Apesar da prática ser inconstitucional, o número de políticos donos ou envolvidos com propriedades familiares de mídias cresce a cada eleição. Segundo um levantamento do Intervozes, 45 candidatos representam esse setor nas eleições de 2022. Dezoito candidatos a deputado federal, treze a deputado estadual, 6 ao Senado e 1 a suplência do Senado, 5 ao cargo de governador e 2 de vice-governador. Das candidaturas analisadas, a maior parte são homens (38), brancos (33) e milionários (33).
O artigo 54 da Constituição Federal é taxativo sobre a incompatibilidade entre a atividade parlamentar e a propriedade de concessões de mídia. Isso porque empreendimentos que explorarem concessões públicas estão sujeitos a conflitos de interesses ao serem geridos por agentes públicos. Entretanto, campanhas de donos da mídia continuam acontecendo em pelo Brasil.
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De acordo com José Godoy Bezerra de Souza, procurador da república membro do Ministério Público Federal na Paraíba, “essa prática continua existindo, em primeiro lugar, porque esses deputados dentro do congresso nacional fazem Lobby para receber as concessões. Em segundo lugar, eles ainda têm a estratagema, a fralde de colocar essas concessões em nome de parentes, os chamados laranjas, ou até de aliados diretos, chamados de testa-de-ferro”.
José Godoy afirma que o Ministério das Comunicações nunca cumpriu seu papel de fiscalizar e caçar as concessões que estão sendo desvirtuada. “Em vez de ser uma concepção que trabalhe, que existe, que tem sua razão de ser no direito à comunicação adequada, ela existe, reside, tem sua razão de ser nos interesses daquele grupo político, daquela família de políticos. O Ministério das Comunicações atuou nesse tempo todo como um mero cartório e nunca como órgão fiscalizador. A única fiscalização que faz é por meio da Anatel em cima de rádios comunitárias, lamentavelmente”.
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Ceará
No Ceará, três candidatos donos da mídia disputam uma vaga no congresso nacional: Aníbal Ferreira Gomes (PSDB), Domingos Neto (PSD) e Fernanda Pessoa (União Brasil). Os dois primeiros tentam a reeleição como Deputados Federais, enquanto Fernanda Pessoa busca uma vaga no Congresso Nacional após três mandatos na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará. A tríade figura como sócio em três rádios: rádio difusora do Vale do Acaraú, FM Rio Jaguaribe (que consta com situação cadastral “baixada”) e Rádio Planalto de Maracanaú, respectivamente.
Aníbal Gomes é de família de políticos, tanto do lado materno, como paterno; é irmão do deputado estadual Manuel Duca (eleito pelo PRB-CE, hoje do PROS) e marido da ex-vice-prefeita de Acaraú (CE) Rossana Borborema. Foi deputado federal nas quatro legislaturas anteriores, pelo PMDB e pelo PSDB (1999-2003). Também foi prefeito pelo PMDB do município cearense de Acaraú (1989-1993). Foi eleito deputado federal em 2014 pelo PMDB. A atual candidatura do deputado para a Câmara Federal foi barrada e encontra-se indeferida.
Fernanda Pessoa é filha de Roberto Pessoa (PSDB), atual Prefeito de Maracanaú, tendo sido deputado estadual e deputado federal por quatro mandatos. Foi Prefeito de Maracanaú por dois mandatos, sendo eleito novamente em 2020 para o mandato 2021- 2024. Além do seu pai e tio paterno, que foi deputado federal, seu avô e tios maternos sempre fizeram política e exerceram mandatos no município de Aracati. Tanto Aníbal quanto Fernanda se dedicam além da carreira política à agroindústria e à agropecuária.
Já Domingos Neto é filho do ex-vice-governador cearense Domingos Filho e da ex-prefeita de Tauá, Patrícia Aguiar. A irmã Gabriella Aguiar estreia nestas eleições disputando uma vaga na AL-CE pelo mesmo partido de Domingos.
Tâmara Terso, jornalista e pesquisadora associada ao Coletivo Intevozes, que coordenou a pesquisa 'Donos da Mídia nas eleições 2022', explica que o processo de monitoramento não só do Ceará, mas de todo o Brasil foi desgastante por ter que conviver e assistir os programas policialescos.
“A gente vê o nível de decadência que o jornalismo brasileiro tem se tornado, sobretudo, os programas policialescos. Por exemplo, no Ceará, se a gente juntar os donos de mídia, os apresentadores de policialescos e influenciadores, a gente tem treze candidatos que estão protagonizando esses postos e usando a mídia para fazer campanha política e para também violar os direitos humanos." Para ela, os meios de comunicação e os comunicadores possuem um papel importante nesse debate. “A gente tem falado que muitos jornalistas, comunicadores populares precisam também estar atentos as propriedades das quais eles trabalham”.
Tâmara acredita ser possível mudar essa realidade, mas que ela só muda com vontade política. “A gente está em um momento decisivo do Brasil que são as eleições. Hoje, legalmente, pela Constituição Federal, quem emite as outorgas de radiodifusão, quem aprova as contas para renovação dessas concessões que são públicas é o Congresso Nacional, então nós precisamos eleger candidatos comprometidos com a democratização da comunicação, comprometidos com uma política de mídia que, de fato, reverbere e demonstre a diversidade brasileira, que barre esses excessos, porque são excessos”.
José Godoy afirma que esses levantamentos feitos pelo Intervozes e por outras organizações são importantes pelo fato de serem organizações que lutam pelo direito à comunicação. “Essa mistura de político com o sistema de comunicação tem afetado muito a democracia e também um direito à comunicação adequada. Então são organizações que lutam pelo direito à comunicação e que fazem o seu papel para que esse direito não seja tão desvirtuado como acontecendo”.
Mais informações sobre o levantamento da pesquisa Donos da Mídia nas Eleições 2022, feito pelo Intervozes, acesse aqui.
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Fonte: BdF Ceará
Edição: Camila Garcia