Coluna

Janonismo ou saudosismo?

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Só a luta política salva, voto a voto, nas redes e nas ruas
Só a luta política salva, voto a voto, nas redes e nas ruas - DOUGLAS MAGNO / AFP
A esquerda entrou de vez na guerrilha digital, mas não há solução mágica nessas eleições

A esquerda entrou de vez na guerrilha digital, mas não há solução mágica nessas eleições. Só a luta política salva, voto a voto, nas redes e nas ruas.

 

.Mudou o clima. Depois de uma onda de sucessivas denúncias negativas contra Bolsonaro envolvendo temas religiosos e suspeita de pedofilia, as pesquisas eleitorais mostram um efeito inverso: Lula caiu ligeiramente e Bolsonaro cresceu. Com isso, as opiniões se dividem entre otimistas e pessimistas a respeito da possibilidade de uma virada de Bolsonaro na reta final. Mas como explicar este fenômeno? José Roberto de Toledo arrisca dizer que o eleitor conservador fechou com o capitão haja o que houver e que, ao mesmo tempo, Lula não tem conseguido ganhar novos eleitores. Por sua vez, Thomas Traumann e Luiz Gonzales avaliam que a estratégia petista de “dar o troco na mesma moeda” acabou alimentando o clima de ódio e caos que é o habitat natural do bolsonarismo. E, quando todas as barbaridades são normalizadas, o que se espera de Jair é que seja mesmo um bárbaro, observa José Roberto de Toledo referindo-se ao caso das meninas venezuelanas. Neste sentido, o “janonismo cultural” seria um erro, uma vez que a candidatura de Lula só teria viabilidade se fosse capaz de alimentar a esperança no eleitorado. Mas é possível fazê-lo sem cair no mero saudosismo do passado? Talvez a questão não seja tanto as falhas da campanha de Lula e sim a força do bolsonarismo. Como constata Ronaldo Pagotto, Bolsonaro se tornou o maior líder da direita brasileira, sustentado por uma classe dominante antinacional e antipopular. Uma classe que mal disfarça seu preconceito em relação a Lula atrás de exigências que não faz ao capitão. O efeito teflon, nenhuma acusação gruda em Bolsonaro, se deve muito mais às vistas grossas das elites do que a uma competência do candidato. Já Valério Arcary observa que o bolsonarismo também é o resultado de uma mudança na configuração das classes no Brasil, devido à decadência do setor industrial e à ascensão do agronegócio, ao som de um sertanejo universitário. A força dessa burguesia agrária arrasta tanto os setores médios quanto a classe C, desconfiada do Estado, sentindo-se abandonada e angustiada com a decadência econômica.

.Sopa de mentiras. A tática da desinformação veio para ficar na disputa política. A antropóloga Letícia Cesarino chama de “populismo digital”, o uso das técnicas de marketing para fazer política na internet, usando influenciadores, apostando nas emoções e na ideia de espontaneidade, mesmo que fabricada. É aí que o bolsonarismo consegue desequilibrar a disputa. O financiamento empresarial, as milícias digitais, o uso da máquina pública, a capilaridade nas igrejas evangélicas e nas prefeituras e o novo voto a cabresto dirigido pelo patronato, permitiram ao capitão fazer do país um imenso chiqueirinho da Alvorada. Enquanto isso, Lula precisa fazer reuniões e carta pública aos evangélicos para lembrar que é cristão e não vai fechar igrejas. Neste caldo de desinformação, o TSE busca moralizar as eleições, concedendo direito de resposta aos dois candidatos e tentando desbaratar a milícia digital comandada por Carluxo. O problema é que o absurdo conta com a conivência da grande mídia corporativa e até do ex-ministro do STF Marco Aurélio Mello, que viraram os campeões da liberdade de expressão e agora se levantam contra a “censura” do TSE. A boa notícia é que a estratégia bolsonarista não está isenta de erros. Um exemplo é a “bateção de cabeça” dos aliados para explicar o episódio do “pintou um clima” com menores de idade. Pior, o capitão não consegue manter a boca fechada e, quando o assunto já parecia esfriado, ele voltou a reaviva-lo dando novas justificativas e causando insatisfação em sua própria equipe. Do outro lado, Lula também tem seus trunfos. Afinal, por onde passa, arrasta multidões, além de que está conseguindo transpor a bolha da esquerda, seja nas redes, batendo o recorde de audiência no Flow, seja nas próprias hostes do bolsonarismo, angariando apoio de antigos aliados do capitão, como o fundador do Vem pra Rua e representantes do agronegócio.

