Na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), juristas, políticos e artistas se apinhavam nos corredores que dividem o Pátio das Arcadas e o Salão Nobre do prédio, aguardando a leitura da "Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito". O clima de "Diretas Já" - reforçado pela presença de atores do movimento de 1984, como o ex-jogador Walter Casagrande e o jornalista Juca Kfouri - se misturava com o incômodo gerado pela seletividade e a exótica pluralidade do evento.
Do lado de fora do prédio, milhares de pessoas se acotovelavam por um melhor ângulo do telão que transmitia o encontro. O ato estava restrito apenas para convidados, embora tenha sido anunciado com ares de convocação. Lá dentro, a indigenista Sônia Guajajara e a ambientalista Marina Silva dividiam o mesmo espaço com os deputados federais Joice Hasselmann (PSDB-SP) e Coronel Tadeu (PL-SP). A primeira, é ex-bolsonarista, ainda associada à direita, e o segundo, um parlamentar ligado intimamente ao bolsonarismo.
O jurista e professor de Direito Constitucionalista Pedro Serrano, saudado nas rodas de advogados e assediado por estudantes de Direto da faculdade, era um contraponto ao ex-ministro Miguel Reale Jr, autor do pedido de impeachment que afastou a presidenta Dilma Rousseff (PT) da presidência, que foi vaiado no evento.
Bruno Araújo, presidente nacional do PSDB, também esteve no evento, assim como o presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Isaac Sidney.
A carta, que se pretende histórica na luta contra o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), foi assinada por mais de 900 mil brasileiros e oito presidenciáveis, entre eles Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB). Tamanha adesão ajuda a explicar a diversidade do encontro no Largo São Francisco.
"Esse ato representa o reconhecimento desses diferentes setores sociais de que não podemos retroceder em relação ao que temos. Nossa democracia é imperfeita e incompleta, nossa democracia tem uma forte expressão política, mas uma frágil expressão social. O que está acontecendo aqui é um reconhecimento que 'daqui' não podemos retroceder", explica Juliano Medeiros, presidente do PSOL, que enxerga a aliança como documento pragmático, com compromisso para o período eleitoral.
"Claro que há, aqui, pessoas que acham que o que temos hoje é suficiente, eu acho que não, acredito que devemos ir muito além do que temos hoje. Mas nesse ponto, de que democracia fica e Bolsonaro sai, temos consenso. Esse é o patamar mínimo. Aqui, há setores sociais que têm interesses conflitantes e eles vão se manifestar após a eleição. Se eles vão se manifestar, melhor que seja no campo do diálogo, sem violência."
Ex-ministra do governo Lula e candidata a deputada federal, Marina Silva chamou a carta de "ato de vigilância da sociedade, que precisa ser escutado pelo Congresso". A ambientalista ponderou, também, que a democracia é atacada de diversas maneiras.
"A democracia é ameaçada por muitas frentes. Um dos ataques é a desigualdade social, não tem como dizer que há democracia, quando uma parte da população não tem acesso à saúde, educação, alimentação ou transporte público. Não há democracia para mulheres indígenas e pretas. Nesse momento, 33 milhões de brasileiros vivem com R$ 1 por dia", disse.
"É um espectro bem grande", pondera a ex-desembargadora Kenarik Boujikian. "É uma luta diária garantir que todas essas forças se equilibrem. Precisamos dar continuidade a este momento, no sentido de garantir a democracia. A democracia não acaba numa votação, ela é muito mais que isso. Ela é um projeto de país, que tem em sua coluna vertebral os direitos humanos. A luta é para que esses direitos sejam respeitados, inclusive após a eleição. Só tem sentido (o evento), se tivermos compromisso com a Constituição."
A luta contra o absurdo
Uma pessoa próxima ao Grupo Prerrogativas, organização de advogados progressistas que fez parte da articulação do evento, comentou que seria uma "aliança contra o absurdo", "mas é bizarro ver algumas pessoas e encontros que estão acontecendo aqui."
Entre as pessoas citadas, estava o deputado federal Coronel Tadeu, que apareceu no evento com uma camiseta onde era possível ler os nomes de Jair Bolsonaro e Tarcísio Freitas, ex-ministro do atual governo e candidato ao Palácio dos Bandeirantes.
"Tudo que eu não queria ver aqui era um grito pró-Lula, mas eu vi. A partir daí, desbancou o motivo da festa, é um ato político, com fachada de luta pela democracia", afirmou o parlamentar, que disse não ter sido incomodado e nem provocado no evento. Tadeu não assinou a carta.
Edição: Thalita Pires