Violência

Cristina Kirchner condena repressão contra vigília em sua defesa: "Nunca foram democráticos"

Vice-presidenta questiona diferenças de comportamento da polícia com manifestantes contrários ao peronismo

Brasil de Fato | Buenos Aires, Argentina |
Prefeito da cidade, de partido opositor, mobilizou aparato policial à vigília em apoio à Cristina Kirchner na sexta-feira. - Luis Robayo/AFP

Este fim de semana foi marcado, na Argentina, pelo desenrolar da repressão policial contra apoiadores da vice-presidenta Cristina Fernández de Kirchner (CFK). Desde o pedido de prisão de 12 anos contra CFK, na segunda-feira passada (22), centenas de apoiadores realizam uma vigília ao redor do prédio onde Cristina reside em Buenos Aires, em Recoleta, um bairro rico da cidade.

Na sexta-feira (26), o prefeito da cidade, Horacio Rodríguez Larreta, do Proposta Republicana (PRO), partido de oposição, decidiu enviar a polícia de Buenos Aires ao local para cercar as quadras ao redor do prédio com tapumes. O prefeito alegou denúncias de vizinhos, que estariam incomodados com a movimentação desde o início da semana. A zona de Recoleta representa um nicho importante de eleitorado do PRO. O tapume impediu a chegada de novos manifestantes no local.

A tensão começou quando, no sábado (27), um grupo de pessoas empurrou os tapumes para liberar a passagem. A polícia avançou com gás lacrimogêneo e caminhões hidrantes sobre os manifestantes. Viaturas foram atacadas, e os efetivos endureceram a investida. Um jornalista foi ferido durante o episódio.

O incidente resultou em detenções, incluindo legisladores peronistas. Mais tarde, com os tapumes já retirados, policiais atacaram e insultaram o filho de CFK, Máximo Kirchner, para impedi-lo de entrar no edifício.

O Ministro do Interior, Eduardo "Wado" de Pedro, compartilhou o vídeo do enfrentamento em sua rede social: "Muito grave. Ontem, quando já não havia tapumes, um grupo de policiais da cidade impediu o deputado Máximo Kirchner de entrar no domicílio de sua mãe, sendo espancado e insultado. Por trás do falso republicanismo, escondem um profundo autoritarismo e desprezo pela democracia", escreveu o ministro.

O governador peronista de Buenos Aires, Axel Kicillof (Frente de Todos), classificou o ato como uma "violência mafiosa". "Cumpriam ordens de Larreta que, por sua vez, cumpre ordens de [Mauricio] Macri", escreveu, também em sua rede social.

Negociações

Antes das 23h, Cristina Kirchner saiu para falar com os manifestantes, em um palco improvisado. "Temos que pedir à oposição, especialmente agora que se aproxima uma nova campanha presidencial, que deixem de competir entre si por quem odeia e ataca mais os peronistas", disse. "Vamos descansar, porque foi um dia longo."

A estratégia de buscar isolar e intimidar a vice-presidenta e seus apoiadores acabou tendo um efeito inesperado. Além da permanência da mobilização e do amplo apoio à vice, o avanço repressivo motivou uma negociação entre a coalizão governista e os opositores do Proposta Republicana. Após uma reunião entre autoridades de segurança, o prefeito terminou aceitando retirar os tapumes e consentiu com a permanência das mobilizações no edifício de CFK, mas com horários pactuados e sem acampamento e fogos artificiais.

O episódio de isolamento da casa de CFK e a repressão policial chegou a ser comparado ao histórico 17 de outubro de 1945, quando uma mobilização massiva forçou a liberação de Juan Domínguez Perón, detido na ilha de Martín García. Figura inaugural do movimento peronista no país, o então vice-presidente era perseguido pelos militares por promover direitos aos trabalhadores do país.

O incidente também motivou a aparição pública de CFK, que já tinha publicado uma carta a Horacio Larreta, intitulada "Os tapumes do Sr. Larreta". Na missiva, denunciou a atuação do aparato de segurança. A vice-presidenta relembrou episódios anteriores em que militantes e simpatizantes macristas se instalaram no mesmo local, em frente à sua casa, com equipamentos de som emitindo mensagens de ódio e, inclusive, ameaças de morte.

"Em todos esses anos, a polícia do Sr. Larreta nunca interviu. Mais do que isso: cuidavam e garantiam essas atitudes", escreveu Kirchner. Na conclusão da carta, fez referência à perseguição judicial que motivou a vigília.

"A lógica do Sr. Larreta é a mesma lógica do partido judiciário. Para os macristas: cuidado e proteção. Para os peronistas: tapumes, infantaria da polícia da cidade e até pedaços de pau, gás lacrimogêneo e gás de pimenta, como na noite da segunda-feira. Como disse naquela noite: nunca foram nem serão democráticos."

Entre o próprio PRO, há discórdias sobre a efetividade da estratégia de Larreta. Patricia Bullrich, presidente do partido e líder da "ala dura" do macrismo, afirmou em entrevista televisiva que o governo portenho é "fraco", por deixar que as ruas da cidade estejam "sempre tomadas" por manifestações. Outra leitura é que Larreta esteja investindo em uma imagem mais firme para confrontar o ex-presidente Mauricio Macri como candidato à eleição presidencial de 2023.

Edição: Thales Schmidt