Além de Bolsonaro

Veja o que disseram presidentes latino-americanos no 1º dia de debates na ONU

Além de Bolsonaro, os presidentes Boric, Petro, Arce, Castillo e Xiomara Castro discursaram nesta terça

São Paulo; Caracas (Venezuela) |
Soberania, combate às desigualdades e mudanças climáticas foram temas abordados nos discursos - Reprodução

Nesta terça-feira (20), começaram os discursos de chefes de Estado na 77ª Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), em Nova York. Como acontece desde 1949, o Brasil foi o primeiro Estado a discursar. Esta pode ser a última participação de Jair Bolsonaro no plenário das Nações Unidas, caso não se reeleja. 

Discursaram também chefes de estado de outros latino-americanos nesta terça: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Paraguai, Honduras, Guatemala, El Salvador e Peru. Três presidentes estrearam na ONU: a hondurenha Xiomara Castro, o colombiano, Gustavo Petro e o chileno, Gabriel Boric.

Chile

Após a derrota no plebiscito constitucional e uma reforma ministerial em menos de seis meses de governo, o presidente do Chile, Gabriel Boric busca aumentar sua popularidade com o discurso, que acontece quando se completam 50 anos da fala do ex-presidente, Salvador Allende.

Boric fez menção aos 50 anos do governo da Unidade Popular, interrompido pelo golpe de Estado que implantou a ditadura de Augusto Pinochet no ano seguinte, 1973. “Somos um dos países mais desiguais do mundo e isso dói. Essa desigualdade é uma ameaça latente para democracia, pois divide a sociedade, fratura a coesão social, é um limite para nos entendermos e construirmos juntos um futuro mais justo”, disse. 

Gabriel Boric relembrou o processo constituinte e reconheceu a derrota no plebiscito constitucional do dia 4 de setembro. "Estamos buscando novas fórmulas para construir esse lugar de encontro entre todos", disse.

O mandatário ainda admitiu que apoiava a última proposta de constituição. "Alguns noticiaram como uma derrota do governo. Nunca um governo pode se sentir derrotado quando o povo se pronuncia. A democracia deve ser soberana em todos os momentos", disse Boric. E acrescentou: "Estou convencido de que no curto prazo teremos uma constituição que nos satisfaça e seja capaz de englobar nossos desejos de justiça e liberdade”.

Boric ainda destacou o potencial mineiro e energético do Chile. “Um país com cobre e lítio, além de hidrogênio verde para oferecer energia limpa para o mundo. O Chile precisa do mundo e o mundo também necessita do Chile”, destacou.

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O presidente chileno também criticou a guerra na Ucrânia e a guerra comercial entre Estados Unidos e China, iniciada pelo governo do ex-presidente dos EUA Donald Trump.

O chefe de Estado chileno se reunirá com a presidenta da Comissão Europeia, Úrsula Von der Leyen, os líderes da França, Emmanuel Macron, da Espanha, Pedro Sánchez, o chanceler alemão, Olaf Scholz e a premiê da Nova Zelândia, Jacinta Ardern. Com o ministro da Fazenda, Mario Marcel, se reunirá com o presidente do Banco Mundial, David Malpass, para discutir possíveis acordos com o organismo financeiro.

Boric viajou acompanhado da chanceler, Antonio Urrejola, e da ministra de Defesa, Maya Fernández Allende. O Chile, junto com a Venezuela e a Costa Rica, irá disputar a presidência do Conselho de Direitos Humanos da ONU. A ex-presidenta chilena, Michelle Bachelet, aliada de Boric, encerrou em agosto seu mandato como comissária de Direitos Humanos.

Colômbia

O presidente colombiano, Gustavo Petro, que também fez sua estreia na Assembleia Geral da ONU, utilizou o discurso para denunciar o "fracasso da guerra às drogas" e alertar sobre os efeitos das mudanças climáticas.

"O que é mais venenoso ao ser humano: a cocaína ou o carvão e o petróleo?", questionou o mandatário ao defender que há um discurso "hipócrita" por trás da política de combate à produção e tráfico de drogas.

"Como um paradoxo, a floresta que tentam salvar é ao mesmo tempo destruída; para destruir a folha da coca espalham venenos, glifosato em massa que corre pelas águas, prendem seus cultivadores [...] nada mais hipócrita do que o discurso para salvar a floresta", disse o presidente.

