Coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Paulo Rodrigues está dividindo sua atenção entre as atividades do movimento e a coordenação da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à presidência da República. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele falou sobre o processo eleitoral e demonstrou confiança no resultado.
"Eu desconfio que nós podemos ganhar no primeiro turno, a minha questão é que não podemos ganhar com 2% de diferença, tem que ser com uma lavadinha. Se for ganhar o primeiro turno apertado, é melhor ganhar o segundo turno", afirmou Rodrigues.
De acordo com o coordenador do MST, um eventual governo Lula deve ser amplo, de alianças com diversos espectros da sociedade, mas para o movimento há um limite. "O governo não pode fazer pacto com o latifúndio improdutivo, porque ele é uma tragédia, e com o agronegócio."
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Para garantir que um possível governo de Lula tenha respaldo popular, João Paulo Rodrigues falou do trabalho que organizações de esquerda estão fazendo para garantir a expansão dos comitês populares.
"Eu acho que, se conseguirmos que os comitês sejam um espaço organizativo de base, que ajuda a elevar o nível de consciência política de quem participa, contribuindo para a consciência política do povo, para que ele possa reivindicar os seus direitos, será um grande feito. Agora, você imagina, temos comitês espalhados por todo o país, se afinamos a viola da comunicação com os comitês, ele poderá ter um grande papel político no próximo governo", explica Rodrigues.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato: Como está o processo dos Comitês Populares, João?
João Paulo Rodrigues: Os Comitês Populares surgem de uma crise organizativa nas bases dos movimentos populares, sindical e partidário. Crise essa que é fruto de quatro probleminhas que a esquerda enfrenta. O primeiro, uma dificuldade de organização na base do movimento sindical, por dificuldade para garantir aumento salarial e de ter conquistas mesmo, aí veio a Reforma Trabalhista e assim por diante. Em segundo, uma crise no movimento popular, que também não conseguiu conquistas no último período. Uma terceira observação, que foi o distanciamento das instâncias de direção da sua base, durante a pandemia, que durou dois anos. Por fim, uma necessidade concreta de organizarmos nosso povo para resistir a esse final de governo bolsonarista e para nos prepararmos para o calendário eleitoral.
Hoje, nós temos praticamente uns 7 mil comitês organizados em todo o país. A grande expectativa é que esses comitês possam se consolidar como experiência organizativa da esquerda, que seja mais amplo que cada partido e corrente. Então vamos ter comitês híbridos, que mistura gente de várias correntes e comitês com apenas uma só base, um sindicato ou assentamento. É uma experiência fantástica e estamos apostando que esses comitês irão organizar o povo, ajudar a fazer as campanhas e, terceiro, garantir uma resistência para o Lula ter sua posse e, claro, nós termos um melhor processo de organização para resistir à direita e ao fascismo.
Brasil de Fato: Como você imagina que os comitês devem agir no período eleitoral e no pós? Quais as diferenças?
Tem inúmeras tarefas que os comitês deveriam ajudar a consolidar. Há quem diga que os comitês deveriam ser, no futuro, uma espécie de orçamento participativo, uma ótima experiência organizativa que tivemos no Rio Grande do Sul. Outros, dizem que podemos nos inspirar em experiências internacionais, como acontece na Venezuela. Eu acho que se conseguirmos que os comitês sejam um espaço organizativo de base, que ajuda a elevar o nível de consciência política de quem participa, contribuindo para a consciência política do povo, para que ele possa reivindicar os seus direitos, será um grande feito. Agora, você imagina, temos comitês espalhados por todo o país, se afinamos a viola da comunicação com os comitês, ele poderá ter um grande papel político no próximo governo.
Brasil de Fato: Como está seu espírito para as eleições? Está otimista com a eleição do Lula?
Tô otimista por um fato, a economia. Não é pelos arranjos, nem pela crise, nada disso. O Bolsonaro fez uma aposta na economia que deixou o povo mais pobre e desempregado. Isso desmonta qualquer estratégia. Não tem essa de "ah, o cara confia em Deus e vai na igreja". Não, as pessoas querem saber se tem trabalho ou emprego. Até o natal, teremos um montante de 50 milhões de pessoas que não tem o que comer ou que terá dificuldade para comer, é muita gente. A cada quatro brasileiros, um não tem o que comer. Esse componente constrange a classe média e indigna qualquer um.
