Antes do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionar a Lei 10.825, no dia 22 de dezembro de 2003, Márcio Thomaz Bastos, que na época chefiava o Ministério da Justiça, falou: “O Estado está proibido de tomar qualquer decisão que proíba o funcionamento das entidades religiosas”, anunciou o ministro petista.
Dezenove anos depois, nas eleições de 2022, o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP), que é pastor, passou a espalhar a notícia falsa de que caso eleito, Lula fecharia as igrejas evangélicas, com a finalidade de assustar o eleitorado evangélico no país.
O discurso foi adotado pelo atual chefe do Executivo Jair Bolsonaro (PL), que concorre com Lula ao cargo de Presidente da República. “É preciso estar atento. A partir de hoje, mais do que nunca, os que amam o vermelho passarão a usar verde e amarelo, os que perseguiram e defenderam fechar igrejas se julgarão grandes cristãos, os que apoiam e louvam ditaduras socialistas se dirão defensores da democracia."
Aprovada e sancionada no governo Lula, a Lei 10.825 determinou a livre criação, organização e estruturação das igrejas, facilitando a formalização dos espaços de cultos para religiões distintas, não apenas para evangélicos.
Hoje, basta uma ata de constituição, estatuto social, diretoria empossada, cópia do RG da direção e fundadores e um requerimento para registro, para que uma igreja seja fundada.
Impulsionadas pela nova legislação, as igrejas independentes se expandiram pelo país, explica o pastor Ariovaldo Ramos, fundador e coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito.
“As igrejas independentes são igrejas que tem uma edição só, uma igreja pequena, na esquina de uma comunidade periférica, tem ali 10 ou 20 pessoas, mas são centenas na mesma comunidade. Cada esquina tem quatro ou cinco, elas se multiplicam. Quando você faz a soma do contingente, você se dá conta que o contingente maior de evangélicos está nas independentes (não nas grandes denominações)”, contou Ramos, no podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato.
Para Ramos, o número de fiéis que seguem as igrejas independentes no Brasil já é maior que os frequentadores das grandes denominações. Marco Davi, teólogo e pastor da Nossa Igreja Brasileira, explica que não há como dimensionar a quantidade de igrejas independentes no país. “Enquanto estamos aqui conversando, alguém abriu uma, não há como calcular isso.”
Antes da lei, as igrejas precisavam se vincular às grandes denominações, como Universal do Reino de Deus, Renascer, Igreja Mundial do Poder de Deus, entre outras, seguir seus estatutos e se submeter à burocracia das empresas e do Estado. As filiais estavam submetidas às decisões administrativas e doutrinárias das matrizes, até mesmo as ofertas fugiam do controle das sedes.
Desde a promulgação da lei, religiosos ficaram livres para se desvincularem das grandes denominações. “As igrejas independentes surgem como dissidência doutrinária, em outras vezes porque o líder não aceita a doutrina imposta por uma liderança de outra igreja, ou simplesmente porque alguém quer começar uma igreja diferente. Na nossa igreja, temos uma proposta de retorno ao evangelho, numa proposta não-fundamentalista”, conta Davi.
Política e fé
De acordo com levantamento do Datafolha, publicado no último dia 15 de setembro, Bolsonaro lidera as intenções de voto entre os evangélicos. Segundo a pesquisa, o presidente tem 49% contra 32% de Lula, 17 pontos de diferença. Na rodada anterior, o petista tinha 28%, 23 pontos atrás do atual mandatário, que acumulava 51%.
O setor não reproduz os dados gerais, que mostram Lula com 45% das intenções de voto, contra 31% de Bolsonaro. O último tem buscado tirar a diferença em dois eleitores, mulheres, onde possui grande rejeição, e evangélicos, com quem manteve aliança estreita durante seu governo, mesmo sendo católico.
Para Ariovaldo Ramos, há uma diferença entre os evangélicos. As grandes denominações, com pastores midiáticos, devem seguir Bolsonaro. Porém, a chave para a virada petista entre os religiosos pode estar nas igrejas independentes. O pastor explica que nesses templos menores a política não é pauta frequente, como ocorre nas grandes denominações, onde há campanha franca por Bolsonaro.
“É aí que nós vamos virar o jogo. Esse povo, o pastor é gari, a pastora trabalha no call center, é esse povo que cria solidariedade e acolhe, não são as grandes denominações”, formula Ramos. “A luta de classes, agora, será travada dentro do mundo evangélico. A defasagem entre esses dois mundos é enorme, não apenas de estrutura. O pastor de uma igreja independente é um sujeito pobre, nessas grandes denominações, um pastor pode ganhar mais de R$ 100 mil. Dentro das igrejas, portanto, temos os opressores e oprimidos, empresários e trabalhadores.”
“Infelizmente, temos visto que os pastores têm tomado uma posição política mais à direita”, pondera Davi. “Porém, eu não acredito no voto evangélico, eu não acredito que isso exista. Voto evangélico foi alcunhado pela academia, como não existe o voto católico ou umbandista. Mas, o voto entre os evangélicos está começando a ficar dividido, graças a Deus. O povo mais pobre está percebendo que a vida está difícil de levar e as coisas estão caras.”
Edição: Rodrigo Durão Coelho