Após as declarações e articulações do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que apontam para a possível análise de uma proposta que limita a divulgação de pesquisas eleitorais, o Brasil de Fato procurou ouvir especialistas a respeito do impacto de uma medida dessa natureza e das balizas impostas pela legislação para esse tipo de norma.
Depois dos resultados das eleições de primeiro turno no último domingo (2), veio à tona o Projeto de Lei (PL) 2567/2022, apresentado na quinta-feira (6) pelo líder do governo Bolsonaro na Casa, Ricardo Barros (PP-PR), que busca criminalizar erros e imprecisões dos institutos quando as projeções por eles feitas não forem semelhantes aos resultados revelados pelas urnas.
Entre outras coisas, Barros chega a propor pena de até dez anos de prisão para quem divulgar pesquisas com erros. A polêmica ganhou os holofotes especialmente depois do resultado final do pleito para presidente da República, em que a diferença entre Lula (PT) e Bolsonaro (PL) ficou apenas em 5,23% – as últimas pesquisas antes do pleito indicavam distâncias maiores entre eles. Também houve outros resultados surpreendentes na corrida no âmbito dos estados, como em São Paulo, Ceará e Distrito Federal.
Segundo declarações dadas por Lira, a ideia é aprovar o PL já na próxima semana, embora ainda não esteja claro no cenário político o nível de apoio das diferentes bancadas à proposta. Com o pleito de 2022 em andamento, os parlamentares continuam com a agenda do Legislativo desacelerada e têm se dedicado prioritariamente às articulações políticas nas suas bases.
Para o pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Danilo Morais, também professor da pós-graduação em Direito do Ibmec, faculdade sediada na capital federal, é duvidoso que o PL alcance de fato uma aprovação no atual cenário.
“Acho muito improvável. O tema reúne uma controvérsia muito relevante e o Congresso, no contexto da disputa eleitoral do segundo turno, não costuma ter capital político pra empenhar nesse tipo de discussão divisiva. E acho que, ainda que a matéria tenha muita probabilidade de aprovação na Câmara dos Deputados, ela vai encontrar evidente resistência no Senado”, analisa, ao observar a menor fertilidade que a gestão Bolsonaro tem encontrado na Casa liderada por Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Prazo
Morais esclarece que, em um eventual caso de aprovação do PL, as novas normas não poderiam ser adotadas ainda neste pleito. Isso por conta do chamado “princípio da anterioridade eleitoral”, previsto no artigo 16 da Constituição Federal. “A Constituição diz que todas as regras que interferem no processo eleitoral, pra terem vigência nesse processo, têm que ser aprovadas um ano antes.” O Supremo Tribunal Federal (STF) já fixou inclusive o entendimento de que o trecho constitui cláusula pétrea da Carta Magna, ou seja, não pode sofrer alterações.
O pesquisador destaca ainda que o objetivo do PL fere ditames constitucionais. “Especialmente em função do direito constitucional à livre expressão, cujo desdobramento do ponto de vista das pesquisas é a liberdade de ensinar, de informar e de pesquisar. Nesse contexto, a restrição a essa liberdade é incompatível com o regime constitucional brasileiro”, explica.
Ele chama atenção também para o fato de o PL dialogar com a ideia de censura prévia. Entre outras coisas, Lira e aliados pretendem vetar a divulgação de pesquisas nos últimos 15 dias antes das eleições. “Se o direito constitucional brasileiro admite, em circunstâncias muito excepcionais, a censura judicial posterior a determinados conteúdos que resultem em crimes contra a honra, do ponto de vista da divulgação prévia, o Estado não pode estabelecer nenhum tipo de censura prévia. E, nesse contexto, esse PL me parece que culminaria nessa vedação constitucional”, traduz.
O professor frisa ainda que a censura prévia não diz respeito só à liberdade de imprensa, “mas sim à liberdade de expressão no sentido amplo, incluindo inclusive a liberdade de pesquisa, liberdade de cátedra, liberdade de informar”. “Do ponto de vista contextual, é uma liberdade muito mais ampla do que a própria liberdade de imprensa.”
