REALIDADE PARALELA?

Bolsonaro na ONU: relembre as mentiras do presidente na Assembleia Geral

Desde 2019, informações falsas foram usadas para promover o governo em discursos nas Nações Unidas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
As aparições de Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU foram marcadas pela disseminação de notícias falsas - AFP

Nesta terça-feira (20), o Brasil abre os discursos de chefes de Estado na 77ª Assembleia Geral da ONU, como faz há 73 anos. Esta pode ser a última participação sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), que é o segundo colocado nas pesquisas de opinião da disputa pela presidência. Na agenda prévia à AGNU, o presidente reuniu-se com homólogos do campo da extrema-direita europeia e latino-americana, como Guillermo Lasso (Equador), Alejandro Giammattei (Guatemala), Andrzej Duda (Polônia) e 
Aleksandar Vucic (Sérvia).

Nos três últimos anos, Bolsonaro usou um dos principais espaços da diplomacia global para difundir uma imagem do país que poucos brasileiros reconhecem como real. 

O Brasil de Fato traz uma retrospectiva sobre os principais assuntos e mentiras promovidas pelo presidente Bolsonaro na ONU.

2019: Amazônia, fantasma do socialismo e religião

Na sua estreia na ONU, Jair Bolsonaro iniciou e encerrou seu discurso agradecendo a Deus "pela missão de presidir o Brasil e pela oportunidade de estabelecer a verdade". No entanto, em pouco mais de 30 minutos de discurso disse, ao menos, seis mentiras. 

Naquele ano, o Brasil foi excluído da Cúpula do Clima da ONU por não enviar um plano para aumentar seu compromisso climático e ainda tirou R$ 11,2 milhões no orçamento da Política Nacional sobre Mudança do Clima, o equivalente a 95% de corte.

O ano de 2019 foi marcado pelo escândalo das queimadas na Amazônia. Em agosto daquele ano, a região registrou mais focos de incêndio que nas duas décadas anteriores, um total de 6.145 focos, segundo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Além de negar o aumento das queimadas, o chefe de Estado disse que sua administração criou empregos e diminuiu a violência – ignorando o desemprego em massa que atingia 13 milhões de pessoas na época. 

"É uma falácia dizer que a Amazônia é um patrimônio da humanidade e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que a Amazônia, a nossa floresta, é o pulmão do mundo. Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa e com espírito colonialista", disse na tribuna da ONU.

O presidente prometeu interromper a demarcação de terras indígenas e ainda atacou lideranças dos povos Caiapó. "A visão de um líder indígena não representa a de todos os índios brasileiros. Muitas vezes, alguns desses líderes, como o cacique Raoni, são usados como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia", declarou.

Leia também: Atacado pelo presidente na ONU, cacique Raoni defende: "Bolsonaro tem que sair"

"Hoje 14% do território brasileiro está demarcado como terra indígena, mas é preciso entender que nossos nativos são seres humanos, exatamente como qualquer um de nós", afirmou. 

O país, no entanto, conta com 440 terras indígenas demarcadas e regularizadas, equivalente a 12,6% do território, segundo a Fundação Nacional da Índio (Funai).

Bolsonaro também dedicou boa parte de seu discurso para criticar governos latino-americanos de esquerda, em especial Cuba e Venezuela, e disse representar "um novo Brasil, que ressurge após estar à beira do socialismo". 


Dados oficiais do governo brasileiro já apontavam desmatamento recorde na Amazônia em 2020/ Divulgação/Imazon

2020: Covid-19, negacionismo e crimes ambientais

Por conta da emergência sanitária, a Assembleia Geral de 2020 aconteceu de maneira híbrida, tanto Bolsonaro, como outros chefes de Estado, enviaram vídeos com seus discursos. No palco internacional, presidente voltou a negar a gravidade da pandemia de covid-19. Além disso, mentiu sobre o valor pago como auxílio. "Nosso governo concedeu auxílio emergencial em parcelas que somam aproximadamente mil dólares para 65 milhões de pessoas", disse. 

No mesmo ano em que o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu que o governo deveria aproveitar o período de pandemia para "passar a boiada", o presidente disse que sua administração era "líder em conservação de florestas tropicais", novamente mentindo sobre os incêndios que consumiam a Amazônia e o Pantanal, dizendo que teriam sido causados pelas "altas temperaturas". 

