Saúde

Análise | SUS: projeto histórico garantido pela Constituição de 1988 e fortalecido com Lula

Antes, Brasil sofria com mortes evitáveis e era conhecido como "país dos banguelas"

Rio de Janeiro |
O SUS foi conquistado com muita mobilização popular e consolidado nos governos Lula - Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Antes da construção do Sistema Único de Saúde (SUS), no fim da década de 1980, somente trabalhadores com carteira assinada podiam utilizar os serviços médicos do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, (Inamps), o que causava muitas mortes por doenças tratáveis e fazia o Brasil passar o vexame de ser conhecido como "país de banguelas".

Para mudar essa realidade, que deixava sem assistência os trabalhadores informais, as donas de casa, jovens ainda sem emprego e a população do campo, foi necessário muita luta dos movimentos populares, profissionais de saúde, estudantes e trabalhadores que exigiam mudança. Ela aconteceu em 1988, quando o Brasil criou o SUS, primeiro sistema de saúde universal da América Latina.

O SUS é o sistema público que todo brasileiro pode usar, assim como todo estrangeiro em passagem ou residente no país. O sistema segue o modelo de acesso universal, além de não exigir copagamento ou pacotes mínimos para utilização dos serviços. É uma conquista da cidadania e seu custo é financiado coletivamente pela sociedade.

Entretanto, para viabilizar essa mudança social, o Brasil precisou desenvolver mais ciência e tecnologia, instalar mais unidades básicas de saúde e produzir muito mais, já que a saúde passou a ser direito de todos e dever do Estado. E foi a partir do governo de Lula que a mudança mais significativa começou.

Lula investiu nas emergências e ampliou os serviços do SUS

No primeiro mandato, Lula cuidou de organizar o atendimento de emergência no Brasil, nacionalizando o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) em 2003, ampliando a experiência dos municípios de São Paulo e Porto Alegre para todo o país. O SAMU faz parte da Política Nacional de Atenção às Urgências e incluiu a criação de Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e da Rede de Urgência e Emergência para reduzir o fluxo de atendimentos emergenciais em hospitais gerais.

O estigma de "país desdentado" também foi enfrentado, com a criação do Programa Brasil Sorridente – primeira política abrangente de cuidados odontológicos. A iniciativa foi iniciada com 4.260 equipes, mas em 2006 já havia 14.244, atendendo a 69,7 milhões de pessoas. Essas equipes foram integradas às unidades básicas de saúde, ampliando também a estratégia Saúde da Família, que teve aumento de 57% no número de equipes.

Depois, cuidou de ampliar o acesso aos medicamentos, criando em 2004 o Programa Farmácia Popular do Brasil, que fornecia medicamentos essenciais, fraldas geriátricas e outros itens, gratuitamente ou com desconto de até 90%, para a população usuária ou não do SUS. A Farmácia Popular, ao mesmo tempo em que garantia medicação para as pessoas, criava emprego e dinamismo nos mais de 4 mil municípios onde o programa foi implantado.

Para suprir e desenvolver essa política, Lula investiu pesado e definiu o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como financiador do Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde e do Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacêutica (Profarma), fortalecendo os laboratórios públicos, como a Fiocruz e o Instituto Butantan, assim como a indústria farmacêutica nacional.

Lula viabilizou o alinhamento entre a política industrial, a inovação e a política de saúde pública, criando a Lei de Inovação e a Lei do Bem, que garante deduções e compensações fiscais para pesquisa e destrava burocracias na área de desenvolvimento tecnológico. Esses mecanismos foram essenciais para o Brasil produzir, hoje, as vacinas contra a covid-19, além de fabricar medicamentos de uso contínuo, remédios para pessoas que vivem com o HIV, para os transplantados e para doenças raras, cujos tratamentos são muito caros.

Lula não deixou de construir hospitais por causa da Copa do Mundo

A estrutura de atendimento médico hospitalar também foi ampliada nos governos de Lula, e uma simples olhada nos números desmonta fake news que circulou entre aqueles que nunca apoiaram o SUS: em primeiro lugar, o orçamento federal não foi utilizado para construção de estádios. Em segundo, o Brasil nunca abriu tantos leitos de UTI como antes da Copa de 2014. No período, o país saiu de 9 mil para 23 mil novos leitos de terapia intensiva. Também foram criados os inéditos leitos de cuidados intermediários – importantes para aliviar a pressão sobre as UTIs.

Na mesma época foi realizada ainda a reforma psiquiátrica do Brasil, com o programa “De volta Para Casa” que encerrou um triste capítulo da nossa história, fechando hospícios e manicômios e estruturando residências terapêuticas e unidades de acolhimento e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

O presidente, Lula fez um governo estável na área da saúde, com dois ministros no primeiro mandato e somente um durante todo segundo mandato. Fez um governo humano, enfrentou indústrias ferozes, emitindo a primeira licença compulsória da nossa história para garantir o tratamento de pessoas contaminadas com HIV. Fez um governo democrático, respeitando os votos de trabalhadores e alunos das universidades, dos laboratórios públicos e das instituições de pesquisa, assistência e produção para saúde, nomeando sempre os primeiros nomes das listas.

O SUS, aprovado em 1988, finalmente se colocava de pé. Nós, do SUS, estamos resistindo desde 2016, porque não podemos abrir mão dele. No fim das contas é ele quem socorre a todos, sejam os 75% da população brasileira que só tem o SUS como opção, sejam os demais 25%, que sabem que, na hora da vacina no braço, é no SUS que podemos confiar.

*Nercilene Monteiro é Doutora em Saúde Coletiva da Fiocruz/RJ

** Este é um artigo de opinião que não representa necessariamente a opinião do Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Durão Coelho