Atropelos
O cientista político João Feres Júnior, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), vê o PL com desconfiança. “Toda iniciativa de legislar assim no final de uma legislatura é um pouco de golpe, ainda mais num assunto que diz respeito à eleição. Não que a gente não precise de regulação dos institutos. Eu acho que é necessário ter regulação. Tem algumas coisas que deveriam ser reguladas e não são. Agora, eu acho que o momento em que estamos não é hora pra fazer isso. Tem que esperar passar a eleição”, defende.
O professor teme um debate que atropele as delicadezas que envolvem o tema. “Precisamos entender que a própria metodologia nos ensina que às vezes eles [os institutos] erram mesmo. Faz parte da metodologia. É sempre uma estimativa passiva de erro. Quando se diz que uma pesquisa tem 95% de confiabilidade, isso quer dizer exatamente que, se você tentar 100 vezes, em 95 delas vai dar certo, mas em cinco vezes não vai dar. Mas isso faz parte”, pondera o pesquisador.
Entre os pontos mais destacados que agora atravessam o debate a respeito de uma rígida regulação para os institutos, está a possibilidade de punição para quem divulgar levantamentos com dados acima da margem de erro em relação ao resultado final revelado pelas urnas. Nesse caso, a penalidade a ser deliberada pelos parlamentares recairia sobre pesquisas divulgadas em até 15 dias antes das eleições.
Feres, que coordena o site Manchetômetro – projeto ligado ao Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (Lemep) que acompanha a cobertura da grande mídia sobre temas de economia e política –, acredita que há “maneiras mais inteligentes” de se regular a atividade dos institutos de pesquisa.
“Um critério interessante, por exemplo, seria dizer que empresas que trabalham pra campanhas de candidatos não podem fazer divulgação pública de pesquisa. Então, a empresa que trabalha pro candidato ‘X’ não poderia ser a mesma que sai na capa dos jornais falando isso ou aquilo a respeito de como está a disputa”, sugere.
Foi o que ocorreu, por exemplo, com o Paraná Pesquisas. Segundo denúncia revelada pelo jornal Folha de S. Paulo no último dia 19, o instituto recebeu, na pré-campanha, um montante de R$ 2,7 milhões do PL, sigla do presidente Jair Bolsonaro. Na transação, foi utilizada verba do Fundo Partidário e, de acordo com as apurações do veículo, a entidade ainda mantém um contrato de R$ 1,6 milhão com o governo.
Ao longo da corrida eleitoral do primeiro turno, o Paraná Pesquisas divulgou projeções que, no comparativo com os levantamentos de outros institutos, eram mais generosas para o presidente Jair Bolsonaro do que os cálculos apontados pelos demais. “Esse é um tipo de caso em que deveria ser proibida a divulgação de pesquisas porque existe aí, a meu ver, um claro conflito de interesses”, avalia João Feres Júnior.
Encaminhamentos
Entre uma polêmica e outra, os parlamentares devem se debruçar sobre o tema a partir de diferentes projetos de lei que tramitam em conjunto. São cerca de 20 propostas com teor semelhante. Entre elas, há, por exemplo, o PL 5301/20, do deputado Sanderson (PL-RS), que veta a veiculação de levantamentos nos 15 dias antes do pleito. O texto fixa penalidades que variam entre dois e cinco anos de prisão e preveem multa de R$ 53 mil a R$ 100 mil para eventuais infratores.
Paralelamente às articulações em torno do PL, governistas tentam emplacar no Senado a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os institutos de pesquisa. Na sexta (7), o senador Marcos do Val (Podemos-ES) apresentou um requerimento com 30 assinaturas, três além do quórum exigido pelo regimento.
Para que seja validado, o pedido ainda terá que ser lido em plenário, mas não se sabe se a lista irá se sustentar adiante. Entre os 30 signatários do documento, seis são parlamentares que estão em fim de mandato, quatro são suplentes – que a qualquer momento podem deixar o cargo para ceder o lugar aos seus titulares –, e dois estão disputando o segundo turno das eleições e por isso podem deixar a Casa, a depender do resultado das urnas. Pelas regras vigentes, a CPI precisaria encerrar os trabalhos até janeiro, pois as normas impedem que esse tipo de colegiado ultrapasse as arestas entre uma legislatura e outra.
Edição: Rodrigo Durão Coelho