Uma pesquisa publicada pela Georgetown University revelou que 36% das oportunidades de trabalho nos Estados Unidos não requerem diploma universitário. Ainda assim, mais e mais gente se afunda em dívidas para concluir o ensino superior no país com as universidades mais caras do mundo.
Os débitos estudantis dos cidadãos estadunidenses é tanto que rivaliza com o PIB do Brasil. Enquanto o produto interno brasileiro foi de R$ 8,7 trilhões em 2021, portanto cerca de US$ 1,7 trilhão, a soma total dos dividendos relativos à educação dos estadunidenses é de US$ 1,6 trilhão. E esse cenário está só piorando: nos últimos 40 anos, as dívidas estudantis triplicaram e avançam muito acima da inflação.
"A grande expansão do sistema americano, a partir de 1950, incorporou muita gente, mas foi um sistema que cresceu na matrícula ao mesmo tempo que encolheu o subsídio público", explica ao Brasil de Fato o professor de políticas públicas e educação comparativa da Universidade do Arizona, Gustavo Fischman. "Aqui não tem sistema federal de universidade, não tem uma grande reguladora do sistema. Assim como no Brasil, a expansão do sistema privado e das oportunidades de comercializar a educação fizeram essa espécie de combinação maligna, onde as matrículas encarecem acima da inflação, a eficiência despenca e o financiamento engorda. É a receita perfeita para um desastre", conclui.
Esse buraco negro da educação superior dos Estados Unidos não é por acaso. "Faz parte de uma crítica cultural à pobreza, que diz que as pessoas são pobres porque não têm visão. A ideia, nos EUA, é que se as pessoas estudarem e trabalharem duro, elas também podem se juntar à classe média, mas não é bem assim", afirma Sam Abrams, em conversa com o Brasil de Fato.
Um dos maiores pesquisadores sobre educação no mundo, Abrams é professor da Universidade de Columbia, mas está temporariamente atuando como professor visitante na Turku University, na Finlândia. "[A Turku] é uma boa universidade. Eles não têm as instalações dramáticas que temos em Columbia, mas é uma boa universidade, ela concentra professores muito capazes que publicam nos melhores periódicos e têm alunos muito talentosos. E é grátis. Os alunos contam com um bom refeitório, mas não parece algo de um filme de Harry Potter – até porque você não precisa de algo hollywoodiano, só precisa de comida quente, boa e nutritiva", e continua, "então temos que dar um passo atrás e ver como isso aconteceu, e acho que realmente tem a ver com a necessidade de identificação".
Abrams explica que, no passado, as pessoas viviam em regiões muito próximas das áreas onde nasceram, e tinham times de futebol e outras formas de se relacionar com a comunidade. Agora, segundo o pesquisador, a distância geográfica com o lugar de origem faz com que as famílias estadunidenses usem as universidades como uma espécie de aliança. "As universidades, nos EUA, se tornam uma âncora e ganham centros comunitários com instalações esportivas, refeitórios e centros estudantis".
Enquanto isso explica a fetichização das chamadas Ivy Leagues, as universidades de elite, por parte da classe mais rica do país, esse ponto não responde porque as classes mais baixas aceitam contrair dívidas para ter o ensino superior completo.
Natalie Wexler, autora do livro "The Knowledge Gap" (algo como "A lacuna do conhecimento", em tradução literal), compartilha sua teoria com o Brasil de Fato. "Se fizéssemos um trabalho melhor na educação dos alunos do jardim de infância até a 12ª série, a faculdade não seria vista como tão importante, porque o que estamos fazendo é formar muitas crianças no ensino médio que não sabem realmente ler, escrever ou fazer matemática básica – e não é culpa delas. É porque não estamos ensinando de maneira fundamentada no que a ciência descobriu sobre como as pessoas aprendem. Então eu acho que os empregadores estão pedindo diplomas universitários ou educação pós-secundária porque eles não estão convencidos de que um diploma do ensino médio realmente signifique alguma coisa", diz.
Ainda de acordo com a pesquisadora, muitos dos alunos que chegam às universidades, sobretudo nas chamadas faculdades comunitárias, que são mais acessíveis e não requerem muito esforço para ingresso, acabam tendo que fazer aulas de reforço. "Cerca de dois terços dos alunos ali precisam de aulas de reforço. São aulas pagas, mas que não contam para o diploma universitário. No final das contas, essa estratégia faz com que muitos desses alunos se afundam em dívidas, mas não concluam a faculdade. É uma espécie de band-aid para um sistema completamente disfuncional", afirma.
Por essas e outras, a medida anunciada pela Casa Branca de alívio ao débito estudantil foi tão comemorada. Graças à proposta colocada em pauta pelo presidente Joe Biden, aqueles que ganham menos de US$ 125 mil por ano e que têm dívida ativa via programa federal terão seus débitos abatidos em US$ 10 mil.
"Essa medida não ataca a raiz do problema, mas, na atual conjuntura do país, é para comemorar", afirma Gustavo Fischman. O professor, porém, alerta para os perigos da lógica capitalista na seara educacional. "Cada vez somos menos financiados pelo Estado, mas cada vez mais molestados pelo governo que quer regular o que ensinamos. É uma tensão constante".
De fato, governos do Tennessee e Flórida ganharam as manchetes nos últimos meses por banirem livros e certas discussões, como sobre teoria racial critica, de sala de aula. No ensino superior, isso parece que também pode acontecer, afirma Fischman: "Hoje estamos vivendo a lógica do quem paga, manda e essa [é uma] discussão importante de se ter. Mas sem tabu, porque o financiamento estatal também pode ser direcionado a ideias pouco democráticas".
Edição: Thales Schmidt