Sabe qual é o político mais mencionado nas redes sociais quando o assunto é maconha? Dica: não é ninguém do campo progressista e nem um defensor da legalização da planta. Se você pensou em Jair Bolsonaro, acertou. Mirando as eleições, o presidente tem espalhado ataques e desinformação em suas redes sociais e nos seus discursos para se valer da grande rejeição sobre o tema.
Para não correr risco de perder votos em um tema ainda tão impopular, seus principais adversários do campo progressista, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), têm preferido se ausentar do debate. Um cálculo eleitoral que, na opinião de ativistas e pesquisadores, ajuda a atrasar um "incontornável" processo de descriminalização da cannabis no Brasil, inclusive para o mais bem aceito uso medicinal.
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É o que mostra uma pesquisa feita pela Kaya Mind, empresa especializada no emergente mercado da cannabis no Brasil, em levantamento feito entre 1° de janeiro de 2021 e 1° de abril de 2022. Com 4.023 citações, Bolsonaro é o líder disparado do ranking de políticos mais associados à maconha na imprensa e no Twitter - principal rede social de ativismo político e conflito de ideias, na avaliação dos responsáveis pelo estudo.
Segundo Thiago Dessena Cardoso, pesquisador e cofundador da Kaya Mind, o já notório engajamento dos apoiadores do presidente nas redes sociais compensa as menções negativas que, segundo ele, costumam ser mais presentes na mídia tradicional. "Quando relaciona a maconha ao banditismo, por exemplo, Bolsonaro está falando para uma base dura, que concorda totalmente com esse tipo de argumento. Então, quando ele traz essa pauta para cima, toda a base traz essa pauta para cima junto, e ele acaba sendo muito citado nessa abordagem contrária à pauta", analisa.
Bem atrás no ranking de aparições de políticos em tópicos envolvendo a maconha, encontramos alguns alguns parlamentares do campo progressista. Quase empatados com menos de mil menções cada, estão Luciano Ducci (PSB-PR) e Paulo Teixeira (PT-SP). Ambos tiveram participação relevante na Comissão Especial que aprovou, no ano passado, o PL 399/2015.
A proposta - a única ainda em tramitação entre as dezenas já apresentadas na Câmara dos Deputados - prevê a regulamentação dos usos medicinal e industrial da maconha, mas encontra-se parada por decisão do presidente da Casa Arthur Lira (PP-AL). Assim como outros direitos reivindicados por minorias e movimentos sociais - como o aborto, por exemplo -, as principais conquistas nos últimos quatro anos foram garantidas apenas pela esfera judicial.
Sob o ponto de vista eleitoral, quem está em campanha sabe o peso de resultados de pesquisas sobre temas controversos e de árduo convencimento. "Hoje, o tema da legalização da maconha é de grande risco para os candidatos, que desperta paixões de parte à parte, por isso vemos mais candidaturas a deputado federal e estadual abordando esses temas", afirma o advogado ativista Fernando Silva (PSOL-SP), conhecido como Profeta Verde, porta-voz da chapa conjunta Ganja Coletiva para a disputa da Assembléia Legislativa paulista.
De acordo com Nathalia Oliveira, historicamente, o desconhecimento e a rejeição à descriminalização das drogas afastam os presidenciáveis que poderiam defendê-la. Por isso, a Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas e a Plataforma Brasileira de Política de Drogas, organizações das quais ela faz parte, lançaram a campanha #VocêTambémÉVítima no Rio de Janeiro, em 30 de agosto.
A iniciativa procura despertar a sociedade para o fato de que todos são penalizados com a guerra às drogas, amparada por um manifesto que faz críticas às políticas públicas que trazem efeitos como encarceramento em massa, sobretudo de pessoas negras e pobres. "A gente não entende muito bem porque essa pauta fica interditada nas eleições. Na verdade, a gente até entende, mas acha um desperdício, porque no ano eleitoral as pessoas estão mais disponíveis e abertas para pensar e discutir os assuntos da política", aponta.
Mais gente quer levantar a bandeira nos Legislativos
Se até o candidato ao governo do Rio de Janeiro Marcelo Freixo (PSOL) decidiu recuar da sua posição histórica no tema das drogas, é sinal de que não adianta insistir porque o eleitorado não vai ceder. Correto? Para cargos executivos, todas as últimas eleições anteriores e pesquisas atuais mostram que sim. Porém, as chances de sucesso eleitoral já são maiores no Congresso e nas assembléias estaduais.
Tanto que até se fala em criar uma Bancada da Cannabis na Câmara, composta por nomes do campo progressista, como Maisa Diniz (Rede-SP), Alice Portugal (PCdoB-BA), André Barros, do Rio de Janeiro, e Dário Moura, de Minas Gerais, ambos pelo PSOL, e o próprio Paulo Teixeira.
Há também um movimento de adesão à pauta por políticos identificados com o liberalismo e de partidos de centro-direita, como é o caso do deputado federal Fábio Mitidieri (PSD-SE). Uma tendência observada por Cardoso desde as eleições municipais de 2020 com base na procura pelos serviços oferecidos pela sua empresa. "Calculo que uns 80% de todos os políticos que vieram procurar a gente são de direita ou centro-direita, um viés para a pauta muito de liberdade de fazer o que quiser", diz o cofundador da Kaya Mind.
A abordagem sobre o tema, sobretudo nas eleições regionais, varia para cada candidatura, mas é comum se deparar, na televisão e na internet, com propagandas repletas de humor e frases de efeito. Fernando Silva, que também fez campanha para vereador em São Paulo há dois anos, quase sempre vestido com um manto verde, é adepto de um tom mais lúdico, buscando a atenção dos eleitores com bordões e brincadeiras.
