O corpo do último Tanaru, encontrado morto por uma equipe da Fundação Nacional do Índio (Funai), foi enviado no domingo (28) de Porto Velho para Brasília para uma perícia mais minuciosa do de legistas do Instituto Nacional de Criminalística (INC) da Polícia Federal.
Segundo o Ministério Público Federal, assim que todos os exames forem concluídos, o corpo do “índio do buraco”, como era conhecido o único sobrevivente da Terra Indígena (TI) Tanaru, localizada em Corumbiara, no Cone sul de Rondônia, a cerca de 700 quilômetros de Porto Velho.
Ele voltará para Rondônia e deverá ser sepultado na área em que viveu sozinho e no isolamento desde 1995. A data do retorno ainda não foi confirmada pela Funai.
O grupo de peritos do INC tentará detectar a causa da morte do indígena, assim como fará exames toxicológicos e de antropologia forense, que podem trazer respostas sobre a etnia do “índio do buraco”. A equipe é a mesma que trabalhou nos laudos das vítimas dos desastres ambientais de Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais, e do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, assassinados em junho na TI Vale do Javari, no Amazonas.
A reportagem da Amazônia Real apurou com um indigenista de Rondônia, que pediu para permanecer anônimo, que o “índio do buraco” era monitorado periodicamente, a cada três meses, pela Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé (FPE-Guaporé), ligada à Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai.
Tal vigilância pretendia verificar as movimentações do indígena Tanaru e possíveis invasões no território. Durante essas incursões de vigilância uma câmera era instalada para detectar a presença e ações do indígena e registrar imagens dele. A câmera era recolhida ao final de cada atividade.
O espaçamento de tempo entre uma visita e outra tinha como objetivo evitar o trânsito de outras pessoas dentro do território para não contaminá-lo com doenças de não-indígenas. Segundo esse indigenista, o “índio do buraco” parecia estar bem no último monitoramento realizado, em maio. Porém, na mais recente ação de acompanhamento, na semana passada, ele foi encontrado morto. É por esse motivo que se estima que a morte tenha acontecido há mais de um mês. A perícia que deve precisar a data com exatidão.
O indígena Tanaru vivia em 8.070 hectares do território, localizado no perímetro aproximado de 50 quilômetros entre os municípios de Chupinguaia, Corumbiara, Parecis e Pimenteiras do Oeste. Na região há muitas fazendas de produção agropecuária. Por não ser demarcado, o território está sob ameaça de invasões e ataques.
O “índio do buraco” foi visto pela primeira vez em 1996 pela equipe do sertanista Altair José Algayer, o mesmo que encontrou o indígena isolado morto na rede na semana passada. “Ele foi encontrado na rede e coberto de penas de arara. Ele estava esperando a morte, não tinha sinais de violência”, disse o indigenista Marcelo dos Santos, que trabalhou no monitoramento do território com Algayer, como publicou a Amazônia Real. Ele era chamado do “índio do buraco” porque escavava dentro da maloca, feita de palha.
Em 1998, a TI Tanaru foi classificada como de restrição de uso pela portaria (1.040/2015). O ingresso, a locomoção e a permanência de pessoas estranhas no território é restrito aos quadros da Funai. A portaria é válida até 2025, portanto, daqui a três anos, esse regulamento, que torna ilegal a exploração e entrada de invasores nesses territórios, expira.
À reportagem, o indigenista informou que “a ideia da Funai é transformar o local em centro de formação para atividades voltadas à proteção de índios isolados”. Segundo ele, o MPF de Vilhena, Cone Sul de Rondônia, vai solicitar um levantamento arqueológico da área para definir as estratégias que deverão ser adotadas em relação ao futuro da terra Tanaru.
Segundo a Funai, ao longo de 26 anos, 53 habitações do indígena Tanaru foram encontradas e todas seguiam o mesmo padrão arquitetônico: uma única porta de entrada/saída e sempre com um buraco no interior da casa.
Em entrevista ao programa Globo Amazônia, o sertanista Altair José Algayer disse que acreditava “que o buraco tenha valor místico para o indígena”, e ele se alimentava de “animais como porco-do-mato, jabuti e pássaros, caçados com flecha ou capturados em armadilhas, e também de mel”.
Sensação de perda
André Karipuna, cacique do povo Karipuna em Porto Velho, capital de Rondônia, disse que mesmo não pertencendo à mesma etnia do “índio do buraco”, a sensação é de perda. “É muito triste. É meu povo também. É um parente nosso que se foi e deveria ter tido mais proteção. Mas infelizmente, todos nós sofremos muitas pressões”, declarou.
Outra liderança, Adriano Karipuna, ativista indígena ambiental, atribui ao presidente Jair Bolsonaro o encolhimento e extinção dos povos indígenas. “O atual presidente cumpriu com todas as ameaças de campanha e sucateou os órgãos ambientais administrativamente e financeiramente. Propositalmente. Nossos territórios ficaram desprotegidos”, afirmou.
O ativista ambiental considera que se o povo Tanaru tivesse tido a proteção do Estado não teria desaparecido. Adriano informa que, assim como o índio do buraco, seu povo também já esteve na iminência de ser extinto. Meio século atrás havia só cinco Karipunas em Porto Velho.
“Meu povo é um povo de resistência, quase fomos extintos na década de 1970 por causa de sarampo, coqueluche, catapora. Meus parentes também foram mortos, assassinados em 1912 em nome da economia, do desenvolvimento (Construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré – EFMM). O Estado brasileiro deve muito para a população indígena”, cobrou Adriano Karipuna.
Segundo ele, a nação Karipuna conseguiu se manter viva em Rondônia, graças a medidas como o distanciamento social da civilização. Destino diferente do povo Tanaru. Com a morte do último habitante da TI Tanaru, lideranças dos povos indígenas de Rondônia manifestam preocupação com o destino da área que o “índio do buraco” habitava.
Almir Narayamoga Suruí, liderança da TI Sete de Setembro, em Cacoal, Rondônia, é reconhecido internacionalmente por lutar contra as ameaças envolvendo posseiros, madeireiros, mineradores e outros interessados nas terras dos Suruís. Ele afirma que teme a invasão da TI Tanaru e pensa que a área deve ser transformada em um memorial de resistência dos povos indígenas. “Seria muito importante para os indígenas e para o Brasil também, reconhecer toda a resistência dos povos indígenas à frente dos desafios e problemas que são enfrentados. Vamos lutar para isso.”
Suruí também reforça que é preciso defender os povos indígenas isolados que ainda vivem no Estado. “Temos que proteger e preservar as regiões onde eles estão habitando, definindo esses territórios para eles. É isso que temos que fazer, para isso (extinção de um povo indígena) não acontecer mais uma vez no Brasil.
Adriano Karipuna idealiza um futuro diferente para a Terra Tanaru. “Muitos povos indígenas estão em busca da retomada de seus territórios. Cabe a eles decidir se querem ir para essa terra”, disse.
Em 2009, o cineasta Vicent Carelli contou a história do indígena Tanaru no documentário “Corumbiara”. Assista abaixo: