“Antes de a gente abordar mais sobre os sem-terra, é preciso fazer esse esclarecimento, porque, como o senhor colocou, parece que o setor do agronegócio faz oposição ao meio ambiente sustentável”. A frase, da jornalista da TV Globo Renata Vasconcellos, foi dirigida a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na sabatina feita por ela e William Bonner ao presidenciável, na noite desta quinta-feira (25).
Mas teve contexto o alerta feito pela apresentadora para que evitar que os expectadores concluissem que o agronegócio tem algo a ver com o crescimento de 20% do desmatamento em todos os biomas do país.
Vasconcellos, ao citar o quanto o agronegócio se beneficiou da política agrícola petista, perguntou a Lula ao que ele atribui a falta de apoio de parte deste setor à sua atual candidatura. “Eu vou dizer o porquê”, respondeu ele: “a nossa política em defesa da Amazônia, a nossa política em defesa do Pantanal, a nossa política em defesa da Mata Atlântica, ou seja, a nossa luta contra o desmatamento faz com que eles sejam contra nós”.
“Mas o agronegócio e o meio ambiente caminham juntos”, contestou a jornalista, o que, em menos de 24 horas, já lhe rendeu memes na internet.
Lula afirmou que, em sua visão, há “empresários sérios que trabalham no agronegócio, que têm comércio com o exterior” e que “querem preservar as nossas águas, as nossas faunas”. E os diferenciou do agronegócio “fascista e direitista”, fazendo menção ao ex-ministro da Agricultura de Bolsonaro (PL), Ricardo Salles, “que dizia que era para invadir com a boiada para desmatar a Amazônia”.
“Nós não precisamos plantar milho, soja ou cana nem criar gado na Amazônia”, defendeu o candidato petista que, questionado sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), sugeriu que Renata visite uma cooperativa. “Eu queria que você me dissesse qual foi a terra produtiva que o Sem Terra invadiu”, disse Lula no Jornal Nacional.
Fatos e dados
Com base em dados científicos, entrevistas com produtores, indígenas, trabalhadores rurais e pesquisadores, o Brasil de Fato aborda, sistematicamente, a relação entre o agronegócio e o meio ambiente no país. Confira:
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O Brasil troca cada vez mais áreas de plantio de alimentos pela produção de commodities para exportação. E enquanto o agronegócio infla em lucro e em área ocupada, sobem também os números da inflação, da fome, e da devastação ambiental no país. Segundo pesquisadores e ativistas ouvidos pelo Brasil de Fato, não é coincidência que tudo isso cresça junto.
Imagens de satélite mostram, ainda, que em três décadas a superfície de água no Brasil diminuiu 17%. Mais do que serem dois fenômenos simultâneos, o desmatamento e a diminuição das águas se retroalimentam. A seca atinge especialmente o Pantanal, cujas águas dependem da umidade gerada pela evapotranspiração das árvores da Amazônia.
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“Hoje em dia esse mundo está louco mesmo. A natureza vive, a natureza chora, a natureza grita – e ninguém ouve mais”, resume Leila Rocha, liderança Guarani Ñandeva. “Eu espero que um dia os brancos entendam que os indígenas são guardiões. A gente não luta só pela terra. A gente luta por todos nós”.
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De acordo com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o brasileiro consome, em média, 7,6 litros de agrotóxico por ano, levando em consideração a produção de alimentos como o café e outros produtos, como algodão, eucalipto e soja. Mas, você sabia que produzir café orgânico é possível?
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“A foto é uma verdadeira obra de arte, dá para ver a contradição né?”. Adonilton Rodrigues vive há uma década no Acampamento 8 de março, em Planaltina (DF). E se refere à imagem aérea que sintetiza um dos grandes embates políticos, ambientais e econômicos do país: entre o modelo da agricultura familiar e o do agronegócio. No primeiro plano, as casas arborizadas das 80 famílias camponesas e a roça de hortifruti granjeiro e hortaliças. Já a homogênea imensidão territorial atrás é a de uma fazenda. Toda a área é destinada a monocultivo de soja e milho transgênicos em larga escala.
Por fim, fica aqui para Renata Vasconcellos o exemplo de Caetano Veloso, que foi conhecer de perto um assentamento do MST:
Edição: Rodrigo Durão Coelho