A ministra do TSE Maria Claudia Bucchineri mandou retirar do ar e proibir a utilização de um filtro das redes sociais mostrando a frase "Prefiro Lula", que usa a identidade visual e adapta o slogan da campanha de Ciro Gomes.
A decisão também determina que a identidade da pessoa responsável pelo perfil anônimo @jairmearrependi, presente em várias redes sociais, seja divulgada. A ação foi protocolada pela campanha do pedetista contra o responsável pelo perfil, que criou e divulgou o filtro.
O advogado Augusto de Arruda Botelho Neto, candidato ao cargo de deputado federal, também foi citado na ação, por usar o slogan Prefiro Augusto de Arruda Botelho em suas redes, mas as acusações contra ele foram consideradas improcedentes.
No processo, o partido afirma que ambos usaram ilegalmente as cores, identidade gráfica e slogan da campanha de Ciro Gomes, 'Prefiro Ciro', "para criar artificialmente 'estados mentais' capazes de confundir o eleitorado brasileiro, notadamente por percepção mnemônica de identidade visual".
Nas redes, a acusação foi de apropriação de marca e "roubalheira".
Viciados em meter a mão no bolso alheio, alguns petistas tão conseguindo se superar. Escondidinho, “chuparam” a MARCA OFICIAL DA CAMPANHA DE LULA de uma empresa americana (https://t.co/tXc7BoGwo4). Agora tentam se apropriar da nossa marca. Onde vai parar a roubalheira? 🤭 /ADM pic.twitter.com/LV50h8CQB2
— Ciro Gomes 12 (@cirogomes) September 16, 2022
O provedor de serviço Storm Ideas Sugar Bond House e qualquer outro provedor de acesso cadastrado no TSE têm 48 horas para divulgar as informações do proprietário do perfil.
Assédio judicial
Em um fio no Twitter, o cientista social Leonardo Rossatto criticou o processo
Vocês não estão entendendo o tamanho do problema que está acontecendo.
Quando o Trump ganhou a eleição em 2016 nos EUA, vários servidores do governo começaram a fazer oposição em perfis anonimos, os chamados perfis “rogue”. Também surgiram perfis anônimos como o Sleeping Giants.
— Leonardo Rossatto (@nadanovonofront) September 23, 2022
Em entrevista ao Brasil de Fato, Rossatto afirmou que a decisão seria judicialmente aceitável, uma vez que a Constituição veda o anonimato. Entretanto, esse tipo de ação contra militantes anônimos pode ser considerado um traço de autoritarismo.
"Existe o argumento jurídico de que na Constituição é vedado o anonimato, mas politicamente falando, o anonimato nas redes sociais é um mecanismo de proteção da atuação política consagrado em todo o mundo, responsável por inúmeros movimentos de resistência em países autoritários ou que estão em processo de corrosão democrática, como é o caso do Brasil", pontua. "É uma característica de governos autoritários a tentativa de restringir a militância nas redes sociais. Essa ação da campanha do Ciro mostra uma veia autoritária em sua campanha."
Esse tipo de perseguição pode ter, como consequência, o fim desse tipo de militância. "É profundamente desestimulante para esses perfis seguirem atuando sem um sistema jurídico que proteja o anonimato, ou ao menos sem formas de se proteger (VPN, por exemplo). É bom lembrar que governos autoritários tem como característica a tentativa de cooptar as instituições, e o judiciário tem um papel decisivo justamente por ser uma instância de decisão e validação."
"A grande característica de um governo autoritário é a inviabilização de possíveis movimentos de oposição. O assédio judicial é uma forma de inviabilização. A destruição dos mecanismos de guerrilha virtual, através da vulnerabilização de pessoas com atuação política, também é", afirma.
Segurança de militantes
Uma das principais preocupações com a impossibilidade de realizar ações em rede de forma anônima é com a segurança das pessoas engajadas. Rossato afirma que, em geral, são dois os perfis de cidadãos que recorrem a esse expediente: os servidores públicos e pessoas que querem evitar assédio.
"Normalmente, a militância [de servidores] se dá quando há um processo de desmonte institucional em andamento. Caso clássico aqui no Brasil é o do Ibama sob Ricardo Salles. O perfil Fiscal do Ibama [no Twitter] fez esse papel enquanto perfil anônimo e o próprio ex-ministro tentou descobrir qual ou quais servidores estavam por trás do perfil, sem sucesso", recorda Rossatto.
"Geralmente esses perfis contrapõem o discurso institucional vigente, mostrando incoerências internas e tendo um papel muito importante. Essas pessoas estão sob assédio constante e usam as redes como instrumento de guerrilha para denunciar ao grande público esses assédios, num esforço de transparência ativa."