"Já aconteceu da nossa candidatura ser retratada como uma dessas candidaturas atípicas por levar o nome da ganja, mas acho que é isso, mais uma estratégia de comunicação", conta o advogado, do Escritório de Defesa do Usuário de Cannabis (EDUCannabis) e um dos organizadores da Marcha da Maconha de São Paulo. "A gente tenta atrair a participação política e entendemos que (o caminho) não é a personalização da política, um suposto herói ou heroína. Por isso, nossa proposta coletiva", justifica.
Mercado medicinal pode abrir caminhos
Apesar da Lei das Drogas de 2006 já prever o uso medicinal da maconha, a falta de regulamentação para o cultivo limita o benefício a alguns poucos pacientes e associações que conquistaram esse direito pela via judicial.
Em 2014, a Anvisa passou a autorizar a importação de remédios de CBD, um dos derivados da Cannabis, mediante prescrição médica. Atualmente, 18 produtos medicinais à base de Cannabis já são permitidos no país para o tratamento de diversas patologias, como autismo, epilepsia, Alzheimer, depressão, ansiedade e enxaqueca crônica.
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Mas o produto é caro, o que mantém o seu acesso restrito e também atrasa o ingresso do Brasil em um mercado potencialmente bilionário. De acordo com relatório da Leafly deste ano, mais de 320 mil empregos em tempo integral foram criados em 2021 nos Estados Unidos, país onde os cultivadores tiveram receita de US$ 6,2 bilhões - cerca de R$ 32,7 bilhões na cotação atual - em 2020, segundo a mesma organização.
Maria Eugenia Riscala, diretora de negócios e cofundadora da Kaya Mind, menciona outro estudo que estima um potencial de mercado na casa dos R$ 26 bilhões no período de quatro anos após a legalização no Brasil. Apenas em impostos, nesse cenário, o governo poderia arrecadar até R$ 8 bilhões, de acordo com as projeções.
"É um mercado que já existe, mas ainda muito restrito. Enquanto a gente estiver importando extrato, é claro que o dinheiro ficará no país que produz o extrato", identifica a publicitária e internacionalista, que lamenta a falta de unidade dos defensores da regulamentação.
"Eu defendo que tenha o cultivo, mas também defendo que tenha o óleo na farmácia, porque minha avó não vai plantar maconha. É um discurso que ainda está muito separado, está cada um lutando pelo seu. A gente precisa que o Executivo e Legislativo sejam mais atuantes, porque o Judiciário está envolvido até as tampas."
Enquanto se avança a conta-gotas, há quem já atue para facilitar a busca por empregos no emergente mercado brasileiro. É o caso do publicitário Danilo Lang, criador do portal Cannabis Empregos, que funciona como uma espécie de Linkedin do setor canábico. Sua motivação inicial foi a dificuldade de encontrar vagas que coincidissem com suas aspirações pela área, mesmo sabendo que novas oportunidades estavam surgindo.
Atualmente, Lang conta que o site já possui mais de 100 mil pessoas cadastradas das mais variadas áreas, principalmente medicinal, de consultoria e marketing, e das mais variadas senioridades, sendo a faixa etária média de 30 anos. "Tem muita empresa do ramo medicinal anunciando vagas, tem muitos portais de conteúdo, empresas de pesquisa de mercado, aceleradoras, empresas de investimento", comenta.
Com a intenção de diminuir o tabu e a vergonha de quem oferece e busca empregos relacionados à maconha, ele diz já ter viabilizado contratações. "A maior parte das vagas que a gente teve foi para representante comercial de produtos de Cannabis medicinal. Ou seja, são as importadoras buscando pessoas para aumentar sua base de clientes e vender mais os seus produtos", salienta.
Nova chance de promover inclusão e cessar perseguições
Segundo pesquisa do Senado Federal de 2019, o uso medicinal da Cannabis já é aceito por 1 a cada 3 brasileiros, o que consolida um caminho preferencial rumo à liberação em detrimento do uso recreativo. Sobre o viés mercadológico, Fernando Silva acredita ser inevitável que o dinheiro mova o processo, mas reforça a disposição de ativistas e movimentos sociais em batalhar pelo cultivo doméstico e, especialmente, por reparação social.
"Devemos pensar em como os tributos podem ajudar a equipar comunidades que foram afetadas pela guerra às drogas, em como garantir a presença de egressos do sistema prisional nessa indústria legalizada (...) talvez com estratégias de cotas, de incentivos públicos para esse tipo de contratação", opina.
Para Nathalia, é necessário conscientizar e debater propostas que também envolvam a participação do Sistema Único de Saúde para distribuição de medicamentos gratuitamente, por exemplo. "A gente precisa mostrar para as pessoas que não é necessariamente sobre o uso e que o uso não é necessariamente prejudicial. Estamos falando justamente dessa agenda que pode gerar comida no prato, emprego, gerar novos negócios e empreendimentos", defende.
Apesar de certo otimismo com a possibilidade de Lula ascender à presidência no ano que vem, para Danilo Lang há um longo caminho a ser percorrido mesmo se o tema avançar no cenário político. "Pessoalmente, acho que a gente vai ter uma legalização como nos EUA e parte da Europa daqui 15 a 20 anos. Sou mais conservador, porque acho que não vai acontecer nada da noite para o dia nos próximos quatro anos e, mesmo se acontecer, será necessário no mínimo de mais oito anos para ter testes rodando", prevê.
Edição: Nicolau Soares