Uma pergunta comum no dia a dia de muitas famílias: "o que fazer para garantir uma alimentação saudável para as crianças?". O conhecimento baseado na experiência e vinculação com os processos de produção alimentar é uma proposta diante de um bombardeio de informações que estimulam o excesso de guloseimas industrializadas.
De acordo com um levantamento do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani-2019), realizado entre fevereiro de 2019 e março de 2020, 93% das crianças de 24 a 59 meses consomem alimentos ultraprocessados. Em outra faixa de público, de 6 a 11 meses, a porcentagem é de 66,3%.
A chegada de datas comemorativas, como o Dia das Crianças, pode intensificar o debate sobre a qualidade e frequência dos alimentos consumidos pelo público infantil. A cozinheira Etel Matielo propõe uma vinculação e aprendizagem das crianças no processo de preparo dos alimentos, estimulando novas relações e apropriações com a comida.
"Cozinhar com as crianças é muito significativo para memória afetiva delas, e pode ser algo bem simples. Muitas vezes as pessoas acham 'mas meu filho tem dois anos'. As crianças não precisam fazer uma receita complexa. Elas podem mexer alguma coisa, descascar um ovo cozido, desde que supervisionado. As vezes vale tocar na panela e olhar o que tá sendo preparado", defende.
Aos 3 anos de idade, Ilundy Airá costuma quebrar ovos para preparar bolos ao lado da mãe. Essas e outras habilidades da pequena fazem parte de uma raiz ancestral em que o preparo de alimentos vai além de saciar a fome.
"Comida é muito importante para mim desde sempre, porque fui criada em uma família mineira, que minhas tias cozinhavam. Então, a comida tem uma função festiva, sempre teve uma função de troca de afeto, de história, de observar minhas tias cozinhando, de observar meu pai cozinhando, minha mãe cozinhando, minha avó e ficar sempre ali na beira do fogão aprendendo com eles", recorda Maitê Freitas, mãe de Ilundy.
Reconhecimento e ancestralidade
Com participação supervisionada da filha, Maitê segue as recomendações presentes em documentos como o Guia Alimentar para a População Brasileira e o Guia Alimentar para Crianças Brasileiras, ambos do Ministério da Saúde.
A presença ativa das crianças na hora de cozinhar contribui para a preservação de hábitos alimentares saudáveis entre gerações, superando aspectos e desafios alimentares contemporâneos. Os apelos da indústria alimentar, com grande poder de propaganda e marketing, podem ameaçar os saberes culinários dos povos. Por isso, lembrar as pessoas mais velhas da família e compartilhar conhecimentos com as crianças é um forma de resistir.
"Tem o escritor e jornalista Michel Pollan, que ele fala assim, 'não coma nada que a sua avó não reconheceria como alimento'. Então é interessante a gente perceber assim, que a indústria de alimentos produziu características de produtos que não são considerados alimentos, são produtos alimentares. E esses produtos que a gente chama de ultraprocessados são muito ricos em calorias, em carboidratos e em gorduras. Digamos, que enchem a nossa barriga, dão uma saciedade, e fazem também, se consumidos em excesso, uma série de doenças crônicas", aponta Etel.
Edição: Rodrigo Gomes