Maior produtor de cocaína do mundo, a Colômbia há décadas é palco de ações violentas para perseguir produtores e erradicar cultivos. A parceria com os Estados Unidos para o combate às drogas fez com que o país contasse com a presença de militares estadunidenes e um orçamento bilionário voltado para esse tipo de operações.

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Após chegar à Presidência, Petro tem defendido mudanças regulatórias na política de drogas do país e criticado duramente a atuação de governos anteriores que teriam privilegiado ações violentas no combate a tais práticas.

Na ONU, o presidente reafirmou suas visões e disse que "a guerra às drogas durou 40 anos e, se não corrigirmos seu curso, os Estados Unidos seguirão vendo seus jovens morrerem de overdose por mais 40 anos". 

"A guerra contra as drogas fracassou, a luta contra a crise climática fracassou, os consumos mortais aumentaram, de drogas suaves passaram às mais pesadas, no meu continente foi produzido um genocídio e no meu país milhões de pessoas foram condenadas à prisão", disse.

Acompanhado do chanceler Álvaro Leyva, de sua chefe de Gabinete, Laura Sarabia, e dos ministros do Meio Ambiente e da Educação, Petro chegou a Nova York no domingo (18). Na segunda-feira, o presidente se reuniu com o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, que manifestou a disposição das Nações Unidas em apoiar os diálogos entre o governo colombiano e grupos armados.

Honduras

Na sua estreia na ONU, a presidenta Xiomara Castro, afirmou que chegou ao poder após 13 anos de ditadura, fazendo alusão ao golpe de Estado de 2009 que destituiu seu esposo, o ex-presidente Manuel Zelaya. "As nações pobres do mundo já não suportam golpes de Estado, lawfare, revoluções coloridas aplicados para explorar nossos vastos recursos naturais", disse a presidenta que exigiu respeito ao seu país.

Segundo Castro, graças aos governos conservadores, um em cada quatro hondurenhos está em situação de pobreza extrema.

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"Para que nosso país sobreviva devemos rechaçar essa suposta austeridade que privilegia a riqueza em poucas mãos e aumenta a desigualdade", criticou a primeira presidenta hondurenha. 

Castro ainda destacou que seu governo criará, com o apoio da ONU, uma comissão de combate à corrupção em Honduras. A presidenta ainda pediu que cessem as agressões contra Cuba e Venezuela, e finalizou seu discurso citando a líder ambiental Berta Cáceres: "Reaja mundo, ainda há tempo".

Bolívia 

Pela segunda vez na tribuna da ONU, o presidente boliviano, Luis Arce, fez um discurso com forte crítica ao sistema capitalista. "A crise capitalista múltipla e sistemática coloca em risco a humanidade e o planeta". Devemos identificar "a origem de um sistema que produz, a exclusão de grandes maiorias e que prioriza a reprodução do capital, antes da reprodução da vida", disse.

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“Nosso país possui a maior reserva de lítio do mundo e assumimos isso com muita responsabilidade, garantido que seu uso beneficie a maioria da sociedade. Ratificamos a soberania sobre nossos recursos naturais e apropriação soberana do excedente econômico para ser distribuído para o povo. Rechaçamos qualquer tentativa de ingerência”, afirmou, fazendo referência às declarações da nova chefe do Comando Sul do Pentágono sobre seus interesses sobre os recursos do chamado Triângulo do Lítio (Argentina, Bolívia e Chile). 

Defendeu um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia, o fim das agressões contra o povo palestino e que a Organização do Atlântico Norte (Otan) pare de expandir-se. “Qualquer ruptura da paz mundial está vinculada à insuficiência ou à violação da Carta das Nações Unidas. Nos últimos 20 meses foram destinados mais fundos para a crise na Europa do Leste do que para a agenda verde na última década. A paz não se constrói comprando armas”, afirmou o mandatário boliviano.

