazem conteúdo que pode ser divulgado nas rede e evidenciam estratégias de campanha.
Três dos candidatos, Tarcísio de Freitas (Republicanos), Rodrigo Garcia (PSDB) e Vinicius Poit (Novo) praticamente não fizeram críticas ao presidente Jair Bolsonaro (PL), o que seria natural para Tarcísio, ex-ministro da atual gestão, mas que denota uma linha dos outros dois candidatos de também brigar pelos votos no segmento bolsonarista.
O atual governador tentou se dissociar de seu padrinho, João Doria, apelando a uma figura neutra ao citar realizações do "governo de São Paulo", agregando desde realizações da atual gestão a todo o histórico de administrações do PSDB. Nesse sentido, quando citou a criação do Poupatempo, foi contestado por Fernando Haddad (PT). O petista lembrou que Garcia fazia parte da gestão de Celso Pitta. "O Poupatempo foi criado justamente quando você servia ao Pitta, e não ao Covas", disse, sobre o projeto implementado em 1997, na gestão de Mário Covas (PSDB), período em que o atual governador era chefe de gabinete da Secretaria de Planejamento da Prefeitura de São Paulo, que tinha Gilberto Kassab como titular.
A luta de Garcia é principalmente a de construção de imagem. Neófito no PSDB, quer assegurar um eleitorado que elegeu candidatos da legenda desde 1994, mas encontra um cenário em que parte dessa base acabou abandonando o partido e aderindo ao ideário de extrema direita.
Com grande influência sobre prefeituras de todo o interior, o partido tem potencial para fortalecer sua candidatura, mas o desempenho de João Doria em 2018, quando teve que apelar para o "Bolsodoria" para vencer a eleição, mostra a importância adquirida por esse segmento para os postulantes do campo conservador. O "mais do mesmo" não cabe mais ao figurino tucano, que deve se reinventar.
O Novo mais bolsonarista
Já Vinicius Poit, que por enquanto tem desempenho pífio nas pesquisas, foi muito mais bolsonarista do que o candidato oficial do Planalto, Tarcísio de Freitas. Toda sua linha é centrada naquilo que era o ideário defendido pelo atual presidente em 2018, com uma pauta focada na agenda tida como "moral". No discurso, questões como o fundo eleitoral, repetida diversas vezes, além da reivindicação de uma herança lavajatista. A bandeira da antipolítica foi hasteada novamente com brio pelo postulante ao governo paulista.
Nesse sentido, talvez o momento mais emblemático tenha sido quando o candidato do Novo teve a oportunidade de fazer uma pergunta ao ex-ministro da Infraestrutura, afirmando que ele se tratava de alguém com perfil "técnico", mas o criticando por se associar a nomes de pessoas com histórico de corrupção, citando Eduardo Cunha, e sem mencionar os escândalos do próprio governo Bolsonaro.
Para ele, que está situado na margem de erro das pesquisas, a postura pode render dividendos, já que o discurso se direciona a um nicho que tem mercado eleitoral. E, em vista do acirramento da disputa entre Garcia e o ex-ministro de Bolsonaro, seu desempenho pode ser um fator decisivo para se saber quem vai ao segundo turno.
"Pior prefeito da história de SP": a reprise de uma fake news
Embora também tente se apresentar como alguém que possa agregar votos do centro ou de uma direita não extremista, ao menos do ponto de vista do discurso, Tarcísio de Freitas não pode deixar a base bolsonarista desmobilizada e a fórmula é a mesma adotada pelo seu ex-chefe em 2018: antipetismo e apelo a fake news.
Não é à toa a menção por parte dele de Haddad como "pior prefeito de São Paulo", com um apelo para que as pessoas pesquisassem no Google. A mesma estratégia foi usada por Bolsonaro em 2018 e, à época, o sociólogo Sergio Amadeu explicou, ao Jornal Brasil Atual, como eram feitas as ações para que o nome do petista aparecesse associado à busca.
"Tudo que acontece nessas plataformas como Google, Facebook, nas chamadas redes sociais on-line e mecanismos de busca, é com base em algo difícil de acompanhar, que é o sistema de algoritmos. Ele define o que vai acontecer na plataforma, quem vai ver o post que você publicou no Facebook, qual vai ser a hierarquia de uma busca que você fez. Quem vai decidir isso é um sistema algorítmico com base nos dados que eles coletam das pessoas. Em geral esses sistemas tentam descobrir quem é você”, explica.
À época, quase todos os retornos das buscas com melhor ranqueamento eram publicações de páginas de extrema-direita, algumas que imitavam veículos da mídia tradicional para tentar passar mais credibilidade ao conteúdo. "Organizam-se campanhas com esses sites de extrema-direita para ‘bombar’ uma matéria, colocando robôs de vários IPs diferentes ou grupos de pessoas acessando insistentemente uma matéria que pode ser uma notícia falsa ou descontextualizada. E a tendência é subir na hierarquia das respostas que o mecanismo de buscas vai dar", apontava Amadeu.
Tudo indica que o expediente será utilizado de novo agora.
Haddad prioriza educação
Ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo, Haddad buscou falar mais da sua primeira experiência e este deve ser o rumo da campanha. Não só porque ajuda a conectar a disputa local com a nacional, trazendo feitos que devem ser divulgados também na disputa presidencial, como por se tratar de um tema que tem ganho mais relevância, em especial por conta dos impactos da pandemia e do despreparo do poder público em geral no setor de ensino.
Obviamente só isso não vai bastar para um triunfo inédito do PT. As indicações ao centro também estiveram presentes no debate quando Haddad afirmou não ser, a priori, contra qualquer privatização e concessão, mas se colocando contrário à tentativa de privatização da Sabesp por ser uma companhia responsável por serviços essenciais.
Para minimizar o antipetismo no interior no estado, talvez na campanha de Haddad esteja uma das maiores torcidas para que a corrida à Presidência da República seja liquidada no primeiro turno. Isso liberaria o ex-governador Geraldo Alckmin para auxiliar o petista nos locais onde há maior resistência ao seu nome.
Edição: Rodrigo Chagas