Já o cidadão militante anônimo busca evitar represálias. Um exemplo desse tipo de perfil é o Sleeping Giants, que fazia campanhas de desmonetização de conteúdos negacionistas ou de natureza autoritária. "O assédio a esses perfis está ligado à função que eles exercem, afinal um canal de extrema direita desmonetizado vai ter muito motivo pra perseguir. Mas também pelo próprio conteúdo que esses perfis produzem, que costuma catalisar perseguições políticas."
Quando atuam de maneira anônima, perfis como o @jairmearrependi estão menos vulneráveis a perseguições políticas ou assédio judicial. "Nesse caro, porém, Ciro Gomes pediu não apenas a retirada do material, mas a revelação da identidade num esforço claro de intimidação via assédio judicial de perfis anônimos como instrumento de militância política", aponta Rossatto.
Perfil anônimo
O perfil @jairmearrependi foi criado no início do governo Bolsonaro com o intuito de compilar manifestações de eleitores do presidente que teriam se arrependido do seu voto.
Ao longo dos últimos quatro anos, as postagens perderam o caráter de coleção de declarações de descontentamento com o governo. O perfil tornou-se um dos mais influentes na rede por criticar as ações de Bolsonaro e analisar informações fatos e personagens do governo.
Durante a CPI da Covid, por exemplo, o perfil municiou senadores da oposição com informações coletadas nos meses anteriores. O trabalho de "Jairme", como o perfil é conhecido, e de outros perfis, como Tesoureiros do Jair, foi reconhecido diversas vezes na própria CPI. Os senadores Renan Calheiros e Randolfe Rodrigues interagiam com os perfis e usavam sua argumentação durante os interrogatórios a membros do governo.
O Brasil de Fato entrou em contato via mensagem direta do Twitter com o perfil @jairmearrependi, mas não teve resposta. Em post divulgado no dia 17 de setembro, afirmou que tem bom convívio com o candidato, mas que a paródia visual e a sátira são comuns no processo eleitoral.
— In loving memory of JaIrme (@jairmearrependi) September 17, 2022
Veja a repercussão sobre a decisão:
Pouca gente sabe o que a gente passou nesses anos de militância anônima. Teve tentativa, sim, de bolsonarista descobrir quem a gente era. Tentaram pedir dados na justiça. Perderam. Gente ligada ao governo fazendo doxxing. Não conseguiram por incompetência
E aí veio o @cirogomes
— tesoureiro (@tesoureiros) September 23, 2022
Jairme @jairmearrependi abriu perfil logo após a eleição de Bolsonaro.
A genialidade da criadora esteve ativa no Twitter nesses quatro anos.
Hoje, penúltima sexta-feira antes das eleições, Jairme está nos trending topics. Campanha de Ciro quer expor sua identidade. #freejairme— Debora Diniz (@Debora_D_Diniz) September 24, 2022
Jairme @jairmearrependi abriu perfil logo após a eleição de Bolsonaro.
A genialidade da criadora esteve ativa no Twitter nesses quatro anos.
Hoje, penúltima sexta-feira antes das eleições, Jairme está nos trending topics. Campanha de Ciro quer expor sua identidade. #freejairme— Debora Diniz (@Debora_D_Diniz) September 24, 2022
Em 2020, fomos expostos por uma decisão judicial e no mesmo dia as nossas famílias receberam as primeiras ameaças. Hoje, @jairmearrependi está prestes a ser revelada da mesma forma, em meio a uma eleição marcada pela violência.
Toda solidariedade a @jairmearrependi!✊🏽#freejairme
— Sleeping Giants Brasil (@slpng_giants_pt) September 24, 2022
Recebo com serenidade a decisão da justiça que negou e pedido de @cirogomes para que eu excluísse das minhas redes uma postagem.
Por outro lado recebo com muita preocupação que no mesmo processo foi determinada a quebra de sigilo de @jairmearrependi.#freejairme
— Augusto de Arruda Botelho 4️⃣0️⃣0️⃣4️⃣ (@augustodeAB) September 24, 2022
É completamente inaceitável que a campanha do Ciro Gomes esteja pedindo que o Twitter revele a identidade de @jairmearrependi por causa de um FILTRO DO TWITTER! #freejairme
— Clara Matheus (@claramatheus) September 23, 2022
❗️ #freejairme
Por causa de um filtro aplicável nas imagens de perfil aqui do Twitter – este site – o TSE determinou que seja sustado o uso do filtro "Prefiro Lula 13".
A decisão também determinou a identificação do/da responsável pelo perfil @jairmearrependi.
— Camarote da República (@camarotedacpi) September 23, 2022
Perdi empregos, perdi freelas, fui ameaçado de morte, tive meus dados expostos nas redes, processado.
Então, antes de julgar quem faz esse tipo de ação aqui no anonimato, como diversos perfis de comunas, entenda que cada um sabe onde o calo aperta. #freejairme
— Camarada Hidalgo (@CamaradaHidalgo) September 24, 2022