análise

Direita contra direita: o segundo turno em Mato Grosso do Sul

Resultado das eleições em Mato Grosso do Sul também ficou distante do cenário desenhado pelas pesquisas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Foram para o segundo turno Eduardo Riedel (PSDB) e Capitão Contar (PRTB) em Mato Grosso do Sul - TSE/Flickr

Como ocorreu nas demais eleições pelo país, o resultado das eleições em Mato Grosso do Sul ficou distante do cenário desenhado pelas pesquisas. O ex-governador André Puccinelli (MDB), dado como certo no segundo turno, ficou em terceiro lugar. Foram para o segundo turno Eduardo Riedel (PSDB) e, talvez, a segunda maior surpresa da eleição: o Capitão Contar (PRTB).

O resultado mais surpreendente, no entanto, foi o de Marquinhos Trad (PSD): em sexto lugar, atrás inclusive de Giselle do PT, que praticamente nunca pontuou mais que 5% em nenhuma pesquisa. Seus aliados e apoiadores, a imprensa e até mesmo seus adversários, consideravam Marquinhos Trad, ex-prefeito de Campo Grande, um concorrente forte na disputa pela segunda vaga para o segundo turno. O eleitorado não.

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Candidato / Pesquisa IPEC (01/10)* / % votos / Posição final

André Puccinelli (MDB) / 31% / 17,18 / 3°

Eduardo Riedel (PSDB) / 18% / 25,16 / 2°

Marquinhos Trad (PSD) / 17% / 8,68 / 6°

Capitão Contar (PRTB) / 17% / 26,71 / 1°

Rose Modesto (União) / 13% / 12,42 / 4°

Giselle (PT) / 3% / 9,42 / 5°

Adonis Marcos (PSOL) / 1% / 0,23 / 7°

Magno Souza (PCO) / 0% / 0,2 / 8°

*Última pesquisa divulgada antes do 1° turno

 

A vitória do Capitão Contar no primeiro turno pode ser quase inteiramente creditada à força do bolsonarismo no estado. Filiado a um partido minúsculo, sem grandes alianças ou coligações, fez de sua campanha um palanque permanente de promoção da candidatura presidencial de Jair Bolsonaro, que por sua vez estava vinculado oficialmente à candidatura de Eduardo Riedel por meio da coligação do PL com o PSDB no estado.

Contudo, provocado por Soraya Thronicke (União) no último debate presidencial do primeiro turno (na madrugada do dia 29 para o dia 30 de setembro), Bolsonaro declarou apoio e pediu voto para o Capitão Contar que, sem dúvida nenhuma, foi o candidato mais beneficiado por aquele debate, marcado pelo baixo nível das discussões.

É muito difícil mensurar o quanto tal apoio repercutiu nas preferências eleitorais sul-mato-grossenses, mas tendo em vista a densa e ágil atuação bolsonarista nas redes sociais, não se pode desprezar aquele evento como impulsionador da candidatura de Renan Contar para o segundo turno.

Dado que a eleição presidencial também terá um segundo turno, a estratégia de Contar é a mesma do primeiro: “casar” seu nome e número com os de Bolsonaro, o qual teve pouco mais de 794 mil votos em MS. Contar, por sua vez, obteve aproximadamente 410 mil votos a menos que Bolsonaro. Dado que a correlação entre a votação de Bolsonaro e a de Contar foi altíssima em MS, pode-se supor que a votação do Capitão Contar tende a subir significativamente na medida em que aqueles mais de 400 mil votos dados a Bolsonaro, mas não a Contar, migrem para esse último.

Ciente disso, um dos primeiros movimentos da campanha de Riedel foi justamente o de tentar neutralizar a carona da candidatura Contar nos votos de Bolsonaro. Logo no dia 5 de outubro, a senadora eleita por MS, Tereza Cristina (PP), aliada de primeira hora de Riedel, divulgou um vídeo no qual o presidente Bolsonaro informa que “por um dever de lealdade, do bom ensinamento político, ficaremos neutros em Mato Grosso do Sul neste segundo turno”. Tal declaração confere maior liberdade à campanha de Riedel para associá-lo a Bolsonaro sem ser “desmentido” pelo próprio.

Além disso, a força de Riedel reside no interior do estado: venceu em 51 municípios (64%), resultado da capilaridade do PSDB (que elegera quase metade dos prefeitos de MS em 2018) e do apoio da máquina estadual, cujo continuísmo representa. Outra frente explorada por Riedel é a da sociedade civil, intensificando visitas e assinaturas de acordo com sindicatos, associações e setores econômicos na expectativa de reverter em votos os apoios e acordos assim feitos.

Outro cenário de luta é a capital: Campo Grande concentra aproximadamente 1/3 do eleitorado de MS e, nela, Capitão Contar venceu com 26% dos votos, sendo que Riedel ficou em quarto lugar, com 14%. Ou seja, 60% dos votos foram dados a outros candidatos ao governo na capital. Dado que o presidente Bolsonaro teve pouco mais de 54% de votos em Campo Grande, Capitão Contar provavelmente herdará parte daqueles votos. O desafio de Riedel será o de conter este crescimento e consolidar sua força no interior do estado.

O resultado do primeiro turno em MS foi o mais apertado de sua história, elevando a importância dos apoios no segundo. Até 11 de outubro, Marquinhos Trad e Rose Modesto, que têm um histórico de desavenças com o PSDB, apoiam Contar. O ex-governador e deputado estadual eleito em 2022, Zeca do PT, declarou apoio a Riedel, mas a aliança oficial deste último com Bolsonaro dificulta um apoio partidário mais amplo e formal do PT. Já André Puccinelli não se apressou: informou que só se posicionará após ouvir as lideranças do partido.

O resultado dessa eleição marcará não apenas a capacidade do PSDB de consolidar sua hegemonia em MS (já possui a maior bancada na Assembleia Legislativa, na Câmara dos Deputados e o maior número de prefeitos no estado), mas também de contribuir para a sobrevivência do PSDB no plano nacional, dado que esse partido vem sendo varrido eleitoralmente do país com a ascensão do bolsonarismo. Sendo assim, o resultado em MS é uma reprodução em menor escala da própria luta fratricida entre correntes distintas da direita brasileira pelas mesmas bases eleitorais.

 

*Daniel Estevão Ramos de Miranda é doutor em Ciência Política e professor na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

**Esse artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br.

***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo