O Brasil de Fato conversou nesta segunda-feira (24) com três especialistas em segurança pública a respeito dos desdobramentos da ação da Polícia Federal para prender, no último domingo (23), o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB), no município de Levy Gasparian, no interior do Rio de Janeiro. Todos eles foram unânimes em condenar a intervenção do presidente Jair Bolsonaro (PL).
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Na ação, agentes da Polícia Federal tentaram cumprir durante a manhã mandado de prisão expedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, após as ofensas e xingamentos públicos de Jefferson contra a ministra Cármen Lúcia. O ex-deputado cumpria prisão domiciliar e, pelas regras, estava impedido de se manifestar nas redes sociais.
Além de atacar agentes da PF com granadas e tiros de fuzil, o aliado de Bolsonaro fez a transmissão ao vivo em suas redes sociais do que seria sua resistência à prisão.
Para a professora do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF) Jacqueline Muniz, "o circo que deu errado porque o canastrão acreditou demais no próprio papel" foi todo premeditado e possível graças às falhas da ação decorrentes a partir do momento em que o governo federal passou a interferir na tática da PF.
Ela mencionou o pedido de reforço, depois que o ex-deputado atingiu os agentes, mas que, dali em diante se iniciou a ingerência do governo federal, inclusive com o envio do ministro da Justiça, Anderson Torres. "Vamos deixar claro que nenhum ministro da Justiça tem poder de polícia nem de negociação, ele é chefe administrativo da Polícia Federal, mas jamais tem poder de polícia".
"Como um falso padre ingressa na residência que deveria estar cercada, isolada, por exemplo com energia desligada para evitar contatos para fora, uso de internet e de celular? Essa espetacularização para fora multiplica riscos e inviabiliza o trabalho policial, que acabou virando um circo de 14 horas", lamentou a professora, acrescentando que os agentes da PF "estão profundamente indignados com a condução que violou todos os protocolos".
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A pesquisadora criticou, ainda, a conversa descontraída, com direito a café, entre Jefferson, o "Padre" Kelmon e um agente da PF. Segundo ela, toda a ação foi premeditada para se tornar um fato político favorável ao ex-deputado e a Bolsonaro às vésperas da eleição. Ela citou o fato de o ex-parlamentar ter um histórico de espetacularização na política e ter começado a carreira em programas de TV policialescos e sensacionalistas.
"Desafio qualquer um a me apresentar um manual de qualquer polícia do mundo em que essa conversa de botequim seja considerada procedimento tático para entrega e rendição de preso, até porque ali ele já estava rendido. Aquilo ali foi uma sucessão de equívocos politicamente construídos, parecia que a cena era para produzir uma outra coisa, um discurso libertário de um sujeito que resiste à 'tirania' da justiça, produzindo efeito publicitário. E essa espetacularização do Roberto Jefferson não é de agora", afirma Jacqueline.
Policial federal e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Roberto Uchôa também condenou a atitude do ex-deputado, mas também questionou o fato de um preso com extensa ficha corrida e em prisão domiciliar ter em seu poder armamento pesado adquirido legalmente, com autorização do Estado.
"Como estamos permitindo que essa quantidade gigantesca de pessoas adquira enorme quantidade de armas e munições e, por ventura, acabem utilizando contra agentes do Estado?"
Ele reforçou o argumento de Jacqueline Muniz e rebateu acusações de que os policiais que chegaram primeiro ao local não estavam preparados e bem treinados para a ação. Uchôa também foi categórico em apontar a interferência do governo federal na prisão de Jefferson e disse que que a medida "atrapalhou os protocolos previstos de uma instituição altamente preparada e treinada, como é a Polícia Federal".
"Por que houve essa ingerência e qual é o interesse dela? Por que atrapalhar a operação de uma instituição tão bem preparada? E há a questão de se usar o fato politicamente como incentivo para que outros façam o mesmo. Isso é um perigo, vivemos um clima de tensão no país e outras pessoas podem se sentir estimuladas. É a fragilização da sociedade e da democracia, como um todo", disse o agente e integrante do Fórum.
Polícia do "Xandão"
Para Lenin dos Santos Pires, professor do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), Roberto Jefferson tem se notabilizado por intervir bastante no universo da chamada segurança pública nos últimos anos, "principalmente na Polícia Federal", ressalta o pesquisador, e "não chegou ontem na política" inclusive compondo a base de apoio partidário a diversos governos.
Segundo o professor da UFF, Jefferson tem conhecimento da pluralidade e diversidade da corporação e mirou na "Polícia Federal do Xandão", mencionada pelo ex-deputado no vídeo de domingo em referência ao ministro Alexandre de Moraes.
"Sabedor de como funciona a PF, sua pluralidade e diversidade, ele atirou na PF na qual ele não consegue ter ingerência. Ou seja, ele atirou naquilo que ele avalia ser a Polícia Federal do 'Xandão', a PF que estaria vinculada ao STF e ao TSE como representante de uma ala faccional do Judiciário e também da política, porque todo mundo sabe que Alexandre de Moraes teve suas vinculações com o PSDB e também com Michel Temer
Lenin afirmou que o caso não pode ser esquecido e deve ser investigado. Para ele, as horas que se seguiram ao ataque de Jefferson contra policiais foram comandadas por uma outra facção dentro da Polícia Federal que descumpriu protocolos que deveriam ter sido utilizados na prisão, vilipendiando a própria instituição a mando de Bolsonaro.
"Infelizmente, nesse episódio, se colocou em movimento, com o ministro da Justiça corroborando nessa direção, uma outra facção dentro da PF, que aí descumpriu os protocolos de lidar com uma situação como essa. A instituição Polícia Federal foi vilipendiada, desconsiderada e a vida de agentes foi colocada em risco. Houve, sim, uma tentativa de homicídio com 20 tiros de fuzil. É importante que as instituições não tomem isso como fato menor", avaliou Lenin Pires.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Mariana Pitasse