Eu desconfio que nós podemos ganhar no primeiro turno, a minha questão é que não podemos ganhar com 2% de diferença, tem que ser com uma lavadinha. Se for ganhar o primeiro turno apertado, é melhor ganhar o segundo turno. De modo geral, o segundo tem problemas, a direita vai querer fazer um cambalacho, mas vamos fazer uma aliança nunca vista no país pra derrotar ele, vamos trazer os ciristas, o MDB, aí é uma separação do joio do trigo. Mas, por via das dúvidas, vamos ganhar no primeiro turno, melhor.
Brasil de Fato: A direita vem para essa eleição com um alto número de candidatos empresários, há também muitos policiais militantes, principalmente no PL, e gente ligada ao agronegócio. Como imagina que será o perfil dos eleitos pela direita?
Acho que a campanha passada, de 2018, priorizou a internet, o tal do digital influencer. Essa eleição agora está muito vinculada ao dinheiro e a setores que foram beneficiados pelo orçamento secreto e ligados à igreja. Então, nessa bancada da direita, é dinheiro. Mesmo os policiais já não tem a mesma musculatura. Os policiais não mostraram porque vieram, qual a grande conquista que a polícia teve com a eleição dos policiais? Agora, os empresários serão um problema, vão eleger muita gente.
Brasil de Fato: Acredita em influência externa nas eleições brasileiras?
Eu acho que temos que estar sempre atentos aos americanos, a movimentação que eles fazem pelo mundo é um fator de risco, sempre. Apesar que o governo democrata tem tido cuidado, olha o que aconteceu na Colômbia. Eles erraram a mão na Bolívia e na Venezuela, perderam feio por lá. Então, eles se tocaram que não adianta querer dar golpe neste momento na América Latina. Agora, a disputa dos americanos com a China e a Rússia pode afetar a nossa economia e, no meio da eleição, podemos ter um conflito internacional que desorganiza tudo. O segundo vento é o comportamento da América Latina. Temos uma novidade boa que é a organização de vários Estados progressistas e isso pode influenciar o Brasil.
Brasil de Fato: Qual deve ser o papel do MST em um eventual governo de Lula?
Antes mesmo dele ser candidato, nós ajudamos a construir os comitês Lula Livre pelo país e a vigília em Curitiba. A participação do MST lá, foi a simbologia do que é um movimento popular organizado. A minha participação [na coordenação da campanha] é fruto de um debate coletivo, eu estou lá representando um colegiado de movimentos populares. A principal tarefa do MST no próximo período é a organização da base sem terra, nós não podemos perder o foco. Isso passa por ajudar a organizar as famílias acampadas, depois organizar as famílias que já estão com terra, para que avancem na pauta da agroecologia e produção de alimentos saudáveis. Isso pra gente é importante, e passará por uma briga com o agro, porque passa por crédito e políticas públicas.
Por último, precisamos brigar por coisas que são importantes, como energia elétrica e wi-fi, ninguém vive sem internet hoje. Eu acho que o Lula terá um governo representativo, um governo que fará alguns pactos para garantir governabilidade, e o Lula terá que construir maioria na sociedade, para dar os próximos passos. Nós temos o Incra, hoje, vinculado ao Ministério da Agricultura. Vai manter isso? Ele vai manter um ministro da Agricultura mais afinado com a gente do que com o agronegócio? O MST tem uma trajetória de ter muito cuidado para colocar seus quadros para disputar cargos em governo, tem que ter cuidado com isso. O MST, na minha opinião, não deve ir para o governo.
Brasil de Fato: Como está a relação do MST com o agronegócio?
A agroindústria brasileira tem muita relação com a reforma agrária, nós podemos fazer uma aliança tática com esse setor, por um simples motivo: alimentar o povo brasileiro. O que nós não temos acordo e vamos para a briga é com o agronegócio. O agronegócio é quem pega grãos e exporta, eles não têm paciência devida para industrializar nada aqui. Nós não queremos prosa com o setor exportador, eles não precisam do Estado, tem as empresas deles para garantir isso. Segunda divergência que teremos, o latifúndio improdutivo, que são os mais raivosos. Entre outras coisas, eles têm terras griladas e agora estão armados, com armas do Bolsonaro.
Esses dois setores serão problemas no próximo período. Por isso, nossa aliança é com a agricultura familiar, o sem-terra e a agroindústria, que é quem tem menos de 500 hectares, produz para abastecer a população brasileira. Nossa dificuldade é que eles se identificam com o agronegócio, do ponto de vista ideológico. Eles não são agro. Filho de Deus, vocês são gente nossa, você não exporta nada. O governo não pode fazer pacto com o latifúndio improdutivo, porque ele é uma tragédia, e com o agronegócio.
A entrevista na íntegra está no vídeo abaixo:
Edição: Nicolau Soares