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Arce ainda propôs uma agenda comum com os 14 pontos: 

- Declarar o mundo como zona de paz 
- Substituir as armas de destruição em massa por uma compensação econômica dos países centrais do capitalismo aos países periféricos
- Defender sistemas universais de saúde contra a mercantilização da saúde 
- Criar um programa de soberania alimentar com respeito à Mãe Terra
- Reconstruir a capacidade produtiva dos países da periferia 
- Responsabilidade com a crise climática
- Industrialização do lítio em benefício dos povos para a transição energética
- Regionalização da luta contra o tráfico de drogas
- Assinatura de acordos para um trato preferencial a países sem acesso marítimo 
- Ampliar o compromisso sobre direitos humanos e democracia
- Solidariedade internacional
- Declarar o decênio de despatriarcalização para lutar contra violência contra as mulheres e crianças 
- Rechaçar sanções unilaterais 
- Garantir a vigência da carta das Nações Unidas 

Por fim, Luis Arce defendeu o fim do bloqueio econômico contra Cuba. “É inaceitável que ainda se apliquem medidas coercitivas unilaterais para tentar derrubar governos democraticamente eleitos”

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Peru

Esta também é a segunda participação do chefe de Estado peruano, Pedro Castillo, que desde o início do seu governo está imerso em uma crise política. Castillo usou a tribuna da ONU para defender sua agenda econômica e afirmar que “trabalhamos a favor dos mais necessitados”. 

Ainda disse que seu governo representa as ambições de “milhares de pessoas que não tiveram nada ou tiveram muito pouco para participar da política nacional”. Destacou os problemas causados pela emergência climática e a necessidade de criação de um programa que disponha recursos das nações mais poluentes para os países menos poluentes, a fim de reduzir as emissões de gases do efeito estufa. 

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Castillo defendeu o direito à autodeterminação dos povos, a criação de uma rede latino-americana e caribenha de manutenção da paz e ainda disse que seu governo se empenha em tornar a “América do Sul como uma zona de paz internacional”. Castillo defendeu o direito da Argentina sobre as Ilhas Malvinas. 

"Não existem sanções, intervenções boas ou más. Todo tipo de sanção é contrária ao direito internacional", disse o presidente peruano.

Argentina

O presidente argentino, Alberto Fernández, iniciou sua intervenção mencionando o atentado contra a vice-presidenta, Cristina Kirchner, que ocorreu no dia 1º de setembro, e agradeceu a solidariedade internacional que seu governo recebeu de outros países.

"Muitas vezes na história os magnicídios foram prólogos de grandes tragédias. Baseados no rechaço ou ódio contra as vítimas, os que cometeram tais ações romperam a paz pública e abriram as portas a enormes disputas sociais", disse.

O presidente ainda citou o período de redemocratização e o final da ditadura militar no país para reafirmar sua condenação ao terrorismo de Estado e à violência política. "Estou seguro de que a violência fascista que se disfarça de republicanismo não conseguirá mudar esse amplo consenso que tem a adesão da sociedade argentina", afirmou.

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Fernández também falou sobre a dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) adquirida durante o governo de seu antecessor, o neoliberal Mauricio Macri, e agradeceu o apoio internacional que a Argentina recebeu para renegociar os termos com o órgão internacional.

Com uma inflação acumulada de quase 80%, o dólar em alta e as pressões feitas pelo FMI, o governo Fernández enfrenta uma das piores crises econômicas do país e se equilibra para atender as exigências dos credores e manter políticas sociais.

"As nações endividadas sofrem muito com os efeitos do sistema estabelecido e a Argentina está entre elas. Por isso eu quero agradecer a todos os países que nos apoiaram e nos apoiam no complexo processo de renegociação da dívida externa", disse.

O presidente argentino também foi outro que pediu o fim do bloqueio contra Cuba e Venezuela, afirmando que "as únicas sanções legítimas são aquelas impostas pelo Conselho de Segurança da ONU em matéria da manutenção da paz e da segurança".

Fernández ainda reforçou o histórico pedido da Argentina pela soberania das Ilhas Malvinas, "ocupadas ilegalmente pelo Reino Unido já há quase 190 anos".

"O Reino Unido persiste em sua atitude de não escutar o chamado para restaurar as negociações sobre a disputa territorial. [...] Também insiste com a injustificada e desmedida presença militar nas ilhas que não fazem mais do que trazer tensão a uma região que é caracterizada por ser uma zona de paz".

Edição: Rodrigo Durão Coelho