Faltando poucos dias para o segundo turno das eleições presidenciais no Brasil, é preciso um esforço considerável para não abordar os temas imediatos e buscar ver o que esta campanha aponta de estruturante. O país que corre o risco de ter Jair Bolsonaro reeleito está radicalmente modificado daquele que elegeu Lula pela primeira vez, em outubro de 2002. E, dista séculos existenciais da década de 1980 do século XX, quando a disputa pelo segundo lugar nas eleições presidenciais de 1989 se deu entre Luiz Inácio e Leonel Brizola.
Uma das variáveis marcantes nesses trinta e três anos de diferença entre a primeira campanha presidencial do ex-diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e a atual, é a acumulação de forças e o capital político formado a favor e em contra o personagem e seu campo político. Nos anos 1980 do século passado, a força vinha dos movimentos sociais, incluindo uma importante greve geral no primeiro semestre de 1989, naquele ano de eleições. Após passar por dois mandatos, eleger e reeleger a sucessora – depois derrubada em um golpe parlamentar com apelido de “impeachment” – Lula é um ex-presidente de centro com carisma político superior ao de seu próprio partido.
Outra diferença substantiva neste período histórico remonta a formação da nova extrema direita. Nos idos de 2014, me debatia com ideólogos e coordenadores de campanha do ultraliberalismo, ainda em emissoras de rádio com certo prestígio (hoje chafurdando na lama do bolsonarismo). No segundo turno daquele ano, o senador Aécio Neves (do PSDB do estado de Minas Gerais) enfrentava Dilma Rousseff (PT do Rio Grande do Sul) comparando modelos de crescimento econômico entre Lula (2003-2010) e seu líder político Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Embora se tratasse de disputa acirrada, constando na chapa de Dilma o ovo da serpente (com o golpista Michel Temer, seu vice que apoiou a queda do governo a partir de dezembro de 2015), os “estrategistas” da extrema direita queriam colocar em um único recipiente o que seria o “bloco histórico formado desde o final da década de 1970, com a luta pela Abertura e Anistia contra a ditadura”. Um destes gurus ultraliberais e protofascistas dizia com todas as letras: “tem de romper com tudo, dos bispos progressistas da Igreja Católica à hegemonia da ciência nas universidades públicas, e se não alinhar, são cúmplices as teorias críticas do Direito e os profissionais da cultura”. Todas as conquistas da Nova República, iniciada após a ditadura militar (1964-1985), tinham de ser cortadas, interrompidas, exorcizadas.
Duas variáveis são centrais para normalizar a regressão de direitos coletivos: a Operação Lava-Jato (Lawfare contra a Petrobras e a economia nacional brasileira) e a coordenação da extrema direita “religiosa”, de base neopentecostal. Em 2014 esse alinhamento era incipiente. A partir de 2018 uma complementa a outra.
A extrema direita brasileira escolheu montar um bloco histórico opositor e colocar no mesmo saco um espectro político que vai da social-democracia à extrema esquerda. Na campanha de segundo turno, o antifascismo brasileiro ocupa toda essa linha de identificação no sistema político. Mais lavado e brando é o leque de alianças de Lula e Alckmin que visa chegar ao Palácio do Planalto. Mas um mérito o inimigo tem: conseguiu alinhar com Bolsonaro um conjunto de forças ignóbeis e normalizar o comportamento abjeto. Desmontar esse monstro, vai muito além da urna.
*Bruno Lima Rocha Beaklini é cientista político, pós-doutorando em economia política, professor de relações internacionais e jornalismo. Editor do Estratégia e Análise.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko