Os Estados Unidos estão em uma verdadeira encruzilhada política com a possível greve dos ferroviários que pode descarrilar a maior economia do mundo. Em 15 de setembro, mais de 100 mil trabalhadores das ferrovias estadunidenses ameaçaram paralisar seus trabalhos. Reivindicando melhores condições e ajustes salariais, os funcionários e seus sindicatos organizaram uma mobilização somente comparável a de 1992, conforme relembrou à reportagem do Brasil de Fato o professor da USC Marshall Business School, Shon Hiatt.
"No começo da década de 1990 houve uma movimentação muito semelhante, mas o Congresso agiu com força e rapidez para proibir a greve", diz o pesquisador, "dessa vez a gente não viu o Congresso atuar por conta das eleições – faltam poucos dias para os americanos irem às urnas, e esse Congresso dividido não quer se posicionar".
A administração do presidente Joe Biden, porém, não ficou alheia à ameaça de uma greve dessas proporções e pessoas ligadas à Casa Branca agiram como interlocutores. Foram mais de 20 horas de negociações para conseguir evitar o pior – por enquanto.
"O que aconteceu é que os sindicatos receberam termos provisórios, onde fica estabelecido um aumento imediato de 14%, além de um reajuste salarial de 24% até 2024. Agora é a fase de eles [os sindicatos] considerarem esses termos e votarem sim ou não. Independentemente da decisão, o que ficou estabelecido é que não haverá nenhuma greve antes das eleições. Ou seja, a possibilidade da greve existe, ela só não vai acontecer antes dos americanos irem às urnas", explicou Hiatt.
A economia dos EUA, já fragilizada pela inflação de mais de 8%, pode sofrer um baque difícil de se recompor caso isso aconteça. "Um terço de toda a cadeia de suprimento dos Estados Unidos passa pelas ferrovias", acrescenta o professor.
Segundo levantamento da Associação Americana das Ferrovias, a paralisação dos ferroviários poderia custar US$ 2 bilhões por dia aos cofres públicos já que não há caminhões ou motoristas de caminhão suficientes para movimentar os contêineres ferroviários, de acordo com o relatório. Seria necessário adicionar 467 mil caminhões de longa distância por dia para lidar com o frete, o que é virtualmente impossível.
Embora toda a cadeia de suprimento seja impactada, a gasolina seria o item que mais sofreria com a paralisação. "A agência nacional estipulou que a gasolina americana precisa ter uma certa mistura de etanol, e o etanol, nos Estados Unidos, é única e exclusivamente transportado em trens, então você já sabe o que vai acontecer, caso a greve aconteça", avalia o professor da USC.
Apesar das previsões catastróficas, Hiatt acha que ainda não há razões para pânico. "Não acredito que a greve seja duradoura, porque a pressão seria muita – da sociedade, da classe política e do empresariado", diz ele.
Quando questionado sobre a greve dos caminhoneiros no Brasil, Hiatt acha que não há nenhum motivo para comparações. "Acho que o que tem motivado a força sindical nos Estados Unidos é basicamente a inflação, porque os salários não estão acompanhando a valorização real do dólar, daí o descontentamento geral, e no Brasil a história e o contexto eram completamente diferentes", explica.
A única linha cruzada com o que aconteceu no Brasil e com o que acontece nos Estados Unidos talvez seja no campo político – onde (quase tudo) começa e termina. "O que estamos vendo aqui [nos EUA], é uma grande reformulação política ao redor deste tema. Os líderes sindicais apoiam o Partido Democrata, mas os trabalhadores estão votando nos republicanos. Então agora vemos uma mudança na postura e no discurso de senadores e deputados de ambos os partidos, que ora apoiam os sindicatos, ora se colocam contra. Vai ser interessante ver qual rumo os Estados Unidos vão trilhar".
Edição: Thales Schmidt