Uma história de uma família negra e trabalhadora de Minas Gerais foi escolhida para representar o Brasil na corrida pelo Oscar 2023. Trata-se do filme Marte Um, do diretor Gabriel Martins, escolhido pela Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais para concorrer a uma indicação ao prêmio de Melhor Filme Internacional.
Para o diretor, a escolha é "uma vírgula na história do cinema brasileiro". "Essa seleção nunca tinha ido para um filme de Minas, nunca tinha ido para um filme periférico, nunca tinha ido para um diretor negro", afirmou Martins, em entrevista ao programa Bem Viver, da Rádio Brasil de Fato.
O filme foi lançado internacionalmente no Festival de Sundance, em janeiro. No Brasil, chegou primeiro ao Festival de Gramado, onde recebeu prêmios de Melhor Filme pelo Júri Popular, Melhor Roteiro, Melhor Trilha Musical e Prêmio Especial do Júri. O filme também participou de 35 festivais internacionais, ganhando prêmios de melhor longa no OutFest, no Black Star e no San Francisco Film Festival.
"Esse é um filme que está sendo literalmente carregado por quem está indo ver. A gente faz o trabalho de lançar o filme no mundo, mas de repente, quando chega, tem sido uma recepção tão afetuosa desde o início, mas particularmente aqui no Brasil, que tem é uma coisa muito impressionante, eu particularmente nunca vivi", conta o diretor.
Marte Um conta a história de uma família negra de quatro pessoas da periferia de Contagem (MG) que tenta seguir seus sonhos em um país que acaba de eleger um presidente de extrema-direita, em alusão direta a Jair Bolsonaro (PL). O fio condutor é o sonho do filho caçula Deivinho (interpretado por Cícero Lucas), que quer ser astrofísico e participar de uma missão para Marte. Mas as batalhas dos pais Tércia e Wellington (Rejane Farias e Carlos Francisco) e da irmã Eunice (Camila Damião) também ganham destaque.
Martins acredita que o filme traz contribuições para a luta antirracista sem deixar de ser também uma história universal. "Eu não acho que esse filme toca só pessoas negras. Talvez pessoas negras vão se ver ali muito identificadas por questões muito específicas, mas é um filme que qualquer pessoa pode se identificar, porque é sobre dramas humanos", afirma.
Vividos por uma família negra, esses dramas trazem novas camadas, com uma representação diferente dos corpos negros nas telas.
"Essa humanização do corpo negro é uma reivindicação que há tempos a gente vem discutindo sobre o cinema negro, sobre a representação de pessoas negras em tela. E o Marte Um tenta complexificar isso de fato. Tenta humanizar esses personagens inclusive colocando eles como personagens que podem falhar também, que podem errar, se reerguer, atingir alguma espécie de redenção. Enfim, isso é trazer de forma complexa o indivíduo na sociedade. Então acho que isso para mim é uma parte política que vejo importante nesse campo racial, de complexificar essa existência negra na tela."
"Quando eu escrevo esse filme, eu estou pensando muito em um gesto de cuidado que eu sinto que é necessário", conta Martins. Isso passa pelo que ele descreve como uma "onda avassaladora de ódio", que culmina no governo Bolsonaro, mas passa por diversos tipos de violência presentes a sociedade brasileira, do assassinato de lideranças indígenas ao rompimento da barragem da Vale em Brumadinho.
"Várias coisas que são movimentadas pela ganância e o ódio, que quando a gente coloca o afeto, fica às vezes parecendo uma palavra que pode remeter a uma ingenuidade ou alienação. Só que eu acho que não, assim. Eu acho que é uma ideia de poder cuidar, cuidar do outro, de bem estar do outro, de uma pessoa além de você mesmo. Porque eu acho que esse ódio que o filme está combatendo com afeto é o ódio do individualismo, do cinismo", sustenta.
"Porque eu acho que o cinismo não movimento de fato politicamente a sociedade. O cinismo não faz matar a fome do pobre. O afeto, o cuidado que movimenta isso. Então eu acho que o Marte 1 está tentando olhar para essa coisa mais longe. Esse lugar aqui, a gente precisa se entender, a gente precisa se comunicar, porque se não, não vai ter como a gente sair de qualquer buraco."
O longa estreou nos cinema brasileiros no dia 25 de agosto, com exibição em salas de Belo Horizonte, Contagem, Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Palmas, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Rio Branco, Goiânia, Salvador, Vitória, Aracaju, João Pessoa, Manaus, Niterói, Afogados da Ingazeira, Balneário Camboriú e Ribeirão Preto.
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Edição: Nicolau Soares e Rodrigo Durão Coelho