Alimento e cura

Óleo de batiputá: conheça a história de religação ancestral e afirmação de identidade indígena

Povo Tremembé da Barra do Mundaú compartilha sua cultura e espiritualidade com as novas gerações

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Óleo de batiputá considerado como sagrado pelo povo Tremembé da Barra do Mundaú - Divulgação / Tremembé da Barra do Mundaú
Para nós é reconhecido como o óleo milagroso que pra tudo serve, tudo cura

O fruto é pequenininho, mas a potência do óleo que se extrai dele ultrapassa gerações. Batiputá o nome, planta nativa da Barra do Mundaú, no Ceará, que há mais de 300 anos vem sendo utilizado pelo povo Tremembé, como afirma a jovem liderança indígena, Mateus Tremembé.

“Para nós é reconhecido como o óleo milagroso que pra tudo serve, tudo cura. Então a gente diz que o óleo do batiputá é o óleo que alimenta e cura, que identifica quem somos, porque é uma forma importante de conexão com o território sagrado, uma forma importante de nos identificar enquanto povo naquele território”, explica.  

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Pelos seus poderes curativos e espirituais, o óleo de batiputá é usado em vários dos rituais da etnia, mas com o tempo, o povo Tremembé descobriu também o sabor marcante e a acidez do óleo que virou ingrediente indispensável na culinária da comunidade. 

“A gente colhe e cozinha o feijão. Depois coloca uma colherzinha da banha do batiputá, coloca uma farinha e ali você faz um 'molequezinho' [amassando com a mão] do feijão maduro e come, é uma delícia! O peixe frito no óleo de batiputá não tem comparação com o peixe frito em óleo industrializado, porque tem um sabor e cheiro especial’’, ressalta Mateus. 

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Religação

Só que com o passar dos anos, o uso do óleo de batiputá foi diminuindo entre as novas gerações que já não participavam dos rituais de confecção do produto. Diante desse cenário, Mateus Tremembé resolveu pesquisar sobre o assunto, juntando uma religação com a sabedoria ancestral e a proposta de sistematização do óleo de batiputá. 

“Anteriormente à pesquisa, o óleo de batiputá era preparado somente pelas mulheres mais velhas e pelos homens mais velhos da aldeia, os agricultores. Não tinha a participação da juventude nesse processo, e isso me preocupou bastante porque eu já tinha 24 anos, na época, e me preocupava porque eu não sabia fazer o óleo do batiputá, minha mãe e meu pai sabiam, mas eu não sabia, isso não era uma obrigatoriedade, que o jovem soubesse fazer esse beneficiamento”, explica. 

Sistematização

A pesquisa foi elaborada com profissionais da Escola de Gastronomia Social, do Governo do Ceará, que adentraram o território indígena para ajudar a sistematizar o processo de extração e pensar maneiras de (re)unir as gerações em torno desse ritual.

“Quando o Mateus chega no laboratório da escola, certamente ele pensa uma relação entre tradição e inovação, em como fazer os jovens do território compreenderem a importância do óleo do batiputá e fazerem a manutenção. A gente deu todo o suporte, eles se organizaram, fizeram a plantio, fizeram o colheita e hoje eu diria que a gente conseguiu fazer com que o saber, que era um saber centralizado entre os mais velhos, pudesse, de forma sistematizada, ser colocado em evidência entre os mais jovens”, pontua a coordenadora de Cultura Alimentar da Escola, Vanessa Moreira.

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Saberes perpetuados que significam não só um resgate da ancestralidade, mas também um ato de resistência, como salienta o ecólogo Jerônimo Villas Bôas, um dos mentores do Mateus no laboratório da Escola. 

“Momentos como esse, em que uma jovem liderança, uma figura como o Mateus traz luz para um elemento simbólico e significativo da cultura, da biodiversidade e da espiritualidade dos Tremembé, eu acho que é sempre um momento em que se alivia uma perspectiva das tensões e permite que olhem pra dentro do próprio território. Os Tremembé lidam com uma série de desafios pra permanecer naquele território, é uma luta política e todos os mecanismos possíveis de valorização, de sistematização do conhecimento e que garantam que os jovens sigam entendendo a razão de existir naquele território e a amplitude do que significa aquele território, eles são fundamentais”, afirma. 

Afirmando a própria história

Mateus divide ainda algo potente diante do futuro e do resguardo da sabedoria ancestral de seu povo: “eu acredito que a importância de se preservar está, sobretudo, na sustentabilidade e no acreditar no amanhã, acreditar no futuro. E nós, enquanto povo Tremembé, acreditamos que essa tradição precisa permanecer viva porque é a conexão nossa com o passado, mas sobretudo com o futuro, o futuro que nós acreditamos, e que nós queremos”, define.

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A liderança indígena lembra um ditado que lhe foi compartilhado pelo seu avô: “os troncos velhos da aldeia da Barra do Mundaú sempre falam que - nós somos os daquele tempo e os daquele tempo são os de hoje -, então se nós somos os daquele tempo precisamos consumir o que os daquele tempo consumiam para que nossa identidade, nossa espiritualidade e nossa ancestralidade permaneça viva’’, lembra. 

Edição: Daniel Lamir