Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, o historiador Jones Manoel, candidato do PCB ao governo de Pernambuco, apontou que seus adversários Marília Arraes (SD) e Danilo Cabral (PSB), a despeito de disputarem o legado de Miguel Arraes, não têm apresentado propostas de avanço na distribuição de terras no estado, um dos marcos do falecido ex-governador.
Jones criticou a propaganda do PSB sobre a educação pública, disse que o debate sobre erradicação da fome não pode se limitar a um programa de renda básica, apesar de este ser necessário, e se queixou por ainda não ter acesso aos recursos do fundo eleitoral (FEFC). "Estou fazendo uma campanha para governador com R$30 mil de doações. É muito desigual", reclamou.
Assista a entrevista na íntegra:
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Este ano os recursos do FEFC somam R$ 4.961.519.777, quase totalmente divididos proporcionalmente ao número de parlamentares na Câmara Federal e no Senado. Isso significa que o Partido Comunista Brasileiro (PCB) de Jones, sem representações no Congresso Nacional, não tem acesso a quase nada desse recurso - e nem tem acesso ao Fundo Partidário.
Apenas 2% dessa verba do FEFC (ou seja: R$ 99.230.395,50) será dividida igualmente entre todos os 32 partidos políticos, sendo repassados R$ 3.100.950 para o PCB dividir entre os seus candidatos. Por lei, essa verba deve ser usada exclusivamente nas campanhas eleitorais (diferente do fundo partidário, usado para o funcionamento dos partidos).
Jones é o terceiro da série de entrevistas que o BdF Pernambuco está realizando com os candidatos ao Governo do Estado.
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O primeiro entrevistado foi Danilo Cabral (PSB) e o segundo João Arnaldo (PSOL). A ordem das entrevistas foi definida de acordo com a disponibilidade dos candidatos. Foram convidados os oito candidatos que alcançaram ao menos 1% nas intenções de voto da pesquisa do instituto Ipec do último dia 15 de agosto. São eles: Marília Arraes (SD), Raquel Lyra (PSDB), Anderson Ferreira (PL), Miguel Coelho (UB), Danilo Cabral (PSB), João Arnaldo (PSOL), Jones Manoel (PCB) e Cláudia Ribeiro (PSTU).
Jones Manoel é graduado em História e mestre em Serviço Social, ambos pela UFPE. É natural do Recife, nascido na favela da Borborema, zona sul da capital pernambucana - e tendo morado também em Petrolina, sertão do estado. Jones possui um canal no Youtube com mais de 200 mil seguidores, tendo publicado como organizador 4 livros relacionando o pensamento marxista e a luta contra o racismo e o colonialismo.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
1% nas pesquisas
O recurso do Fundo Eleitoral não chegou ainda. Não temos recurso de fundo partidário. Todo o recurso que temos veio de doações através do 'Quero apoiar'. Estamos fazendo uma campanha para governador com R$30 mil. Qualquer candidato a deputado estadual pelo PSB tem mais. É um jogo desigual, injusto. Se tivéssemos mais estrutura, para rodar o estado inteiro como desejamos, a campanha seria outra.
A despeito disso, temos conseguido pautar muitos debates. Fazemos crítica frontal às comunidades terapêuticas e defendemos os princípios da reforma antimanicomial. Temos conseguido pautar o debate sobre isenções fiscais. Uma candidatura com pouco dinheiro, mas que tem conseguido empolgar muita gente e pautar o debate. Temos feito das tripas coração. Acho que vamos surpreender muita gente com o resultado final. E acho que será a campanha com a relação voto/gasto mais barata do Brasil.
Educação
Quero reformar 80% das escolas, dar igualdade de infraestrutura, porque hoje existem escolas qualificadas nas áreas centrais da região metropolitana, mas você vai nas periferias ou no interior do estado, elas estão caindo. Quero garantir que as escolas sejam espaços de efetivação de direitos, contratando via concurso psicólogos, fonoaudiólogos, dentistas, para que a criança e o adolescente tenham acesso às políticas públicas lá naquele espaço. E que voltem para casa alimentados, de banho tomado, com acompanhamento de saúde. Me inspiro nos CIEPs de Leonel Brizola.
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Pernambuco não tem um modelo verdadeiro de escola integral. O que temos são escolas com conteúdo estendido. Uma escola de tempo integral, além do conteúdo regular, deve ter acesso à arte, cultura, teatro, esportes, dança, programação, marcenaria, Libras… para desenvolver uma série de competências. Isso não existe aqui no estado, porque o conteúdo curricular não é ampliado e nem tem infraestrutura adequada. O que se faz aqui é pegar uma escola comum e colocar mais aulas dos mesmos conteúdos. Sequer tem refeitório, quadra, biblioteca, laboratórios… não tem nada disso.
O Ideb é um índice muito limitado para medir a qualidade da educação. Ele é formado a partir de três fatores: índice de reprovação, índice de evasão e as capacidades dos estudantes em matemática e interpretarem texto. Você pode melhorar artificialmente seu desempenho no Ideb se você adotar uma política de aprovação automática dos estudantes. Eu já vi isso acontecer quando fui professor na rede estadual da Bahia. Nós professores fomos pressionados para aprovar todos.
Na rede estadual há cerca de 20 mil professores (metade do total) com contratos precários, sem plano de cargo e carreira, com contratos de dois anos ou um ano - quem vai fazer formação continuada com um contrato curto? Nos últimos sete anos os professores sequer recebiam o piso salarial. Passou-se a pagar o piso este ano, mas não no salário-base, só se atinge o piso com os bônus e outros "penduricalhos" - entre eles a bonificação por índices de aprovação. Veja que mecanismo perverso.
