Sancionada em 29 de agosto de 2012, a Lei nº 12.711, conhecida como Lei de Cotas, determinou a reserva de 50% das vagas das universidades e institutos federais de ensino superior a estudantes de escolas públicas. Dentro dessa reserva, está prevista a destinação de vagas para alunos de baixa renda, pretos e partos, indígenas e com deficiência.
O 7º artigo da lei prevê que haja uma revisão da legislação após dez anos, contando a partir de sua implementação. No Congresso Nacional, o clima de rejeição à Lei de Cotas já foi maior. Atualmente, parece haver pouca mobilização na direita para que que o processo de revisão aconteça ainda neste ano.
Pesquisa do Datafolha, divulgada em 12 de junho deste ano, mostra que 50% da população brasileira é a favor da Lei de Cotas. Entre os entrevistados, 34% se declararam contra, 12% não souberam opinar e 3% são indiferentes.
O pesquisador João Feres, que coordena o Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa (Gemaa), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), acredita que o sucesso da Lei de Cotas deixou tímida a oposição ao projeto, que elegeu outras bandeiras para defender publicamente.
"O Bolsonaro não está conseguindo mobilizar as pessoas nem para votar nele, quanto mais para fazer campanha impopular contra a Lei de Cotas. As pessoas querem comer, elas ficam menos disponíveis para serem mobilizadas por esse tipo de pauta deles", afirma Feres. "O Congresso está com a agenda cheia no segundo semestre, com os deputados preocupados com a eleição, acho difícil que essa revisão seja feita agora", finaliza.
A revisão da Lei de Cotas não é obrigatória. O texto da legislação prevê que haja a prorrogação da análise do projeto por meses ou anos. No Congresso Nacional, ainda não há consenso sobre o prazo, mas o calendário eleitoral emperra a agenda.
O deputado federal Bira do Pindaré (PSB-MA), que é relator do projeto de lei transfere a revisão da Lei de Cotas deste ano para 2027, já crava uma data para a resolução do imbróglio.
"Nós teremos a avaliação após a eleição, quando decidiremos o melhor cenário para a revisão, se neste ano ou o próximo. Tudo isso está sendo conduzido com muita cautela. Nossa principal preocupação é que a lei seja preservada e que não haja retrocesso, por isso essa decisão será tomada após o processo eleitoral", afirma o deputado.
A escolha pelo pós-eleição é para que haja uma análise da próxima legislatura. Parlamentes de esquerda consideram que o atual quadro de deputados federais é conservador e que tentaria criar mecanismos para enfraquecer a Lei de Cotas.
Com o bom desempenho petista nos estados e, principalmente, o favoritismo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para vencer a corrida eleitoral à Presidência da República, os parlamentares acreditam que a próxima Câmara dos Deputados tenha um perfil mais progressista.
"Nós, da Coalizão Negra por Direitos, não queremos e nem permitiremos que a Lei de Cotas seja analisada por esse Congresso. Precisamos construir tempos melhores, para que as nossas políticas possam ser discutidas num cenário melhor, esse Congresso é de maioria racista, não vale a pena correr esse risco, de ver as cotas acabarem. A lei não pode ser avaliada agora", acredita a professora Zélia Amador, militante histórica do movimento negro e integrante da coordenação nacional da Coalizão Negra por Direitos.
Essa análise faz eco com as ponderações de Feres. "Podemos até pensar em fazer melhoramentos da lei, mas é preciso fazer levantamentos detalhados e ter números qualificados, não me parece que esse governo esteja preparado para isso. Então, uma revisão feita sem isso em mente, eu sou contrário, melhor não revisar nada. Sem falar no fato de que esse Congresso é o mais conservador da história do país, fazer uma revisão com esse Congresso é bem arriscado."
O que mudar?
Caso a revisão da Lei de Cotas seja feita entre 2022 e 2023, o movimento negro aponta alguns pontos prioritários para a melhoria da política de cotas. O principal deles é a expansão da reserva de vagas para os cursos de pós-graduação.
Se o número de alunos negros na graduação cresceu 400% entre 2010 e 2019, na pós-graduação esse crescimento foi de apenas 29%, segundo pesquisa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Entre os professores de ensino superior, o aumento foi de apenas 1% no mesmo período.
"Os cursos de pós-graduação ainda não refletem a presença negra na sociedade, nem mesmo o número de estudantes negros nas graduações. A lei deve avançar nesse aspecto", analisa Amador.
"É preciso levar para as pós-graduações, de maneira geral nas universidades, o sistema de cotas. Se ele será nos mesmos valores da graduação, ou se as universidades terão autonomia para pensar um percentual, precisamos pensar. Nós introduzimos 30% de vagas [na UFPE] para mestrado e doutorado e tivemos vagas ociosas", afirmou Alfredo Macedo Gomes, reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro da Diretoria Executiva da Associação Nacional das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), em audiência pública promovida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), no dia 26 de junho deste ano.
Para Feres, é preciso garantir uma maior participação dos povos originários no ensino superior. "Eu acho que precisamos desenhar uma lei apenas para os indígenas, um tipo de política para os indígenas, diferentes dessa lei de hoje, que coloca indígenas com pretos e pardos. Os indígenas têm especificidades que essa população não tem, então seria legal pensar em políticas, que nem sei se seriam nacionais, já que há muita diversidade entre os indígenas, alguns não são aldeados, entre outras especificidades", finaliza.
Gomes, reitor da UFPE, também se preocupa com esse segmento da sociedade. "Eles estão sub-representados nas universidades e precisamos avançar em direção de outras medidas, de outras ações afirmativas. Por exemplo, podemos propor vestibulares próprios para as populações indígenas."
Edição: Thalita Pires