.Bomba relógio. E quem diria que a bala de prata de Bolsonaro para tentar vencer a eleição seria a economia? Só agora o efeito eleitoral do uso da máquina pública em favor do capitão vai se tornando evidente. Mas como lá atrás, em julho, a oposição ajudou a aprovar a chamada PEC Kamikaze, que liberou recursos emergenciais para o governo usar em política social, agora ninguém tem coragem de se opor à compra de votos que ocorre à luz do dia. À vontade, o candidato à reeleição usa o governo para ganhar votos, liberando o empréstimo consignado ao Auxílio Brasil e planejando um um novo pacote de bondades com a aprovação do uso do FGTS futuro para crédito imobiliário. Com isso, até o falecido Posto Ipiranga foi reabilitado e incorporado à campanha. Aliás, ninguém poderia imaginar que anunciar a recondução de Paulo Guedes ao Ministério da Economia em caso de reeleição seria considerado um trunfo eleitoral de Bolsonaro. Evidentemente, para a máquina de bondades funcionar é preciso cortar de algum lugar. E para a campanha prosseguir, 11 ministérios tiveram cortes que totalizam R$ 2,63 bilhões. O risco das medidas eleitorais é que os efeitos são de curtíssimo prazo e a ressaca vem logo em seguida. No caso dos empréstimos consignados vinculados ao Auxílio Brasil, mais de R$1,8 bilhões já foram liberados com a medida, mas a taxa de juros dos empréstimos é de 50,23% e as reclamações já se acumulam nos órgão de defesa do consumidor. Outra bomba prestes a explodir é o preço dos combustíveis, segurado à força para garantir a ida ao segundo turno e que está guardando um ajuste de 12% para se equiparar ao mercado internacional novamente. Porém, a ilusão de que a economia “está bombando” não resiste à menor olhada nos dados. A atividade econômica caiu 1,13%, maior queda desde março de 2021, enquanto o custo da cesta básica continua subindo, aumentando também a defasagem do salário mínimo.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

 

.Preta, sapatão, de vila e filha de doméstica: ‘Tu quer mais política do que um corpo como esse?’ . O Sul21 traça o perfil de Daiana Santos, da bancada negra de Porto Alegre para a Câmara Federal.

'Brasil precisa da multipolaridade': como Dugin influencia ideias do grupo Nova Resistência. No Sputiknews, como pensa e age o movimento de direita que se infiltra na centro-esquerda brasileira.

.De padre pró-armas a cardeal ambientalista: como eleição divide a Igreja Católica. No BBC Brasil, Leandro Prazeres mostra que não é só de evangélicos que é feito o bolsonarismo.

.Sem medo de ser feliz. O historiador John French apresenta a sua biografia de Lula, publicada pela Expressão Popular.

.Para escritor Jeferson Tenório, movimentos impediram caos ainda maior sob Bolsonaro. O Brasil de Fato entrevista o escritor gaúcho sobre racismo estrutural e as eleições.

.O anticolonialismo de bell hooks, por ela mesma. Símbolo do pensamento crítico, feminista e negro, a escritora bell hooks reflete sobre sua trajetória política e pessoal.

.Marte Um. José Costa Júnior explica no A Terra é Redonda porque o filme brasileiro selecionado para o Oscar é um exercício de cultivo da humanidade.

 

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Vivian Virissimo