Coluna

Como o comércio internacional pode atuar a favor ou contra o Brasil sob Lula e Bolsonaro

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Área desmatada na Amazônia - Vinicius Mendonça/ Ibama
O plano apresentado por Bolsonaro insistiu em negar o isolamento diplomático que se impôs ao Brasil

* Por Lourraine Milagres, Mikael Servilha e Thais Venancio.

Uma agenda para o comércio internacional é parte de qualquer política externa e econômica de um governo. Decisões sobre aumento ou diminuição de alíquotas de importações, adesão a certos círculos internacionais e tomada de posição em negociações internacionais, entre outras, impactam toda dinâmica de uma sociedade. As escolhas sobre política comercial podem determinar o que um país produz e/ou deixa de produzir, o que as pessoas consomem e/ou deixam de consumir, o que o governo arrecada ou deixa de arrecadar. A participação ou não em acordos de comércio tem impactos diretos no espaço regulatório do país e políticas públicas necessárias para o bem-estar social e o desenvolvimento nacional. Isso sem falar dos impactos ambientais e sobre direitos humanos que podem ocorrer em razão de diversos compromissos de livre comércio. Examinamos os planos de governo dos candidatos à presidência do Brasil e trazemos aqui uma análise dos caminhos de inserção no comércio internacional propostos por Bolsonaro e Lula.

Atender ao aprofundamento do livre comércio foi o modo prioritário de inserção internacional do Brasil escolhido por Temer e Bolsonaro. Sob o último, disciplinado transversalmente pelo impulso liberalizante do Ministério da Economia de Paulo Guedes, foi reforçada a condição do Brasil como exportador de bens primários, com o aprofundamento dos impactos sobre o meio ambiente,  a subordinação frente a atores centrais, o distanciamento de parceiros estratégicos do Sul-Global, a desindustrialização da economia e o baixo nível de renda das famílias.

Três linhas orientadoras da agenda de comércio internacional foram vistas nas propostas deste pleito, embora apenas duas cheguem ao segundo turno. Uma caracterizada por devotamente atender às prescrições neoliberais no que diz respeito ao comércio internacional. Outra propõe uma política comercial que, em certa medida, responde criticamente à subordinação em que Bolsonaro colocou o Brasil e toca em aspectos de comércio e desenvolvimento. A terceira linha propunha uma política comercial estruturalmente anti-imperialista.

A primeira linha, em que enxergamos o plano de Jair Bolsonaro, subscreve o núcleo duro da cartilha política neoliberal e aposta as fichas na liberalização da economia para o seu desenvolvimento. Estratégia essa já batida e que não alçou resultados econômicos favoráveis de modo duradouro nem com Temer e nem com Bolsonaro (nem com os que a executaram antes deles). 

Nessa linha, de modo interconectado tais propostas tendem a defender explicitamente a abertura comercial e priorizar a assinatura de compromissos para o livre comércio. Bolsonaro estabeleceu explicitamente o objetivo central da entrada do Brasil na OCDE, abraçando isso como condição necessária tanto para superar a crise econômica, quanto para gerar crescimento e favorecer a inserção internacional do Brasil.

O plano apresentado por Bolsonaro insistiu em negar o isolamento diplomático que se impôs ao Brasil, sobretudo após a derrota de Donald Trump em 2020. Ao mencionar como meta a conclusão dos acordos do Mercosul com a União Europeia e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA, sigla em inglês) - atualmente em fase de validação -,  o programa do candidato à reeleição nega o distanciamento dado pelos países da União Europeia em celebrar o instrumento com o seu governo, em especial, por conta da sua política ambiental. Bolsonaro argumenta que “dentre as vantagens do ingresso do país na OCDE será criada a possibilidade de estreitar acordos econômicos com nações que são mais desenvolvidas”. 

O plano de Lula, assim como seria o de Ciro Gomes, caso ainda estivesse na disputa, reafirma em seus programas o princípio de soberania nacional, com a defesa de um programa de desenvolvimento pautado pelo investimento público (baseado no BNDES), uma reforma sobre o regime regressivo de tributação e alteração da política de preços da Petrobras.

O que, em outras palavras, indica o contraponto à linha de redução da atuação estatal sobre a economia. Lula firma o Estado com as rédeas do desenvolvimento, retirando da abertura comercial, por exemplo, o protagonismo no processo de dinamização e crescimento da economia. Tais posições, portanto, indicam um programa para o comércio mais preocupado com o desenvolvimento e manutenção do espaço político. 

O plano do candidato do PT fala que “elevar a competitividade brasileira será uma prioridade do novo governo, que construirá medidas efetivas de desburocratização, de redução do custo do capital, de ampliação dos acordos comerciais internacionais relevantes ao desenvolvimento brasileiro”. Lula defende o aperfeiçoamento da “tributação sobre o comércio internacional, desonerando, progressivamente, produtos com maior valor agregado e tecnologia embarcada”.

Sobre as relações comerciais, Lula fala em defesa da soberania e da integração da América Latina e do Caribe “com vistas a manter a segurança regional e a promoção de um desenvolvimento integrado de nossa região, com base em complementaridades produtivas potenciais entre nossos países”. Mais do que isso, discute explicitamente o fortalecimento do Mercosul, Unasul, Celac e BRICS. Defende, também, contemplar “as necessidades e os interesses dos países em desenvolvimento, com novas diretrizes para o comércio exterior, a integração comercial e as parcerias internacionais”. 

O ex-ministro Celso Amorim afirmou também que Lula estaria disposto a revisar alguns capítulos do Acordo Mercosul-UE, reabrindo assim as negociações com o bloco Europeu. Mais recentemente, o próprio Lula disse que, sendo eleito, deve chegar a um acordo com a União Europeia dentro de seis meses. A comparação das propostas, em síntese, aponta a agenda de Bolsonaro fechada com a receita neoliberal, enquanto Lula aponta alternativas para o desenvolvimento sem subordinação.

*O OPEB (Observatório de Política Externa Brasileira) é um núcleo de professores e estudantes de Relações Internacionais da UFABC que analisa de forma crítica a nova inserção internacional brasileira, a partir de 2019. Leia outras colunas.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Thales Schmidt