Cerca de 4 milhões de hectares do Pantanal, equivalente a 26% do bioma, foram consumidos pelas chamas.

:: O que passou na “boiada” de Ricardo Salles durante a pandemia? ::

O Brasil encerrou 2020 com o maior número de focos de queimadas em uma década, de acordo com dados do (Inpe). Foram registrados 222.798 focos, contra 197.632 em 2019, um aumento de 12,7%. Os desmatamentos e queimadas foram responsável por 72% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG).

"O Brasil contribuiu para que o mundo continuasse alimentado", disse o presidente enquanto cerca de 11,5% dos brasileiros viviam em insegurança alimentar. 

Novamente o chefe de Estado arremeteu contra a Venezuela para tentar se esquivar da responsabilidade sobre o vazamento de petróleo no nordeste brasileiro. "Em 2019, o Brasil foi vítima de um criminoso derramamento de óleo venezuelano, vendido sem controle, acarretando severos danos ao meio ambiente e sérios prejuízos nas atividades de pesca e turismo", disse Bolsonaro. Em outubro de 2019, 132 praias em Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Paraíba, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte e Maranhão foram atingidas pelo vazamento de óleo.

Saiba mais: Especialista venezuelano desmente Bolsonaro: "Loucura dizer que é nosso petróleo"

As principais possibilidades ventiladas pela agência de meio ambiente de Pernambuco (CPRH) são de que houve um vazamento de alguma embarcação ou um despejo intencional do produto no oceano após limpeza de tanque. 


Grupo finca bandeiras brancas em frente ao Congresso Nacional em 15 de outubro de 2021, representando as 600 mil mortos por covid-19 até aquele momento / Evaristo Sá/AFP

2021: Vacina, desmatamento e corrupção

Após quase ser impedido de participar da 76ª Assembleia Geral da ONU por não mostrar o comprovante de vacinação, Bolsonaro foi recebido na sede das Nações Unidas em Nova York e discursou por 13 minutos.

"Fiz tratamento inicial [contra a covid]. Nosso governo é contra a vacinação obrigatória" e acrescentou "sempre defendi combater o vírus e o desemprego de forma simultânea".

Bolsonaro defendeu um suposto tratamento precoce, sem qualquer comprovação sobre sua eficácia; disseminou notícias falsas sobre a vacinação, afirmando que os imunizantes não eram seguros; e ainda teve sua gestão envolvida em denúncias de atraso e superfaturamento na compra de vacinas, segundo as investigações da CPI da Pandemia.

No seu relatório final, a comissão recomendou o indiciamento de Bolsonaro e mais 65 pessoas, incluindo os três filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro. 

O documento aponta uma lista de dez possíveis delitos, entre eles crimes contra a humanidade, perseguição e genocídio. 

Saiba mais: CPI da Covid aprova relatório final e recomenda indiciamento de Bolsonaro e mais 65 pessoas

As políticas para meio ambiente foram assunto por terceira vez consecutiva. O mandatário disse que houve uma redução de 32% nos desmatamentos na Amazônia entre 2020 e 2021, no entanto, neste período houve aumento de 7%, um recorde desde 2012, segundo o Imazon. Esta foi uma das oito mentiras proferidas durante a sua intervenção. 

Em 2021, o governo também aprovou um corte de 24% no orçamento do ministério do Meio Ambiente.

:: Entenda | BNDES não deu dinheiro a países latino-americanos; entenda para não passar vergonha :: 

No discurso do ano passado, Bolsonaro voltou a arremeter contra o "fantasma do socialismo", afirmando que o "banco de desenvolvimento era usado para financiar obras em países comunistas, sem garantias", fazendo alusão ao Porto de Mariel, em Cuba. Na verdade, a obra foi realizada por 400 empresas brasileiras contratadas pelo governo cubano. O BNDES emprestou dinheiro para estas empresas brasileiras, como é papel de qualquer banco de investimento estatal, em todos os países do mundo.

Além disso, o total de empréstimos destinados a financiar empresas para atuação no exterior é inferior a 2% do total de financiamentos do BNDES durante os governos do PT.

Edição: Thales Schmidt