Na sexta-feira (2), os ministros das Finanças do G7 decidiram adotar um teto para o preço do petróleo russo como forma de restringir os lucros energéticos de Moscou em meio ao conflito na Ucrânia. No mesmo dia, a petroleira russa Gazprom anunciou a interrupção do gasoduto Nord Stream, principal canal de fornecimento de gás para a Alemanha.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que os problemas com a manutenção das unidades de gasodutos são decorrentes das sanções ocidentais. Portanto, segundo ele, os problemas com o fornecimento de gás via Nord Stream persistirão enquanto o bloqueio continuar. Peskov acrescentou que a Rússia começará a procurar ativamente novos compradores se toda a Europa decidir abrir mão do gás russo.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o cientista político Késsio Lemos, doutorando em Relações Internacionais e pesquisador visitante na Universidade de Kent, na Inglaterra, afirmou que a questão energética entre a Rússia e o Ocidente no contexto da crise ucraniana deixou de ser uma disputa de pano de fundo, mas passou a ser uma “guerra econômica declarada”.
De acordo com ele, o principal objetivo do G7 é buscar sufocar economicamente a Rússia e tentar criar algum tipo de obstáculo ao seu financiamento da guerra na Ucrânia. Assim, como os pacotes de sanções que vêm sendo adotados não surtiram o efeito desejado na economia russa, o G7 aplica “outra camada de sanções que visa proibir outros países de comercializar com a Rússia um petróleo acima de um teto de preço”.
O analista destaca que a UE e o Reino Unido são responsáveis por cerca de 90% dos seguros estabelecidos hoje sobre transporte de petróleo por via marítima. Assim, a expectativa é que a partir desse teto de preços os países não tenham a liberação do seguro necessário para o transporte por via marítima caso esse valor não seja respeitado. Késsio Lemos acrescenta que tal medida exige um comprometimento internacional para o funcionamento adequado desta política.
Foi justamente o que destacou o ministro das Finanças alemão, Christian Lindner, após a reunião em que foi tomada a decisão, afirmando que o G7 busca formar uma “ampla coalizão” de apoio ao teto do preço do petróleo para "maximizar" a eficácia da medida.
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Por outro lado, a criação desse novo teto de gastos pode influenciar na negociação da Rússia com os seus próprios parceiros. Lemos observa que a Rússia não tem fechado contratos de longo prazo com países como China e Índia, por exemplo, porque Moscou espera justamente um aumento do preço do petróleo. Assim, os países que se sentarem à mesa de negociação com a Rússia podem exigir maiores descontos, considerando que Moscou terá poucas opções no mercado para diversificar o seu fornecimento.
O que se desenha então é um cenário de queda de braço entre países que se juntem à medida do G7 de restringir os preços do petróleo russo e aqueles que negociam com a Rússia, em um contexto em que Moscou busca diversificar as suas parcerias comerciais para driblar as sanções econômicas.
Em meados de agosto foi relatado que os países do G7 estão tentando convencer as autoridades dos países asiáticos a aderirem a sua iniciativa sobre o teto de preços do petróleo da Rússia. De acordo com autoridades do EUA, citadas pelo The Jakarta Post, os membros do G7 buscam apoio de países fora do grupo, como Austrália, Indonésia e Malásia.
A Rússia, por sua vez, também já tem sua estratégia delineada, conforme explica o analista-chefe do Fundo Nacional de Segurança Energética da Rússia, Igor Ushkov. Em entrevista ao Brasil de Fato, Igor Ushkov aponta que a posição da Rússia é de interromper o fornecimento de petróleo e seus derivados aos países que aderirem à política do teto de preços do produto, considerando que, para Moscou, seria uma afirmação de adesão às sanções anti-russas. Já para os países que optarem por negociar com a Rússia, Moscou oferecerá descontos na venda do petróleo, como já oferece à China e Índia, por exemplo.
O analista acrescenta que, caso a Rússia não consiga outros compradores, pode ameaçar interromper a exportação de petróleo, o que causaria um grande impacto sobre a oferta no mercado mundial, disparando os preços do petróleo. Desta forma, a estratégia da Rússia está em conquistar novos parceiros oferecendo acordos a preços favoráveis, oferecendo uma opção para evitar preços muito mais caros.
“Nesse cenário, dificilmente países como China e Índia vão deixar de negociar com a Rússia. Eles já negociam com descontos, e não vão querer adotar grandes riscos”, diz o analista-chefe do Fundo Nacional de Segurança Energética da Rússia.
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Durante o 7º Fórum Econômico Oriental, realizado em Vladivostok, nesta quarta-feira (7), o presidente russo, Vladimir Putin, sustentou que Moscou cumprirá contratos sobre a venda de petróleo, mas “não fornecerá nada” se isso se opuser aos interesses russos. “Não importa o quanto alguns queiram isolar a Rússia, é impossível fazê-lo”, acrescentou.
De acordo com o pesquisador Késsio Lemos, “o que pode dar errado nessa expectativa do G7 é que, dado o grau de resiliência da sua economia, a Rússia pode cortar o seu petróleo do mercado” e isso pode “reverberar na Europa, que já está pressionada pelos preços da energia”.
O analista acrescenta que o embate entre o G7 e a Rússia no que diz respeito aos preços do petróleo, pode afetar o grau de comprometimento da Europa em relação ao apoio à Ucrânia no contexto do conflito iniciado pela Rússia em 24 de fevereiro.
“Hoje os preços estão altos, as contas estão mais caras, e esse anúncio da Gazprom faz com que o mercado possa responder jogando ainda mais os preços para cima. O que acontece é que isso pode alimentar a insatisfação popular e fazer com que os líderes repensem o apoio à Ucrânia”, completa.
*colaborou Serguei Monin
Edição: Arturo Hartmann