A influência da indústria de alimentos ultraprocessados nas decisões sobre políticas de promoção da saúde alcança quase metade do Congresso Nacional. A percepção é parte do estudo "Dossiê Big Food: Como a indústria interfere em políticas de alimentação", lançado pela ACT Promoção da Saúde e pelo pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Segundo os dados levantados pelo estudo, 57% dos deputados e 48% dos senadores eleitos em 2014 receberam dinheiro da indústria de ultraprocessados. Isso inclui fabricantes de bebidas e alimentos ricos em sódio, açúcar e gorduras, substâncias diretamente ligadas ao desenvolvimento de doenças crônicas. Mais de 70% das mortes no Brasil são causadas por esses males.
Leia também: O que o aumento nas vendas de macarrão instantâneo diz sobre a alimentação dos brasileiros?
Somente a JBS, gigante que atua no processamento de carnes, destinou financiamento para campanhas de 36% do parlamentares eleitos e eleitas em 2014.
O estudo traz casos ilustrativos sobre o processo de influência dessas indústrias na discussão política. Elas conseguem privilégios, incentivos fiscais e atuam também para reverter ações em desenvolvimento e que beneficiam a população.
Na discussão sobre rotulagem dos produtos, por exemplo - que tinha objetivo de incluir selos nas embalagens para advertir os consumidores sobre componentes que fazem mal para a saúde -, o setor atuou fazendo pressão. As estratégias minimizam a gravidade dos impactos do consumo desses alimentos para o corpo humano e tratam problemas de saúde pública como mera questão de mudança de hábitos dos consumidores.
:: Por que a comida saudável não faz parte da rotina da maioria das brasileiras e dos brasileiros? ::
O dossiê observa que a prática não é exclusividade do Brasil. "Isso fica claro ao analisarmos os casos da rotulagem nutricional, da publicidade infantil e da tributação de bebidas adoçadas, nos quais observa-se o uso de argumentos e táticas semelhantes em diversos países que ousam levantar discussões sobre esses temas, considerados estratégicos para a saúde pública, mas extremamente delicados para as corporações, já que podem impactar negativamente seus ganhos financeiros", evidencia o documento.
Outro exemplo identificado nacionalmente foi a interferência da indústria para desqualificar e boicotar o "Guia Alimentar para a População Brasileira", publicação do Ministério da Saúde com orientações baseadas em evidência científica sobre hábitos de alimentação saudável. A tática envolveu não só o lobby entre parlamentares, mas também conta com apoio de pesquisadores financiados pelo setor.
A pesquisa revela ainda que existe uma pressão dessas indústrias para influenciar estudos e pesquisas acadêmicas e convencer os meios de comunicação e a população em geral. Em alguns casos, a tática tenta, inclusive, distorcer e desconstruir políticas públicas que já estão em prática e que de alguma maneira podem diminuir os lucros dessas empresas.
:: Indústria de leite em pó mira mães de primeira viagem na internet ::
Ainda de acordo com o documento, o sucesso das técnicas implementadas pelos gigantes da indústria de alimentos explicitam "um cenário político favorável para o setor privado comercial, que tem conseguido atravancar a agenda regulatória relacionada ao incentivo, apoio e à proteção da alimentação adequada e saudável".
Edição: Nicolau Soares