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Derretimento do Bitcoin é só a ponta do iceberg das criptomoedas

Apessar de promessas, moedas digitais repetem modelo desigual do capitalismo nos EUA

Los Angeles (EUA) |
Ponto de venda de bitcoin em Nova York - Michael M. Santiago / Getty Images via AFP

Depois de ver seu valor derreter em mais de 70% desde novembro do ano passado, o bitcoin (a criptomoeda mais conhecida e usada do mundo) coloca em xeque o modelo das moedas digitais, e faz muita gente questionar se as criptomoedas não seriam um novo tipo de esquema de pirâmide hi-tech.

Fundador de um dos maiores softwares de tributação de criptomoedas da Índia, o empreendedor digital Gaurav Mehta conversou com o Brasil de Fato sobre o tema. "Há muitos elementos ali que lembram, mesmo um esquema de pirâmide, mas há tantos outros que afastam essa teoria", diz o empresário.

Segundo ele, um importante argumento que desbanca a narrativa de fraude é que o valor do bitcoin jamais será zero. "Vai ter sempre alguém disposto a pagar alguma coisa por isso, mesmo que seja um dólar ou alguns centavos", explica, "e num esquema de pirâmide clássico, tem sempre alguém tirando o dinheiro – no caso do bitcoin, o dinheiro ainda está ali. As pessoas fazem parte do modelo". 

Quanto à volatilidade e queda das criptomoedas, Mehta parece aceitar tudo com naturalidade. "O valor de um determinado produto é baseado em sua utilidade e, ou, no sentimento do mercado. O ouro, por exemplo, tem pouca utilidade, e 80% de seu preço é determinado pelo mercado. O bitcoin não tem utilidade alguma, e seu preço é uma resposta ao sentimento do mercado", completa.

Sem arriscar previsões sobre uma nova alta – ou queda – das moedas digitais, Mehta concorda, porém, que a manutenção e sobrevida do bitcoin, assim como no esquema de pirâmide, depende das demais camadas.

"Os preços das moedas digitais sobem quando a próxima geração chega a bordo. Ou seja, a primeira camada vende para a segunda e colhe os frutos disso; a segunda camada vende para a terceira e colhe os frutos disso, e assim por diante", diz, "mas para quem venderemos agora?".

O especialista em criptomoedas explica que é natural que a próxima geração de compradores venham dos Brics (Brasil, Russia, India, China), e que depois disso o dinheiro deve seguir para a África – mas ninguém sabe a que preço.

:: Para manter hegemonia financeira, Estados Unidos estudam criar moeda digital ::

O que é amplamente sabido, porém, é que os estadunidenses são os que se deram melhor com a disparada e toda a especulação do bitcoin. "A maioria dos participantes da equipe principal de desenvolvimento do Bitcoin pertence aos EUA: Nick Szabo, Hal Finney, Jeb McCaleb, Gavin Andresen… Então é coincidência? Claro que não". 

Para Mehta, o bitcoin sempre foi um dólar digital e, tal qual, obedece aos interesses dos Estados Unidos. "É tudo muito óbvio: Satoshi Nakamoto, o misterioso criador do Bitcoin, usou um sinal que é muito parecido ao do dólar, e isso não é coincidência". 

Prova disso é que assim como acontece no mercado offline, as criptomoedas estão repetindo o modelo capitalista dos Estados Unidos, a começar pela grande desigualdade. Hoje, para uma pessoa comprar bitcoin, ela precisa criar uma carteira digital, que muito provavelmente é gerenciada e oferecida por uma empresa dos EUA. Depois, é preciso adquirir o bitcoin, negociado em dólar. Ou seja, é muito mais fácil para um cidadão estadunidense ou europeu comprar uma criptomoeda do que um brasileiro, que ganha em real e vê seu poder aquisitivo diminuído por isso. 

"É uma economia privilegiada e branca. 95% das pessoas que já estão no mercado das criptomoedas são homens entre 24 e 38 anos, com experiência em tecnologia ou finanças", afirma Mehta.

Por esses e outros fatos, o empreendedor digital acha que é uma "grande piada de mal gosto" a ideia de que bitcoins ou outras criptomoedas sejam a solução para a inclusão digital e igualdade social. Seu principal argumento remonta um comercial. "Era uma propaganda das criptomoedas, e mostrava um sapateiro iraniano, que não tinha banco, recebendo seu pagamento em uma moeda digital. Ninguém falou ali sobre a liquidez desse dinheiro: o sapateiro iraniano precisa comer agora, não pode ficar esperando. Sua preocupação não é ficar milionário, mas prover para a sua família", diz, "pessoas assim venderiam um bitcoin a qualquer preço, porque não têm o luxo de esperar por uma boa liquidez".

Quanto às regulamentações já feitas e outras à caminho, por parte da Casa Branca e de outros governos, Mehta diz que o sentimento geral é bastante contraditório. "Por um lado, a regulamentação é bem-vinda por agregar um status oficial e dar às criptomoedas fôlego, por outro, essas novas leis minam exatamente os pilares das moedas digitais, como a não cobrança de impostos, por exemplo". 

Parte ativa do setor de cripto, Mehta se esquiva de dar conselhos sobre o que fazer nesta seara, mas é bastante realista quanto ao futuro: ele vai ser muito parecido com o passado. "Assim como já disseram que dinheiro em colchão não é seguro, e que é melhor colocar esses valores num banco, vamos dizer que bancos não são seguros, e é melhor colocar tudo em cripto – e ninguém sabe quantas empresas e indústrias podem ser afetadas por isso". O indiano finaliza com uma pergunta: "sim, viva a revolução, mas a que preço?".

Edição: Thales Schmidt