A América Latina, e em especial a Argentina, está de olho na eleição brasileira. Em um ano prévio às suas próprias eleições presidenciais, o país vizinho tem no Brasil uma expectativa de alinhamento político, além de ser um de seus principais sócios comerciais. Entre dirigentes sindicais, partidos políticos e organizações sociais há um horizonte comum: que o resultado das urnas será decisivo para a região.
Estima-se que a Argentina tem cerca de 82 mil brasileiros residentes e o maior número de eleitores na região aptos para votar fora do país. Mais de doze mil brasileiros poderão ir às urnas nos cinco locais de votação em todo o território argentino.
A organização política mais expressiva dos estrangeiros no país é representada pelo Núcleo do PT da região, localizada em Buenos Aires, que reuniu centenas de pessoas no encerramento da campanha em La Plata, no último sábado (24). O ato contou com a presença do governador da província, Axel Kicillof, da coalizão governista Frente de Todos (FdT), que destacou os feitos de Lula (PT) pelo Brasil e pela região em seus anos de governo.
El pueblo brasileño ama a @LulaOficial por lo que él hizo por Brasil. Nosotros lo queremos por lo mucho que hizo por nuestro país y Latinoamérica. Por su acompañamiento y apoyo a Néstor y Cristina. pic.twitter.com/DaUbuE08cj
— Axel Kicillof (@Kicillofok) September 24, 2022
Impacto regional
Com eco das recentes eleições do Chile e Colômbia, um governo progressista também no Brasil seria uma via direta de diálogo e possibilidade de intercâmbio com o atual governo argentino.
O cientista político Facundo Cruz, integrante do Centro de Investigación para la Calidad Democrática (CICaD), na Argentina, destaca duas dimensões do resultado da eleição do Brasil que podem ter impacto regional. "Uma vitória de Lula seria importante para as forças progressistas do campo popular na América Latina, principalmente com uma vitória no primeiro turno. Não apenas por ser um dos construtores da centro-esquerda na região na primeira década de 2000, mas também porque seria uma vitória sobre a força da extrema direita, que mudou por completo a política brasileira", afirma.
“Em termos econômicos também seria importante para a região porque, em termos de agenda de campanha de Lula, há uma agenda que põe alguma relevância no espaço de integração regional, como o Mercosul, e de diálogo entre países que formam parte da comunidade econômica próxima à região andina, algo que foi ignorado por Jair Bolsonaro”, pontua Cruz.
Para a Argentina, o impacto seria principalmente simbólico e político de afinidade entre os dirigentes, considerando uma vitória de Lula. "A FdT [coalizão do presidente Alberto Fernández] veria com bons olhos uma vitória de Lula, e isso pode chegar a impulsionar o entusiasmo para a eleição argentina do ano que vem", diz o cientista político.
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"Há uma expectativa muito grande para a eleição de domingo", reforça Hugo Yasky, deputado federal pela Frente de Todos e Secretário-geral da Central dos Trabalhadores da Argentina (CTA). "É uma possibilidade de recompor a unidade da Pátria Grande, privilegiando os interesses dos nossos povos, e isso se traduz na possível vitória do candidato Lula. O triunfo de Lula pode ser uma grande esperança para todos os governos da América Latina que estão tentando sair dos mandatos impostos pelos grupos financeiros e econômicos concentrados", afirma.
Neste sentido, a moeda regional única é uma das propostas levantadas por Lula que se alinha ao atual governo peronista. "A América Latina precisa recuperar a possibilidade, pensar em uma sociedade regional entre nossas nações, como ter uma moeda comum, e através do financiamento que garanta a possibilidade de intercâmbio comercial e com medidas que potencializem as possibilidades para nossos próprios povos."
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O presidente argentino Alberto Fernández já declarou seu apoio a Lula e chegou a visitar o petista na prisão, em 2019. A poucos dias do pleito, o presidente argentino sinalizou para o candidato petista no último dia 20, em uma conferência realizada na Universidade The New School, em Nova Iorque.
"Viemos falando há muitos anos, e também com o governo atual do Brasil, sobre a ideia de estarmos integrados em uma moeda comum", disse Fernández. "Se os resultados eleitorais no Brasil ocorrerem como previsto nas pesquisas, podemos ter uma linha muito mais simples de comunicação e de trabalho entre México, Brasil e Argentina."
Derrotar o fascismo
O campo progressista em oposição ao peronismo também concentra atenções no pleito de domingo. Há uma preocupação com a ascensão mundial da extrema direita, e as ações de grupos liderados por políticos com discursos violentos, como foi o caso do recente atentado contra a vice-presidenta Cristina Kirchner.
"Há uma marcada polarização social e política nos distintos lugares do mundo onde existem expressões de direita", afirma Cele Fierro, do partido de esquerda Movimiento Socialista de los Trabajadores (MST). "Devemos considerar isso e atuar para que não sigam crescendo nem avançando com seu programa."
O jornalista argentino Gerardo Szalkowicz, atualmente no Rio de Janeiro para a cobertura da eleição, destaca que, mesmo imerso em uma conjuntura local turbulenta, há uma especial atenção da Argentina sobre o Brasil.
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"O experimento Bolsonaro no Brasil é um aspecto ao qual toda a região está atenta. Essa naturalização da violência e do ódio, do fascismo que se instalou no Brasil, vemos crescer também em outros países", destaca. "É uma extrema direita muito violenta, com muito ódio, que apela a artimanhas antidemocráticas, racistas, misóginas, antimigrante, e com muita incidência."
Em 2018, a Argentina foi um dos poucos países em que Bolsonaro foi derrotado nas urnas internacionais. O então candidato pelo PT, Fernando Haddad, ganhou por cinco pontos percentuais, com 49% dos votos válidos, enquanto Bolsonaro recebeu 44% dos votos dos brasileiros que votaram na Argentina.
Edição: Thales Schmidt