Fome
O PSB nunca efetivou o mínimo de 30% dos alimentos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) vindos da agricultura familiar. A merenda das escolas é de péssima qualidade e compradas de fora de Pernambuco. Então não pensam a merenda como política de segurança alimentar e nem geram emprego. No auge da pandemia, com escolas fechadas e estudantes sem merenda, o Governo do Estado deu R$ 50 mensais para as famílias.
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O que um governo do PCB faria? Transformaria as cozinhas das escolas em cozinhas emergenciais para produzirem merenda e mandarem para as crianças em casa. Nós defendemos a criação de uma rede de restaurantes populares que comprem alimentos da agricultura familiar, incentivando a agroecologia e a alimentação sem veneno. Seria uma forma de combater a fome e gerar renda para o trabalhador do campo, além de estimular a produção ambientalmente responsável. Danilo Cabral (PSB) e Raquel Lyra (PSDB) estão copiando a nossa proposta, o que é excelente.
Reforma Agrária
A reforma agrária e o apoio aos assentamentos foi algo que caracterizou os governos de Arraes, antes do golpe (de 1964) e após a ditadura. E hoje existe uma briga entre Marília e Danilo pelo legado de Miguel Arraes, mas nenhum dos dois defende a reforma agrária. Só quem defende a reforma agrária de maneira sistemática nessa eleição é a nossa candidatura.
Pernambuco não tem política de reforma agrária. E mesmo as melhorias nos assentamentos foram muito poucas. Defendemos que o governo estadual tenha um papel ativo para garantir terra para os homens e mulheres do campo que querem plantar e trabalhar na terra. Além de uma política de crédito para o pequeno produtor - o programa atual é só uma intermediação bancária, arranjando clientes para os bancos privados.
Quero fazer uma política pública com juros de no máximo 1,5% ao mês. Se tem subsídio para cana de açúcar, por que não pode ter para o pequeno agricultor?! E precisa também de apoio técnico, o que poderia ser feito através da Universidade de Pernambuco (UPE), que hoje está sucateada. Também precisamos garantir uma política de escoamento da produção, porque hoje os pequenos produtores estão nas mãos de atravessadores.
Emprego e renda
Temos quatro pilares para a geração de emprego. O primeiro deles é reativar a economia a partir do investimento público centrado na construção civil. Construir 100 mil moradias populares, estimulando cooperativas de trabalhadores e mutirões, além da contratação de pequenas e médias empreiteiras, como forma de reativar de maneira imediata a circulação de dinheiro, gerando emprego e renda. Segundo dados do IBGE o estado de Pernambuco tem mais de 300 mil imóveis abandonados. A requalificação deles também garantiria de maneira imediata casas para muita gente.
O segundo pilar é o da reforma agrária, como já falei: garantindo terras, crédito, apoio técnico e compras governamentais. A política de reforma agrária vai combater a fome e gerar desenvolvimento no interior. Hoje o PIB pernambucano é concentrado em 10 municípios. Precisamos distribuir o desenvolvimento.
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O terceiro pilar é a universalização de direitos. Fiquei um pouco chocado de ver num debate na TV, em que minha candidatura foi excluída, numa pergunta sobre como erradicar a miséria, as candidaturas de João Arnaldo (PSOL) e Raquel Lyra (PSDB) falaram basicamente de renda básica - o que é fundamental, mas não erradica a miséria. Qualquer liberal que não é um fascista defende a renda básica. Precisamos garantir acesso a água, saneamento, educação, saúde, uma rede de equipamentos públicos que vai gerar emprego.
O quarto pilar é uma reforma tributária progressiva, aumentando o ICMS para o consumo de luxo, mas reduzir de maneira substancial a tributação da classe média e da classe trabalhadora. E incentivar os pequenos e médios negócios especialmente do circuito econômico da cultura, como livrarias, salas de cinema, galerias de arte. A economia criativa em Pernambuco é importante na geração de empregos e atração de turistas, mas não tem uma política direcionada de incentivo.
Saúde
Precisamos fazer uma auditoria nas contas da saúde. Todo ano o orçamento é de R$ 6 bilhões e, desse montante, cerca de 30% vai para as organizações sociais da saúde (OSS), entidades de direito privado que deveriam ser filantrópicas, mas na prática têm muito lucro.
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Nas UPAs e ambulatórios onde elas fazem a gestão, os serviços custam 30% a mais que nos locais onde há administração direta do governo. E mesmo assim as condições de trabalho são péssimas, há muitas reclamações. Temos que tirar o comando da saúde da gestão privada. O governo paga às OSS o equivalente a quatro salários por trabalhador, mas a OSS só paga um salário. Então podemos pagar salários melhores e ainda economizar dinheiro.
Também temos que dar prioridade à atenção básica, que é o posto de saúde, com equipes multiprofissionais, para que as pessoas não desenvolvam doenças mais graves. E vamos distribuir infraestrutura hospitalar de média e alta complexidade por todo o estado.
Segurança
A geração de empregos e garantia de direitos vai ser um ataque à desigualdade e pobreza, que são fatores geradores de violência. Além disso, uma política de combate às cadeias do crime. Pernambuco não tem uma política de combate ao tráfico de armas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. A estimativa é de que Pernambuco perde cerca de R$ 20 bilhões por ano por sonegação. Seremos intolerantes com os peixes grandes.
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Nos debates, nenhum candidato tem falado de violência policial. Só a gente pauta o desencarceramento. Precisamos controlar a violência no estado, criando um conselho de defesa e proteção dos Direitos Humanos voltados para a segurança pública, com acesso às imagens de câmeras colocadas nas fardas. Isso terá controle externo à Polícia Militar. Uma ouvidoria eficiente e externa à PM, garantir que as vítimas de violência policial sejam atendidas sem sentir medo.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga