O engenheiro Carlos Rocha, presidente do Instituto Voto Legal (IVL), organização contratada pelo PL para a elaboração de um documento que faz alegações falsas sobre o sistema de votação brasileiro, fez uma reunião na Presidência da República em agosto, pouco mais de um mês antes da divulgação do material.
O encontro ocorreu por meio de vídeo-conferência e contou com a participação de representantes do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), autarquia federal vinculada a Casa Civil da Presidência da República. O Brasil de Fato localizou, no site do órgão, uma imagem com o registro da reunião, ocorrida em 4 de agosto deste ano.
Criado em 2001, o ITI não tem qualquer ligação com temas eleitorais ou com o sistema de votação brasileiro. O órgão ligado à Presidência tem como objetivo administrar, manter e auditar a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), que viabiliza emissão de certificados digitais. A relação entre a autarquia presidencial e o IVL liga Bolsonaro, chefe do Executivo, ao documento com teor golpista.
À época da reunião com o órgão ligado ao Palácio do Planalto, o IVL já havia sido contratado pelo PL para realizar uma auditoria das urnas eletrônicas. O encontro não consta na agenda oficial, tampouco foi divulgado nos canais oficiais pelo ITI ou pela própria Presidência. A reportagem questionou o governo federal sobre o assunto, mas não houve resposta.
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Segundo o TSE, "as conclusões do documento intitulado 'resultados da auditoria de conformidade do PL no TSE' são falsas e mentirosas, sem nenhum amparo na realidade, reunindo informações fraudulentas e atentatórias ao Estado Democrático de Direito e ao Poder Judiciário, em especial a Justiça Eleitoral, em clara tentativa de embaraçar e tumultuar o curso natural do processo eleitoral".
Apesar de apócrifo (sem assinatura), o relatório, considerado pelo TSE como mentiroso, tem a seguinte informação: "A equipe técnica do IVL foi contratada pelo PL para realizar a fiscalização de todas as fases da votação, apuração e totalização dos resultados da eleição, como estabelece a Lei Eleitoral 9.504/1997".
Chamado de "Resultados da Auditoria de Conformidade do PL", o parecer que veio a público nesta quarta-feira afirma haver um "quadro de atraso" no TSE em relação a "medidas de segurança da informação", o que geraria "vulnerabilidades relevantes". Segundo o documento, essas falhas podem "resultar em invasão interna ou externa nos sistemas eleitorais, com grave impacto nos resultados das eleições de outubro".
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Dono do IVL teve viagens pagas pelo governo
Em junho, o Brasil de Fato mostrou que Carlos Rocha, presidente do IVL, teve duas viagens "urgentes" pagas pelo governo federal. As informações foram localizadas no Portal da Transparência. A organização contratada pelo partido de Bolsonaro foi cadastrada na Receita Federal em novembro de 2021. As viagens com dinheiro público ocorreram pouco antes, em 27 e 30 de julho de 2021.
Depois da publicação da reportagem, em junho, a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados aprovou um requerimento para a convocação do o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Paulo Alvim.
A reunião foi solicitada pelo deputado Leo de Brito (PT-AC) para ouvir do ministro explicações sobre as viagens, pagas pelo governo federal, feitas pelo presidente do Instituto Voto Legal. Antes da reunião, no entanto, o PL retirou o pedido de credenciamento do IVL junto ao TSE. A convocação de Alvim, por isso, foi cancelada.
As digitais do astronauta
Nos dois casos em que teve passagens pagas pelo governo, Carlos Rocha foi à Brasília e voltou para São Paulo no mesmo dia. A justificativa oficial das viagens do presidente do IVL foi sua participação em audiências com o então ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia). Nos dois casos, porém, as reuniões não constam na agenda oficial do ex-astronauta.
Em entrevista concedida à CNN Brasil na noite de quarta-feira (28), Rocha disse que foi indicado ao PL justamente por meio de Marcos Pontes. "Em um determinado momento (março de 2022), nós recebemos uma ligação do presidente do PL. Depois eu descobri que ele ligou porque nós fomos recomendados pelo astronauta, pelo ministro Marcos Pontes", afirmou.
Procurada, a Presidência da República não respondeu se Carlos Rocha se encontrou com o presidente. O tema e os participantes do encontro entre Marcos Pontes e Bolsonaro também não constam na agenda presidencial. A reportagem questionou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação sobre as viagens de Rocha pagas com dinheiro público. No entanto, não houve resposta.
A primeira viagem de Carlos Rocha teve custo total (considerando a soma do preço de passagens e diárias) de R$ 3.699,53 e a segunda, de R$ 3.988,41. As passagens foram consideradas como "urgentes" pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
As duas visitas de Carlos Rocha a Brasília ocorreram poucos dias antes da votação na Câmara dos Deputados, em 10 de agosto de 2021, que rejeitou a aprovação da PEC do voto impresso, que contava com o apoio de Bolsonaro e de sua base aliada. À época, o engenheiro fez uma série de aparições em transmissões ao vivo nas redes sociais e debates organizados por veículos de extrema direita e bolsonaristas, como as deputadas federais Carla Zambelli (PL-SP) e Bia Kicis (PL-DF).
Edição: Nicolau Soares