Ceará, São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco são os estados onde o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), por meio de cinco candidaturas para cargos legislativos, participa da corrida eleitoral de 2022. A opção por não disputar cargos institucionais foi a tônica do movimento de 1997, quando foi fundado, até 2018, quando Guilherme Boulos (PSOL), uma de suas lideranças, foi lançado como candidato à presidência do Brasil.
Desta vez, o MTST amplia os postulantes a cadeiras institucionais, todos pelo PSOL. Boulos por São Paulo e Claudia Ávila pelo Rio Grande do Sul são candidatos à Câmara dos Deputados. Disputando vagas em Assembleias Legislativas estaduais estão Leo Suricate no Ceará, Jo Cavalcanti em Pernambuco e Ediane Maria em São Paulo.
"Em 2018, aquilo que o Temer (MDB) tinha feito de retrocessos ao povo trabalhador e que já era assombroso, ganhou ares de tragédia geral com a possibilidade de ascensão de Bolsonaro (PL)", afirma Edson Luiz, do coletivo Raiz da Liberdade do MTST. Diante deste cenário, conta ele, o movimento tomou a decisão de "participar do jogo político institucional como protagonista".
Em Pernambuco, Jo Cavalcanti, do MTST, foi eleita co-deputada estadual em 2018 em uma chapa coletiva e tenta, agora, a reeleição. Nas eleições municipais de 2020 outra chapa coletiva, sob o nome "Juntas mulheres sem-teto" concorreu para a Câmara Municipal de São Paulo, mas não conseguiu votos suficientes.
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Citando o orçamento secreto e as bancadas da bíblia, da bala e do boi, Edson Luiz avalia que os interesses empresariais e conservadores sempre foram bem representados no Congresso Nacional. "Por que não termos uma bancada de sem-teto? Do povo? De pretos e pretas? Que represente a comunidade LGBTQIA+? As mulheres? Então foi nessa linha o pensamento de termos nossas próprias representações na política".
O foco dos sem-teto na disputa eleitoral, diz Edson, é o de "fazer política que integre população - toda a população, e não apenas um grupo de homens brancos".
Representatividade
Ediane Maria, aos 38 anos, é coordenadora do MTST e candidata a deputada estadual por São Paulo. Ela conta que sua trajetória reflete a de muitas mulheres negras, nordestinas e trabalhadoras domésticas cuja representação nas instâncias de poder estatal é pífia.
Quando entrou em uma ocupação do MTST pela primeira vez, o que lhe chamou atenção foram as cozinhas coletivas, o "coração" da comunidade, sob responsabilidade principalmente de mulheres. "Chegando lá, vi pessoas como eu. Que moravam de aluguel, de favor, que estavam para ser despejadas. São essas pessoas que se formam militantes e começam a organizar a luta", relata.
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"Eu entrei pela minha moradia, como todo mundo", narra Ediane. Mas ao chegar, diz ela, "você entende que não adianta ter sua moradia se não tiver acesso à saúde, a ensino de qualidade, a um trabalho digno. É aí que você desperta uma consciência".
"Também sou vítima do quarto da empregada"
Sendo a sétima de oito irmãos, Ediane nasceu em Floresta, cidade do sertão de Pernambuco. Aos 18 anos, quando estava no último ano do magistério, se mudou para São Paulo, pensando em se tornar professora, psicóloga ou médica. Não foi o que encontrou.
"Acabou que fui cuidar de casa, ser babá, ser cozinheira, o office boy, virei tudo, né? Eu também sou uma das vítimas do quarto da empregada", sintetiza. "O que me esperava em São Paulo era um quarto que cabia uma cama de solteiro e se eu quisesse ver a rua eu tinha que subir na cama e olhar pelo vitrô".
Na parede do quartinho abafado, ela pendurou fotos pessoais. Quando a angústia batia, se refugiava nelas. "É que em cidade pequena", explica, você é "filha do canoeiro", "de Raimunda", "é irmã de Gilso" – você tem uma identidade. E em São Paulo, você chega e vira mais um no meio da multidão".
E foi justamente sendo mais uma numa multidão, a da fila do leite – do programa estadual paulista de distribuição gratuita do produto – que, buscando alimento para os quatro filhos que criou só, Ediane encontraria algo mais. Era setembro de 2017.
"O tempo do pobre não tem valor nenhum. Você está ali numa fila, é tratado muitas vezes como animal, as pessoas às vezes querem te enganar, tirar o mínimo", se indigna. A gota d’água desse sentimento veio num dia em que, por conta da chuva, a fila estava pequena e o leite sobrou. Mesmo com o estoque tão abundante quanto a necessidade das pessoas que estavam ali, a princípio se manteve a distribuição de só um litro para cada.
Ediane questionou, reorganizou a fila, lamentou quem não se animou a reivindicar junto - "essa coisa do ser servil, né?" - e conseguiu que todo mundo voltasse para casa com mais leite. Observando a movimentação, uma mulher da fila lhe sorriu: "Você gosta de brigar, né? Vou te levar num lugar".
Subiram juntas até o pico do morro de Sítio das Vianas, bairro de Santo André, região metropolitana de São Paulo. "Está vendo lá embaixo, Ediane, aqueles prédios?", apontou a mulher. "Vou conquistar minha moradia ali".
Apresentada ao movimento sem-teto, não saiu mais. "Então é lá que começo a entender, a me organizar. Vi uma mulher, Andreia Barbosa, organizando uma das maiores ocupações da América Latina, com 12 mil famílias. E eu era uma delas. Virei coordenadora, virei 'Pompom', virei 'Leãozinho', virei Ediane Maria. Eu virei alguém."
Bandeiras dos sem-teto
As principais reivindicações dos candidatos do MTST ao Legislativo são: defesa da moradia; políticas de acesso e permanência estudantil nas universidades; ampliação de equipamentos públicos e programas educacionais por igualdade racial e de gênero e auxílio de um salário mínimo para trabalhadores desempregados.
"Com a pandemia", avalia Edson Luiz, "o massacre ficou escancarado. Cerca de 700 mil vidas perdidas, 33 milhões de pessoas passando fome, desemprego acima de dois dígitos, milhares de famílias sem-teto".
"Somos nós que morremos de fome, de bala, de desemprego. De falta de políticas públicas. Então não dá mais para a gente ficar fora desses espaços", diz Ediane, ao finalizar: "Estou muito esperançosa".
Edição: Thalita Pires